terça-feira, 18 de outubro de 2022

DURKHIM - Estudo da obra “O Suicídio”

 Autor: Wesley Marques

Contextualização geral do período

Émile Durkheim nasceu em Épinal, cidade situada no nordeste da França, em 1858. Nesse mesmo ano também nasceram Franz Boas, antropólogo alemão e Theodore Roosevelt, que foi presidente dos Estados Unidos de 1901 a 1909.

Esse século foi marcado por diversas guerras: Guerras Napoleónicas (1792-1815); Guerra Mexicano-Americana (1847-1848); Guerra da Crimeia (1854-1856); Guerra do Pacífico (século XIX) (1879–1884); Guerra Hispano-Americana (1898); Guerra Grande (1838-1851); Guerras do ópio (1839-1842), (1856-1860); Guerra de Secessão (1861-1865); Guerra dos Ducados do Elba (1864); Guerra do Paraguai (1865-1870); Guerra Austro-prussiana (1866); Guerra franco-prussiana (1870); Primeira Guerra de Independência Italiana (1848); Segunda Guerra de Independência Italiana (1859-61); Terceira Guerra de Independência Italiana (1866); Guerra de independência da Grécia (1821-1831); Comuna de Paris (1871); Independência da América Espanhola, Revolução de Maio, Revolução húngara de 1848, Revoluções de 1848, Revolução de 1868, Revoluções de 1830, Revolução liberal do Porto e Dissolução do Xogunato Tokugawa.

Alguns fatos importantes desse século tiveram início em 1800, quando a população mundial atingiu o primeiro bilhão de pessoas e em 1805, quando a Marinha francesa tentou invadir a Inglaterra, mas foi vencida pela esquadra inglesa do almirante Nelson, sendo que em 28 de Maio de 1804 Napoleão Bonaparte foi proclamado imperador da França. Já em 1807: tem início as Invasões Francesas: quando Napoleão dá ordem a Junot para entrar na Espanha. Em 29 de Novembro a família real portuguesa sai para o Brasil na sequência da invasão do país por tropas napoleónicas. Em 1812 Napoleão invade a Rússia e em 1814 foi promulgada a Constituição Francesa.

No ano de 1815 Napoleão foi definitivamente derrotado na Batalha de Waterloo. Sendo que depois desta derrota, abdicou e partiu para o exílio na Ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul.

Em 1846 Friedrich Engels e Karl Marx concluem a redação de A Ideologia Alemã. Já em 1848 foi publicado o Manifesto Comunista por Marx e Engels e, em Paris, iniciou-se a Revolução de 1848, que foram uma série de revoluções na Europa central e oriental que eclodiram em função de regimes governamentais autocráticos, de crises econômicas, de falta de representação política das classes médias e do nacionalismo despertado nas minorias da Europa central e oriental, que abalaram as monarquias da Europa, onde tinham fracassado as tentativas de reformas políticas e econômicas. Também chamada de Primavera dos Povos, este conjunto de revoluções, de caráter liberal, democrático e nacionalista, foi iniciado por membros da burguesia e da nobreza que exigiam governos constitucionais, e por trabalhadores e camponeses que se rebelaram contra os excessos e a difusão das práticas capitalistas. A partir de 1845, a situação política francesa foi profundamente agravada pela eclosão de uma crise do capitalismo. Essa crise acabaria se estendendo por todo o continente e estaria na origem das revoluções liberais que abalaram a Europa Centro-ocidental, no ano de 1848.

A revolução de 1848 irrompeu primeiramente na França, onde adeptos do sufrágio universal e uma minoria socialista, sob a liderança de Louis Blanc, conseguiram derrubar a monarquia de julho e criaram a Segunda República.

No dia 12 de abril de 1861 teve Início da Guerra Civil Americana, que durou até 1865.

