terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. HOMICÍDIO. ART. 70. CPP.

I - O artigo 70 do Código de Processo Penal, explicitamente, indica que o critério ali enunciado atua como regra geral. Incidem pois em casos especiais os princípios reitores da competência. 

II - O princípio que rege fixação de competência é de interesse público, objetivando a alcançar não só a sentença formalmente legal e se possível justa.

III - A orientação básica da lei é eleger situações que melhor atendem à finalidade do processo. este busca a verdade real. A ação penal, então, deve desenrolar-se no local que facilite a melhor instrução a fim de o julgamento projetar a melhor decisão. 

IV - No caso dos autos, a ação praticada em Catalão; a morte em hospital de Brasília. A vítima removida em conseqüência da extensão da conduta delituosa. Evidente na espécie o juízo da ação é o local que melhor atenda o propósito da lei. Ali se desenvolveram os atos da conduta delituosa. Agente e vítima moravam no local. A morte em Brasília foi uma ocorrência acidental. 

V - Conflito conhecido e declarado competente o Juízo de Direito de Catalão-GO o Suscitado. (Conflito de Competência nº 8.734-1- DF, Rel. Min. Adhemar Maciel, STJ, DJU 20-03-95, p. 6079).


Atenuantes e pena aquém do mínimo. A Súmula 231 do STJ

O STJ, em 22/9/1999, editou a Súmula 231, de acordo com a qual “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. 

O enunciado reflete orientação largamente dominante na doutrina e jurisprudência, inclusive do STF:“O reconhecimento de atenuante não pode levar à aplicação de pena aquém do mínimo legal” (STF, H.C. no. 71.786-1-SP, Rel. Min. Francisco Rezek, DJU 24-02-95, p. 3.677 - no mesmo sentido: RTJ 118/928). É que “o sistema adotado pelo CP impede que, estabelecida a pena-base consideradas as circunstancias judiciais, existindo circuns-tância atenuante, o Juiz diminua a pena abaixo do estabelecido em lei. Portanto, fixada a pena-base no mínimo legal, mesmo levando em conta a menoridade do réu, a pena não pode ser reduzida para quantidade inferior ao mínimo abstratamente considerado. É que as circunstâncias legais influem sobre o resultado a que se chega na primeira fase, cujos limites, mínimo e máximo, não podem ser ultrapassados. Apenas na terceira fase, quando incidem as causas de diminuição e de aumento, é que aqueles limites podem ser ultrapassados” (STJ, R.Esp. 46.182-0-DF, V T., Rel. Rel. Min. Jesus Costa Lima, DJU, 16-05-94, p. 11.779); 

Tal exegese, porém, implica em menoscabo ao "princípio da legalidade", pois é restritiva à liberdade e órfã de norma que lhe dê origem e sustento.

O princípio da legalidade, para dar efetiva e material proteção da cidadania, deve ser uma muralha às interpretações decorrentes do poder arbitrário dos juizes e Tribunais.

No CP anterior, relativamente a uma atenuante especial, havia expressa referência a que a diminuição da pena não poderia ficar abaixo do mínimo cominado. E com base nessa regra a jurisprudência construiu outra, no sentido de que as atenuantes em geral também não poderiam, tal qual aquela especial atenuante, implicar em pena aquém do mínimo para o delito. Essa criação judicial veiculava razoável interpretação do texto legal. 

Mas, revogada a antiga parte geral do CP, não havendo na atual única regra proibitiva de tal efeito na fixação da pena, a vedação sumulada pelo STJ é violadora, "sem intermezzo", da liberdade individual, valor constitucional. A interpretação é inconstitucional, modo direto, sem "intermezzo".

Além do mais, o art. 65 do CP, ao elencar as circunstâncias atenuantes, imperativamente dispõe: “sempre atenuam a pena ...” .

Dizer-se que a proibição decorre do risco da pena zero, pois o juiz, como a lei não determina o “quantum” máximo redutor pela atenuante, poderá diminuir a pena-base em quantidade que bem entender, estabelecendo-a até mesmo em “zero”, é um despropósito.

