terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

ART. 366 DO CPP

Durante a "era Torquemada", em 31 de março de 1492, Fernando de Aragão e Isabel de Castela assinaram um decreto expulsando os judeus do território espanhol, devendo eles deixar no país seu ouro e seu dinheiro. Escaparam apenas da punição os judeus batizados ("marranos").

No séc. XVI, os tribunais inquisitoriais fixos eram 14, em território espanhol, e as cidades que possuíam inquisidores eram: Toledo, Sevilha, Valadolid, Granada, Córdoba, Múrcia, Llerena, Cuenca, San Tiago de Compostela (para a qual muitos condenados peregrinavam em cumprimento de pena), Logroño, Zaragoza, Barcelona, Santa Cruz de Tenerife, Valência e Maiorca.

A tortura foi utilizada em larga escala, quando o acusado caísse em contradições ou se negasse a confessar desde logo suas heresias.

Tendo em vista a antiga parêmica Ecclesia abhorrat sanguinem ("A Igreja tem horror ao sangue"), os suplícios não podiam ostentar caráter cruento. Um dos mais utilizados era o da água, ao lado do "polé" e dos "cordeles" (cordas progressivamente apertadas em torno dos braços e das coxas).

A preparação para a tortura era terrível: o condenado era convidado a confessar, mediante súplicas, ameaças e até pela demonstração do funcionamento dos instrumentos de suplício.

Se confessasse durante o tormento, seguia-se a condenação. Se suportasse as dores, poderia ser absolvido, comprometendo-se, todavia, a nada contar a terceiros sobre o sofrimento por que passara.

Como a tortura somente podia ser infligida uma vez, os inquisidores recorriam ao subterfúgio do "adiamento" da sessão, para "prosseguimento" posterior.

As penas eram: jejuns obrigatórios, peregrinações, proibições de permanência em certos lugares, práticas religiosas obrigatórias, prisão (inclusive domiciliar), utilização do sambenito (hábito em forma de saco, de cores amarela e vermelha, que se enfiava pela cabeça), as galeras, as flagelações e a morte pelo fogo.

Os hereges relapsos (reincidentes) eram lançados diretamente ao fogo. Os reconciliados (que abjuravam a heresia na hora da morte) eram primeiramente estrangulados pelo carrasco, e seus corpos eram jogados já sem vida na fogueira.

A maioria dos autos-de-fé, entre os quais os mais grandiosos, era realizada na Plaza Mayor, de Madrid.

Ainda no séc. XVI, foram instituídos os crimes de judaísmo e de maometanismo, tendo ocorrido intensa perseguição aos adeptos da Reforma protestante, a qual, por sinal, não logrou sucesso em terra espanhola graças à Inquisição.

Entre os reformistas, os mais visados foram os erasmitas, adeptos de Erasmo de Rotterdam, os luteranos e os intimistas, que renegavam qualquer tipo de culto externo, desprezavam as riquezas da Igreja e pregavam o colóquio íntimo e direto com Deus, sem intermediários.

Também os místicos foram duramente reprimidos, como os alumbrados (iluminados), que se diziam ofuscados por luz interior, e os dejados por amor de Diós ou quietistas, que passavam horas e até mesmo dias em imóvel contemplação divina. As beatas, que viviam de esmolas e consideravam-se portadoras de dons proféticos, também foram alvo constante dos processos inquisitoriais

Até entre os jesuítas foram encontrados místicos, em 1579, em Estremadura.

Uma beata condenada por orgias libidinosas, Eugenia de la Torre, foi queimada em Toledo.

Nem mesmo Ignácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, escapou das suspeitas da Inquisição, que o processou e acabou absolvendo-o . As suspeitas em questão dirigiram-se aos seus Exercícios Espirituais, que alguns inquisidores temiam que pudessem levar padres e freiras a retiros e reclusões desprovidos de qualquer culto externo.

Santa Tereza de Ávila foi igualmente processada e absolvida, sob acusação de iluminismo.