Quanto a Revolução Industrial: esta alterou profundamente as condições de vida do trabalhador braçal, provocando profundas mudanças na economia e na tecnologia, além de gerar um intenso deslocamento da população rural para as cidades. Criando enormes concentrações urbanas; a população de Londres cresceu de 800 000 habitantes em 1780 para mais de 5 milhões em 1880. Os outros dois movimentos que a acompanham são a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa que, sob influência dos princípios iluministas, assinalam a transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea.

Com a evolução do processo, no plano das Relações Internacionais, o século XIX foi marcado pela hegemonia mundial britânica, um período de acelerado progresso econômico-tecnológico, de expansão colonialista e das primeiras lutas e conquistas dos trabalhadores.

O século se caracterizou também por romper definitivamente com a fusão entre História e literatura. Leopold von Ranke se compromete com a história crítica e cética. Se deixa influenciar pelas correntes filosóficas predominantes do momento, tais como o liberalismo e o nacionalismo chegando a cair inclusive no etnocentrismo, racismo e particularmente no eurocentrismo. As reflexões sobre a sociedade de Saint-Simon produziram as tendências que modificariam as tendências historiográficas: O Positivismo e o Materialismo histórico, também influenciado pela dialética hegeliana, Ambas entendem que o comportamento da história se encontra submetido a leis. A primeira concebe o desenvolvimento da história como processos ordenados, a segunda o concebe como resultado de estratos sociais.  O Positivismo surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (1789-1799). Em linhas gerais, ele propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica (embora incorporando-as em uma filosofia da história). Assim, o Positivismo associa uma interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana radical, desenvolvida na segunda fase da carreira de Comte.

As mudanças ocorridas com a revolução industrial não são apenas de ordem econômica, demográfica e espacial. Atingem os costumes, as interações sociais e as formas de controle social e é Interessante notar que no séc XIX há um relacionamento direto entre a medicina com a migração, superlotação das cidades e as precárias condições de vida da classe trabalhadora própria da Revolução Industrial. Foi também no séc XIX, em 1859, que surgiu a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin.

Durante seus estudos Durkheim teve contatos com as obras de August Comte e Herbert Spencer que o influenciaram significativamente na tentativa de buscar a cientificidade no estudo das humanidades. Como já foi dito em aulas anteriores, a tradição francesa ressaltava a importância da moral como pedra fundamental da justiça e paz social. Um aspecto fundamental do pensamento social francês do século XIX era a necessidade de uma moral integradora para complementar a vida econômica e Durkheim foi um dos herdeiros desse pensamento positivista. Suas principais obras são: Da divisão do trabalho social, As regras do método sociológico, O suicídio, Formas elementares da vida religiosa, Educação e sociologia, Sociologia e filosofia. Ele concluiu que os fatos sociais atingem toda a sociedade, o que só é possível se admitirmos que a sociedade é um todo integrado. Se tudo na sociedade está interligado, qualquer alteração afeta toda a sociedade, o que quer dizer que se algo não vai bem em algum setor da sociedade, toda ela sentirá o efeito. Partindo deste raciocínio ele desenvolveu dois dos seus principais conceitos: a Instituição social e Anomia.

Ele deixa bem claro em sua obra o quanto acredita que essas instituições são valorosas e parte em sua defesa, o que o deixou com uma certa reputação de conservador, que durante muitos anos causou antipatia a sua obra. Durkheim acredita que o ser humano necessita se sentir seguro, protegido e respaldado. Uma sociedade sem regras claras (num conceito do próprio Durkheim, "em estado de anomia"), sem valores, sem limites leva o ser humano ao desespero. Preocupado com esse desespero, Durkheim se dedicou ao estudo da criminalidade, do suicídio e da religião. Ele se preocupava, também, com fatores psicológicos, antes mesmo da existência da Psicologia. Seus estudos foram fundamentais para o desenvolvimento da obra de outro grande homem: Sigmund Freud, que em 1896 viria a apresentar a Teoria Psicoanalítica.

Neste trabalho iremos tratar mais especificamente sobre As regras do método sociológico e O suicídio.