Primeiro, porque não se imagina como possa um juiz assim proceder; segundo, porque as atenuantes encontrariam limites nas “causas especiais”. Não podem operar maior efeito do que o destas. No homicídio, a atenuante não poderá importar em redução maior do que a das causas do § 1º do art. 121, porque específicas ao delito, por isso denominadas "privilegiadoras" (valor moral ou social e homicídio sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima).

As atenuantes, concorde-se ou não, decorrem de uma opção político-legislativa. Dizem com situações de menor culpabilidade, à juízo do legislador, que devem ser obrigatoriamente sopesadas na dosimetria, mesmo que a quantidade da pena fique aquém do mínimo cominado ao crime. 

Por exemplo, ser o agente menor de 21, na data do fato, ou maior de 70 anos, na data da sentença, para o legislador, é circunstância em que o juízo de reprovação social é mais ameno, e repercute na quantificação da pena. Menor medida de culpabilidade.

Não se reconhecendo às atenuantes força suficiente para vencer o limite mínimo cominado, desrespeita-se a norma, que está claramente posta, sem margens a divagações. 

Pense em todos os outros casos do art. 65 do CP:

a) o desconhecimento da lei; 
b) o motivo de relevante valor social ou moral; 
c) espontânea vontade do agente, e com eficiência, logo após o crime, em evitar ou minorar as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
c) coação a que o agente podia resistir, 
d) cumprimento de ordem de autoridade superior, 
e) influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
d) confissão espontanea da autoria do crime;
e) crime sob a influência de multidão em tumulto. 

A jurisprudência exerce um valioso trabalho na aplicação concreta do direito. Não há mínima dúvida de que o ato de julgar não se resume a uma postura passiva diante do texto legal. Implica em notável margem do poder criador, na expressão de Miguel Reale. 

Quantas vezes, devido à lacuna do direito, a jurisprudência elabora a norma, interligando enunciados até então isoladamente visualizados pelo intérprete, e em quantas outras interpreta isoladamente regras que sempre foram compreendidas como partes de um todo incindível. 

Essa função criadora dos Tribunais não encontra limites enquanto resultar em proveito do homem, da liberdade individual e da cidadania. 

No entanto, nem sempre é assim que a jurisprudência se comporta. Não raro, julgados agravam ou prejudicam a situação do acusado, em violação do princípio da legalidade. 

Por legalidade, dentre várias outras observações, deve ser compreendido que a interpretação da lei não pode ser restritiva quando em prejuízo do réu. Afetaria o valor (supremo) constitucional da "liberdade", ao qual o princípio da legalidade está intimamente conetado. 

Preâmbulo da CF: "Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a "liberdade", a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como "valores supremos" de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constiuição da República Federativa do Brasil. 

Em tais situações, a orientação jurisprudencial deve ser questionada e rechaçada. "Sem mais", não se deve referendá-la no cotidiano da aplicação do direito.

Portanto, desde que pertinente ao fato em julgamento, ao juiz caberá aplicar a circunstância atenuante, pouco importando que disso resulte pena inferior ao mínimo. 

Desprezá-las, sob o argumento de que não podem reduzir a pena aquém do mínimo, sem que exista uma norma a embasá-lo, e na certeza de que a jurisprudência não pode ser fonte do Direito Penal, exceto se em benefício do homem frente ao poder punitivo estatal, não somente conflita com o comando do art. 65 do CP, mas, acima de tudo, com os postulados básicos do Direito Penal Democrático, que não convivem com a interpretação restritiva das normas não-incriminadoras. 

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região aderiu a esta corrente de pensamento, decidindo que as atenuantes permitem a redução da pena abaixo do mínimo cominado (Cf. Apelação nº 2.072, DJU de 11.1.90, p. 154). 

James Tubenchlak, em artigo publicado na Revista ADV/COAD nº 416, de 1987, salientava que, então passados três anos de vigência da nova Parte Geral do CP, prosseguiam os doutrinadores, secundados pelos Tribunais, a esposar o entendimento de que as circunstâncias atenuantes não possuem o condão de trazer a pena aquém do mínimo cominado. 