Por volta de 1510, um monge franciscano, Melchor, de Ocaña, que anteriormente houvera profetizado a conversão total dos mouros, a queda dos tronos, a convulsão total da cristandade e a transferência do papado para Jerusalém, considerando-se eleito por Deus, obedecendo a uma ordem do Senhor, dirigiu-se à posteriormente canonizada Joana de la Cruz, convidando-a a com ele gerar um filho que seria um novo Messias. Joana denunciou-o ao inquisidor geral, Cisneros, que o processou e o condenou à fogueira. 

Em 1558, a Infanta Joana inaugurou sinistra novidade, em conluio com a Igreja: a censura, instituída pela "Sanção Pragmática", que listou obras proibidas e vedou sua aquisição por católicos, sob pena de condenação à morte.

Uma das vítimas dessa censura, aliás, foi o frei Luís de Leon, professor da Universidade de Salamanca, que, acusado de assumir em aula posições iluministas - pretendia rever e publicar a "Bíblia de Vatable", que fora proibida pelo inquisidor-geral Valdez - , foi preso e ficou no cárcere por 5 anos (de 1572 a 1576). Quando reassumiu sua cátedra, começou a primeira aula dizendo: "Como dizíamos ontem..."

Em 1559, para impressionar o povo, o próprio rei Felipe II compareceu em pessoa a um auto-de-fé, no qual dezenas de condenados foram executados perante cerca de 200.000 pessoas, em Madrid.

Em fins do séc. XVI, destacou-se a figura sinistra do Duque de Alba, que, em seu "Tribunal de Sangue", torturou e matou muita gente com o "placet" das autoridades eclesiásticas.

No séc. XVII prosseguiu a luta da Inquisição, desta vez mais dirigida contra os protestantes. Novas figuras criminosas foram criadas, como a sodomia, a bestialidade, o homossexualismo, a necrofilia e a mancebia, todas de competência do Tribunal do Santo Ofício e quase todas passíveis de morte pelo fogo.

No séc. XVIII o iluminismo anticlerical que se alastrou pela Europa e acabou eclodindo na Revolução Francesa foi severamente punido pela Inquisição espanhola, mas sua influência foi, a pouco e pouco, aliada à revolução industrial , à ascensão da burguesia e aos movimentos liberais, fazendo minguar os poderes, o prestígio e a atuação do Santo Ofício, cada vez mais considerado um anacronismo insuportável e injustificável.

Entre 1744 e 1808, apenas 14 réus foram condenados à morte pelos tribunais inquisitoriais espanhóis.

A Inquisição espanhola resistiu, porém, até mesmo a Napoleão, que, em dezembro de 1808, aboliu formalmente o Santo Ofício, após a ocupação, sem que ela, porém, deixasse de existir na prática.

Em 22 de janeiro de 1813, as Cortes de Cádiz votaram a abolição do Santo Ofício. Fernando VII, porém, ao retomar o trono da Espanha, restabeleceu a Inquisição, em 1820.

O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição somente veio a ser definitivamente eliminado em Espanha por decreto de Maria Cristina, em 1834.

OBRAS CONSULTADAS

JAMES A . BRUNDAGE, "Medieval Canon Law", ed. Longman, London, 1995.
PAULO SÉRGIO LEITE FERNANDES e ANA MARIA BABETTE BAJER FERNANDES, "Aspectos Jurídico-Penais da Tortura", ed. Ciência Jurídica, Belo Horizonte, 1996.
A . TESTAS e J. TESTAS, "A Inquisição", ed. Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1968.
EDWARD MANN, "La Inquisición - Lo que fue y lo que hizo", ed. Humanitas, Barcelona, 1991.
JOÃO BERNARDINO GONZAGA, "A Inquisição em seu Mundo", ed. Saraiva, 1993.
NICOLAU EYMERICH, "Manual dos Inquisidores", ed. Rosa dos Tempos, 1993, trad. de Maria José Lopes da Silva.
ADMA MUHANA, "Os Autos do Processo de Vieira na Inquisição", ed. Unesp, São Paulo, 1995.

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