 

O SUICÍDIO

 

O suicídio foi escrito por Durkheim em 1897, logo após ter escrito As regras do método sociológico. Um ano antes, Freud escrevera a Teoria Psicanalítica. No trabalho sobre O suicídio Durkheim trata de um assunto considerado psicológico abordando-o como fenômeno social, estudando as conexões entre os indivíduos e a sociedade.

Logo no início de seu trabalho, Durkheim, argumenta que a investigação científica só pode atingir o seu objetivo se se referir a fatos comparáveis e tem mais probabilidades de êxito se esta puder reunir o maior número possível de dados que puderem ser comparados. Para tanto, o investigador terá que construir os grupos que quer estudar, conferindo-lhes a homogeneidade e especificidade necessárias para poderem ser trabalhadas cientificamente.

A partir disso, ele procurará ver se, entre os diferentes tipos de mortes, existem algumas que têm em comum características suficientemente objetivas para poderem ser reconhecidas como “especiais” ou “diferentes” das encontradas em outros tipos, mas ao mesmo tempo, próximas dos que são geralmente qualificadas como suicídio, no sentido básico da palavra. Por exemplo, um homem que conscientemente se expõem a outro, sem saber o desfecho da situação e se esta lhe traz ou não a morte, não é, sem dúvida, um suicida (a meu ver o mesmo ocorre com soldados que vão para a guerra).

O que importa para Durkheim nessa investigação não é exprimir com um mínimo de precisão uma noção de suicídio, resultante de uma média de opiniões, mas constituir uma categoria de objetos que ao mesmo tempo que possam ser etiquetados sob o nome de suicídio, correspondam também a uma natureza determinada de coisas.

Assim, entre as diversas espécies de mortes, há as que apresentam um traço particular: o fato de serem obra da própria vítima, de resultarem de um ato de que o paciente é o autor, e, por outro lado, acontece que essa mesma característica se encontra na própria base da idéia que normalmente se tem de suicídio.

A natureza dos atos que produzem esse resultado, para Durkheim, não é muito importante. Para tanto, ele apresenta uma primeira fórmula, embora reconheça que seja uma definição incompleta, onde o suicídio é toda a morte que resulta mediata ou imediatamente de um ato positivo ou negativo, realizado pela própria vítima.

Algumas variedades de mortes voluntárias:

  • O alucinado que se precipita de uma janela alta, porque julga perto do solo e a do homem são de espírito que atenta contra a vida tendo consciência disso, caso do iconoclasta que para conquistar as palmas do martírio comete um crime que sabe que terá que pagar com a própria vida;
  • O soldado que corre para uma morte certa para salvar o seu pelotão mas que de fato, não quer perecer.

Durkheim questiona que se as causas da morte estão situadas fora de nós muito mais do que em nós e só nos atingem se nos aventurarmos a entrar na sua esfera de ação, então só haverá suicídio se o ato de que a morte resulta tiver sido realizado pela vítima tendo em vista esse resultado e que só se mata verdadeiramente aquele que se quis matar.

Particularmente penso que sim, mas para ele, se assim fosse, corresponderia a definir o suicídio através de uma característica que apesar do interesse e da importância que pudesse ter, possuiria a desvantagem de não ser facilmente reconhecível porque é difícil de observar. Pois ele não teria como saber o que determinou o agente a tomar sua resolução e se quando o fez ele desejava realmente por fim a sua vida.

Para Durkheim, a intenção é algo muito íntimo para poder ser atingida e entendida. Para ele, um ato não pode ser definido pelo fim que o agente prossegue, pois um mesmo sistema de movimentos, sem mudar de natureza, pode servir muitos fins diferentes.

Para ele, quer a morte seja aceita como uma condição lamentável mas inevitável, quer seja expressão desejada e procurada em si mesma, o sujeito renuncia à sua existência e as diferentes expressões desta renúncia não são senão modalidades de uma mesma classe. Há entre elas muitas semelhanças fundamentais para que não sejam reunidas sob a mesma expressão genérica.