Curiosa e contraditoriamente, porém, observou, os mesmos autores aceitam, ainda que em prejuízo do réu e na total ausência de regra escrita, mas sem a indicação das respectivas bases jurídicas ou legais, que as minorantes e majorantes possam desrespeitar os limites mínimo e máximo de cada crime. O fato de serem previstas em quantidades fixas ou variáveis não as torna de incidência inarredável, e, portanto, não pode ser utilizado como fator justificante do tratamento diverso. Aliás, poder-se-ia retrucar afirmando que as atenuantes sempre diminuem a pena, pois é o que diz a lei penal, mesmo que para quantidade inferior à mínima, e que as causas especiais de diminuição só teriam tal condão se não fosse vencido o mínimo cominado. Afinal de contas, relativamente às minorantes, em sua maioria, reza o Código: o juiz pode (por ex., arts. 121, § 1º; 155, § 2º, e art. 171, § 1º).

"É verossímil que uma determinada circunstância possa trazer a pena abaixo do mínimo, em homenagem a um delito de gravidade máxima, e não o possa, diante de um delito menor ? Quem nos responde afirmativamente, e aqui talvez sejamos pioneiros, é o próprio Código Penal. Com efeito, o motivo de relevante valor moral ou social, considerado privilégio no homicídio, pode reduzir a pena de um sexto a um terço, sem respeitar o limite máximo. Porém, se se tratar de delitos menos graves, como por exemplo o furto, nada mais é do que uma atenuante genérica, art. 65, III, a, incapaz, segundo a teoria dominante, de transpor o grau mínimo. Absurdo maior, convenhamos, é bem difícil detectar-se na legislação penal vigente" (Tribunal do Júri - Contradições e Soluções, págs. 288/289).

Julio Mirabete expressamente reconhece a possibilidade deste entendimento, pois, enquanto para a fixação da pena se determina que devem ser obedecidos os limites previstos da pena aplicável (art. 59, inc. II), o art. 68 não apresenta essa restrição, ao dispor que, após essa fixação, "serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes", liberando-se o julgador para a aplicação de pena superior ao máximo ou inferior ao mínimo. 

E arremata: "As circunstâncias previstas no art. 59 não se referem às atenuantes, como deixa claro o art. 68 ao estabelecer as fases do cálculo de aplicação da pena" (Manual, vol. I, p. 296, nota 5).

A orientação majoritária desatende aos imperativos de necessidade e suficiência, é prejudicial ao réu e contradiz com os princípios reitores da dosimetria, dentre os quais, com destaque, o de que sendo o réu primário e inteiramente favoráveis as operadoras do art. 59, a pena deverá ser fixada no mínimo. Quando frente a fato em que as operadoras são inteiramente favoráveis, ou em se tratando, por exemplo, de réu confesso da autoria, o juiz fixa a pena-base à revelia daquele princípio, estimando-a um pouco acima do mínimo para poder então reduzi-la pela atenuante, ou a estabelece logo no mínimo, dando por prejudicada a atenuante, está, em qualquer das hipóteses, desatendendo a imperativa regra de que as atenuantes "sempre" reduzem a pena, em prejuízo da liberdade do agente, isto sem se falar na hipocrisia que a postura encerra.


Continuidade: critério de aferição é objetivo ou subjetivo?

Não se deve admitir a continuidade delitiva com tamanha facilidade, como se decorresse de um somatório de crimes e circunstâncias semelhantes. É preciso que se tome posição firme para não reconhecê-la em favor do criminoso habitual, daquele que faz do crime uma profissão, daquele que não entrelaça os vários fatos delitivos como partes de um único projeto.

“Para que incida o art. 71 do CP, faz-se necessário, tão-somente, que os delitos da mesma espécie, cujas sanções o apenado pretende unificadas, tenham como peculiaridade mesmas condições de tempo, lugar e semelhante modus faciendi” (Ag. 293094793, IV C., Rel. Dr. Carlos Roberto Nunes Lengler, 1°.12.93). 

Esta exegese, fundamentada na chamada teoria objetiva, tradicionalmente tem sido proclamada pela jurisprudência, inclusive no Rio Grande do Sul. 