A meu ver ele se contradiz em alguns pontos, por exemplo ao dizer que “sem dúvida, o suicídio é vulgarmente e antes de mais o ato de desespero de um indivíduo a quem a vida já não interessa.” E logo após diz que : “quando a dedicação por outrem vai até ao sacrifício consciente da vida, trata-se cientificamente de um suicídio”. Ao se sacrificar o indivíduo está abrindo mão de algo que lhe é muito caro, muito importante, daí a palavra sacrifício, quer dizer que sua vida lhe interessa sim, no entanto ele considera algo ainda mais valioso do que a própria vida, o que o leva ao sacrifício de tirar a própria vida.

Mas ele acreditava que poderia demonstrar o quanto um ato individual é o resultado do meio social que o cerca.

Ele fala superficialmente sobre o suicídio entre animais e que não há como distingui-lo nesse meio, pois não há como reconhecer a vontade do animal de tirar a própria vida de modo consciente.

Nesse ponto Durkheim levanta a seguinte questão: Mas tendo o fato sido definido, visto que o suicídio é um ato do indivíduo e que apenas afeta o indivíduo, ele interessará ao sociólogo? Nesse momento ele não aprofunda essa questão, mas a analisa sob outros aspectos, considerando o conjunto dos suicídios cometidos numa determinada sociedade durante um determinado período, por exemplo ao considerar a constância dos suicídios nos primeiros paises da Europa ele identifica que ao pegar um intervalo de tempo maior constata-se modificações graves, provando, portanto, que os caracteres constitucionais da sociedade sofreram no mesmo período transformações profundas.

Ele demonstra que a evolução do suicídio é assim composta por ondas de movimento, distintas e sucessivas, que se verificam em quase toda a Europa após os acontecimentos de 1848, por volta de 1850 e 1853. Cada sociedade tem, portanto, em cada momento da sua história, uma aptidão definida para o suicídio. Mas como se deram esses suicídios?, o que levou esses indivíduos a tirarem a própria vida?, fenômenos da natureza? Questões puramente individuais? Políticas? Econômicas? A meu ver isso deveria ter sido registrado e considerado nos dados coletados.

Durkheim apresenta ainda quadros comparativos de taxas dos suicídios por milhão de habitantes em diversos países da Europa e, ainda, entre a taxa de mortalidade-suicídio e da taxa de mortalidade geral, identificando que, ao longo dos períodos apresentados no quadro, o suicídio aumentou por toda a parte, mas, neste crescendo, os diversos povos mantiveram-se dentro dos seus respectivos limites. A conclusão a que chega é que a taxa de suicídios constitui uma ordem de fatos única e determinada.

Em suma, o que Durkheim nos diz é que o que estes dados estatísticos exprimem, é a tendência para o suicídio que afeta coletivamente cada sociedade está predisposta a fornecer um determinado contingente de mortos voluntários, e que esta predisposição pode ser objeto de um estudo especial e que se situa no domínio da sociologia. A intenção do sociólogo é procurar as condições de que dependem estes fatos distintos a que chama de taxa dos suicídios. O que ele procura são as causas através das quais é possível agir, não sobre os indivíduos isolados, mas sobre o grupo. Assim poderá precisar em que consiste o elemento social do suicídio, isto é, a tendência coletiva, quais são as suas relações com os outros fatos sociais e através de que meios é possí

Ele explora as diferentes taxas de suicídio entre protestantes, católicos e judeus, explicando que o forte controle social entre os católicos resultava em menores índices de suicídio. Apresentou também índices de suicídios entre homens e mulheres. Verificou ainda que o suicídio ocorria menos entre os indivíduos casados que entre solteiros situação que, segundo ele, se explicaria através da noção de integração familiar. Neste trabalho, notou ainda que a taxa de suicídios diminuía em períodos de grandes acontecimentos políticos, em que aumentava a coesão sócia-política em torno da idéia de nacionalidade. Nesta obra ele fez uso de dados estatísticos e analisou diferentes meios e tipos individuais para embasar suas teses, criou e desenvolveu conceitos como '"fato social", "anomia", "solidariedade", "coerção", entre outros.

Durkheim trata o suicídio de forma não psicológica, mas de forma social, buscando padrões empíricos em diversas sociedades e seguindo um método comparativo. É daí que Durkheim consegue definir os 4 tipos de suicídio do ponto de vista sociológico (egoísta, altruísta, anômico e fatalista - e suas combinações). O suicídio egoísta - que resulta de uma individualização excessiva e cujo grau de integração do indivíduo na sociedade não se apresenta suficientemente forte; o suicídio altruísta - que ao contrário resulta de uma individualização insuficiente e o suicídio anômico - que se relaciona com uma situação de desregramento, típica dos períodos de crise, que impede o indivíduo de encontrar uma solução bem definida para os seus problemas, situação que favorece um sucessivo acumular de fracassos e decepções propícias ao suicídio. sociedades tradicionais onde a solidariedade mecânica prevalece. O último tipo de suicídio é o suicídio fatalista, que não foi muito estudado por ele talvez por considera-lo de pouca relevância.

Ele relacionou sua explicação sobre o suicídio à idéia de solidariedade social e a dois tipos de laços dentro da sociedade - a integração social e a regulação social. Concluiu que o suicídio variava na razão inversa do grau de integração da sociedade religiosa, familiar e política.


Conclusão

Durkheim parece estar muito certo quanto à confiabilidade dos dados que utiliza, mas eles serem oficiais não implica, que sejam verídicos e caso não sejam, podem desconstruir sua teoria quase por completo. Por exemplo, sabe-se que naquele período muitos dos pacientes ditos “loucos”, na verdade eram internados por suas famílias por motivos os mais diversos e que nem sempre tinham fundamento de fato, como no caso das mulheres, que muitas vezes eram internadas por seus maridos ou pais.

Também é interessante a forma como ele utiliza de estatísticas, mapas e comparações, porque dão ao trabalho mais legitimidade. Entretanto, ele faz muitas deduções para sustentar sua tese, mas talvez seja um recurso utilizado de maneira um tanto incoerente e sem fundamento em alguns casos. Um exemplo se dá em sua explicação para fato de que as mulheres divorciadas se matam menos que os homens se dever a necessidades sexuais de caráter menos mental e afirmar que a vida mental da mulher é menos desenvolvida que a dos homens.

 

 

 

domingo, 16 de outubro de 2022

FICHAMENTO DA MONOGRAFIA: OS CONCEITOS ATUAIS DE LIBERDADE E DE PROPRIEDADE, FUNDAMENTADOS EM THOMAS HOBBES

Autor: José Carlos Orosco Roman

"... a partir do sistema construído por Hobbes, que fundamenta a essência do Estado moderno e do direito civil, é possível compreender a diferença que há entre as ideias de liberdade plena e liberdade relativa e também entre as ideias de propriedade e de permissão de uso." p2

CAPÍTULO 1 - p3

Contexto biográfico-teórico do pensamento de Thomas Hobbes

"Thomas Hobbes nasceu... ao sul da Inglaterra, no dia 05 de abril de 1588, durante o reinado de Elisabeth 1a, da casa de Tudor, filha de Henrique VIII e Ana Bolena." p3

"... a "Reforma Protestante destruiu o conceito de ordem mundial baseada nas duas espadas, do papado e do império" (Kissinger, 2015, p. 27)" p3

"Elizabeth I (também conhecida por Isabel) promoveu uma nova reforma, como resposta às divisões religiosas restabelecendo a "Igreja da Inglaterra" e assumindo nela o cargo de "Governador Supremo da Igreja", conforme o "Ato de Supremacia do Parlamento", em 1558." p3