Todavia, e aqui o chamamento à reflexão, algumas decisões tem consagrado, com base na teoria subjetiva, uma outra interpretação: 

“Habeas Corpus 74066-9. Rel. Min. Maurício Corrêa. Não se reconhece a continuidade delitiva (CP, art. 71) para fins de unificação de 5 penas aplicadas ao paciente por crimes de roubo duplamente qualificados, quando não há conexão temporal e geográfica entre eles, vez que praticados em grande espaço de tempo e em Comarcas diversas e distantes, com diversidade de vítimas e de comparsas. Precedentes. Quem faz do crime sua atividade comercial, como se fosse profissão, incide nas hipóteses de habitualidade, ou de reiteração delitiva, que não se confunde com a da continuidade delitiva. O benefício do crime continuado não alcança quem faz do crime a sua profissão. Precedentes (STF)”. 

“Incabível a aplicação do art. 71 do Código Penal, se não observado na espécie o elemento de ordem subjetiva, qual seja, a unidade de desígnios, a caracterizar a continuidade delitiva” (Recurso Especial nº 76.999/SP (950053695-1), STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 04.02.97, un., DJU 03.03.97, pág. 4.716); 

“Não levados em consideração, no conceito da continuidade delitiva, elementos de natureza subjetiva, como a “unidade de desígnios”, reconhecidos como exigíveis na doutrina e na jurisprudência pretoriana, forçoso é reconhecer a ofensa ao art. 71 do CP, circunstância que não autoriza a unificação das penas” (Recurso Especial nº 950048075-1/SP, STJ, Rel. Min. Willian Patterson, j. 07.10.95, un., DJU 12.02.96, p. 2.464); 

“Exigência de unidade de desígnio ou dolo total. Situação atual perante a doutrina e a nova Parte Geral. Insuficiência da teoria objetiva pura. Atenuações pela jurisprudência. Para a caracterização do crime continuado torna-se necessário que os atos criminosos isolados se apresentem enlaçados, os subseqüentes ligados aos antecedentes (art. 71 do CP: "devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro"), ou porque fazem parte do mesmo projeto criminoso, ou porque resultam de ensejo, ainda que fortuito, proporcionado ou facilitado pela execução desse projeto (aproveitamento da mesma oportunidade). Recurso especial do Ministério Público conhecido e provido para restabelecer-se a sentença que negou a continuidade delitiva em caso de criminosos reconhecidos como habituais, os quais, com reiteração, praticaram roubos autônomos, contra vítimas diferentes, embora na mesma comarca e em curto espaço de tempo” (Recurso Especial nº 44635-0/SP, Rel. Min. Assis Toledo, STJ, DJU 30.05.94, p. 13.500).


CONCUSSÃO E MEDICO SUS

Trancamento de ação penal. Concussão. Médico cadastrado no SUS. Justa causa para o prosseguimento do feito. Competência da Justiça Federal. Ampliação do conceito de funcionário público. Função delegada.

"Compete à Justiça Federal o processo e julgamento, pelo delito de concussão (art. 316, CP), de médicos cadastrados no SUS que, no atendimento a segurados da autarquia, exercem função pública delegada (por equiparação - artigo 327 do Código Penal).

Inserem-se no conceito de funcionário público todos aqueles que, embora transitoriamente e sem remuneração, venham a exercer cargo, emprego ou função pública, ou seja, todos aqueles que, de qualquer forma, exerçam-na, tendo em vista a ampliação do conceito de funcionário público para fins penais.

Inobstante a descrição típica do art. 316 do CP não exigir o recebimento de vantagem 
indevida para a caracterização do delito de concussão - que é de natureza formal, vislumbra-se a lesão ao interesse da União, no que respeita à fiel prestação de seus serviços, face ao preceito constitucional da gratuidade dos serviços de saúde pública, ressaltando-se, por outro lado, que o nosocômio particular efetivamente recebe verbas federais pelos convênios firmados." 

(HC nº 2000.04.01.019017-0/RS, TRF 4ª Região, 1ª Turma, rel. juiz José Luiz B. Germano da Silva, j. 04.04.00, v.u., DJU 26.04.00, p. 59).

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