A Igreja Anglicana, consolidada por ela, mantendo a doutrina católica e assumindo posturas do protestantismo, firmou-se, então, como uma via média entre as duas posições, característica que conserva até os dias de hoje." p4

"Seu lema "Vejo e nada digo!" (NEALE, 1954, p. 386), já evidenciava outro valor que ela defendia, e que Hobbes iria ressaltar posteriormente em seu trabalho, ou seja, a de que a propriedade pode ser adquirida pela força e pela astucia (como fruto de rapina) e mantida pela razão direta da capacidade individual de defendê-la." p4

"Esta posição que ela adotou ao longo de seus 44 anos de governo trouxe prosperidade à Inglaterra" p4

(A Magna Carta é um documento de 800 anos, que o Rei John (1166-1216) foi obrigado a assinar para pacificar o reino, que previa que os "homens livres" (somente os que recebiam terras do rei para cultivá-las e que, por isso deviam pagar impostos) não poderiam ser presos sem "julgamento justo). p4

"Elisabeth I morreu em 1603, sem herdeiros, e foi sucedida no trono pelo rei escocês Jaime VI que, ao assumir o trono inglês, tornou-se Jaime I, governando de 1603 até sua morte em 1625, quando foi sucedido por seu filho Carlos I." p5

"Jaime I escreveu "The True Law of Free Monarchies" (A Verdadeira Lei da Monarquia Livre) em 1598, discutindo a base teológica da monarquia, onde afirmava o "direito divino" e o porquê de os reis serem seres superiores aos outros homens, propondo uma teoria absolutista, na qual os reis poderiam impor novas leis pela prerrogativa real." p5

"Os Reis, embora o grau mais alto de eminência e majestade, não se supõe fora da condição humana, como participes na divindade, reputam-se, todavia, delegados diretos e imediatos de Deus, recebendo deste a investidura para o exercício de um poder que por sua natureza se concebe como divino. (...) São os monarcas na Terra os executores irresistíveis da vontade de Deus. Cumpre aos povos prestar-lhes cega obediência dada a origem divina do poder. (...) Os monarcas são responsáveis unicamente perante Deus, jamais perante os homens. (VILLENEUVE, 1923, p. 27, apud BONAVIDES, 2015, p. 139)" p5

"Antes dele, Jean Bodin, um jurista francês, adepto da teoria do direito divino, do poder do homem sobre a mulher e da monarquia sobre a gerontocracia, simpático às teorias calvinista, escrevera "Os Seis Livros da República" (BODIN, 2011) publicado em 1576,... defendia que a soberania é um poder perpétuo e ilimitado. Para Bodin, o poder soberano só existiria quando o povo se despojasse do seu poder soberano e o transferisse inteiramente ao governante." p5

"Em sua obra "Nova Atlântida", publicada em 1624, Francis Bacon retratava a vida em uma ilha mítica, Bensalem, descoberta ao acaso por um navio europeu que se perdera nas águas do Pacífico, refutando, claramente, uma posição platônica que oscilava entre o amor pela fama ou pela sabedoria onde, o reconhecimento maior, por parte dos homens se dá, não àqueles que são heróis, e cujas façanhas se perdem no tempo, mas àqueles que mais contribuem para aliviar sua condição humana, com as invenções. (BACON, 1984). Admirador de Elisabeth I e de sua política imperialista naval, Bacon acreditava que os homens não se envergonhavam da usura e dos ganhos econômicos, sendo a sociedade sonhada por ele guiada por aqueles que almejavam se dar bem no mundo." p7

"... Giordano Bruno acreditava que para transcender as mudanças recorrentes, contingentes, das coisas humanas, seria necessário chocar os homens e destruir o poder aristotélico cristão que dominava as escolas." p7

"Já Maquiavel, em sua obra "O Príncipe (2004)", defendia a monarquia ou o principado como a forma de governo adequada ao momento da fundação de um novo Estado, que precisava da liderança de um governante firme e decidido para conduzir o povo. Para ele, a natureza humana seria essencialmente má e os seres humanos queriam, sempre, obter o máximo de ganhos a partir do menor esforço, praticando o bem apenas quando forçados a isto, ou quando lhes fosse vantajoso. Ao contrário do pensamento de Aristóteles que afirmava ser "o homem um animal social" (ARISTÓTELES, 2009, 1253a), Maquiavel o colocava com instintos naturalmente antissociais, egoístas e que praticava o bem apenas quando submetido à lei ou quando movido pela necessidade de sobrevivência. Em sua ética, Maquiavel defendia que o recurso do mal, da violência, da guerra, da tortura ou morte poderiam legitimar ações que visassem o bem-estar de uma parcela maior da sociedade." p7

"Hobbes, distanciando-se de Aristóteles e aproximando-se de Maquiavel, também afirmava, em sua obra "Do Cidadão", que o homem era naturalmente mau, valendo-se para defender seus argumentos do Gêneses, conforme a tradução literal da King James Version, de 1611 que explicitava "a imaginação do coração do homem é má desde a meninice"(Gn 8. 21). Por outro lado, Hobbes, na mesma obra, se distanciava de Maquiavel ao defender que os contratos e pactos firmados deveriam ser sempre honrados, ainda que violassem as leis da natureza, o que para Maquiavel ficaria sempre condicionado aos interesses do Príncipe." p7

"A França, era governada por Luis XIII, um rei fortemente influenciado pelo Cardeal Richelieu, o arquiteto do absolutismo francês, no período em que a Europa vivia a Guerra dos Trinta Anos. Luis XIII e o Cardeal Richelieu fundaram, em 1635, a Academia Francesa, uma instituição que inspirou a nossa Academia Brasileira de Letras." p9

"Ricehelieu inventou a ideia de que o Estado era uma entidade abstrata e permanente, existente em si. Suas necessidades não eram determinadas pela personalidade do governante, por interesses familiares ou pelos princípios universais da religião. Sua estrela-guia era o interesse nacional definido por princípios calculáveis - o que mais tarde veio a ser conhecido como raison d'État, ou razão de Estado. Seria esta, a unidade básica das relações internacionais, (...) Richilieu dizia que "o homem é imortal, usa salvação está no outro mundo; o Estado não dispõe de imortalidade, sua salvação se dá aqui ou nunca" (KINSSINGER, 2015, p. 29). p9

"Luis XIII, através do Cardeal Richilieu, diferentemente de Jaime I que se apoiava na nobreza, ao dar poder a uma classe de burocratas, em detrimento dos nobres, consolidava seu absolutismo como governante, já que os burocratas podiam ser substituídos a qualquer momento, segundo seu desejo, e os nobres não, pois estes possuíam um poder legitimado em suas províncias, criando e institucionalizando uma burocracia de Estado, que resiste até os nossos dias." p9

"Hobbes escreveu os "Elementos da lei", no ano de 1640." p10

"Em Elementos da Lei Natural e Política, Hobbes volta-se contra diversas correntes teóricas de algum modo comprometidas de que a liberdade dos súditos é uma espécie de função da forma de governo. (...) Hobbes emprenha-se sobretudo em refutar o que há em comum entre elas: a ideia de que a liberdade é uma função da norma de governo. O ataque de Hobbes parte da premissa de que a liberdade esta associada à condição natural dos indivíduos. Ou seja, só há liberdade no Estado de natureza, e no momento em que os indivíduos pactuam para a instituição do Soberano, eles abandonam sua liberdade natural para ingressar na condição de súditos. (...) Os indivíduos na condição de súditos de um poder soberano, seriam tão destituídos de liberdade numa democracia como numa monarquia, não fazendo qualquer diferença se a monarquia é regia ou senhorial, como queria Bodin." (SKINNER, 2008, apud SILVA, 2013, p. 178) p10

"Os franceses fizeram mais do que qualquer outro país para transformar seus aristocratas em animais de estimação do rei. Em todo o mundo, porém, reforçava-se a tendência de que os reis promovessem burocratas poderosos (Thomas Cromwell, na Inglaterra, Cardeal Richelieu, na França; o Conde-Duque de Olivares, na Espanha), que expandiam o poder do governo central desenvolvendo máquinas arrecadadoras mais eficientes e racionalizando o emaranhado de tributos, regulamentos e restrições locais que caracterizavam a Europa medieval. (MICKLETHWAIT, 2015, p.42)" p11

"O período filosófico de Hobbes" p12

"Os ingleses constituíram a maioria das primeiras sociedades limitadas (graças às suas ligações com a família Cavendish, Hobbes era membro de duas delas, a Virgínia Company e a Somer Islands Company) (Ib., p. 44)" p12

"(...) em 1651, na vigência da Commonwealth, ano em qeu publicou sua obra mais famosa, "O Leviatã", onde, além de reforçar os pontos chaves explicitados em seu trabalho anterior, "De Cive", acrescentou, na terceira parte do livro, intitulada "Do Estado Cristão" e na quarta parte do livro, intitulada "Do Reino das Trevas", uma argumentação que promovia um ataque à Igreja e à forma como ela interpretava as Escrituras." p12

"Thomas Hobbes morreu no dia 3 de dezembro de 1679, aos 91 anos de idade" p13

"A obra de Thomas Hobbes" p13

""Epístola Dedicatória", de seu livro "Do Cidadão", escrita em 1642" p13

"Milorde (...) Dizia o povo de Roma (...) que todos os reis deviam ser incluídos entre os animais de rapina. Mas o próprio povo romano, que com suas águias conquistadoras espalhou seus altivos troféus por todo o vasto e remoto mundo, impondo aos africanos, asiáticos, macedônios, aqueus e muitas outras nações conquistadas uma especiosa servidão, a pretexto de fazer deles súditos romanos, não era ele igualmente uma fera igualmente rapace? De modo que, se Catão era sábio no que dizia, não menos sábio era Pôncio Telesino, que gritava para todas as companhias de seu exército, na famosa batalha que travou com Sila, que a própria Roma devia ser arrasada juntamente com Sila, porque sempre haverá lobos e predadores da liberdade, a menos que pela raiz se extirpasse a floresta que os abrigava. Para ser imparcial, ambos os ditos são certos, que "homo homini deus (o homem é um deus para o homem), e que "homo homini lúpus" (o homem é o lobo do homem). (HOBBES, 2002, p. 3)" p14

"(...) os homens, movidos por interesses particulares, criticam as atitudes dos soberanos, ainda que, hipocritamente, tentem reproduzi-las em escala menor." p14

"Hobbes defende, (...) que seria possível estabelecer regras mínimas de convivência onde, em um contrato feito por um indivíduo com todos os demais homens, seria possível respeitar as leis da natureza, as quais ele compreendia serem o sustentáculo do direito natural:" p14

"Hobbes, (...) negava que o homem fosse, por natureza, um ser social e político, alegando que o motivos dessa negativa estavam evidenciados pela teoria do estado de natureza, deduzida a partir de suas paixões, que serviriam para determinar os motivos, as finalidades ou metas pelas quais os homens constituem sociedades políticas." p 15

"Hobbes também mostrava um certo ceticismo ao afirmar que as pessoas menos esclarecidas se deixavam influenciar e valorizavam mais o interlocutor do que as palavras proferidas por ele: 
Os sábios usam as palavras para efetuar seus cálculos e raciocinam por intermédio delas; porém, há uma multidão de loucos que as avaliam pela autoridade de um Aristóteles, de um Cícero ou de um Tomás, ou de outro qualquer, definitivamente homens. (Id., 2009, p. 37)" p15

"(...) Hobbes denominava moção à ação ou consequência de mover ou mover-se; aquilo que denota movimento." p 15

"(...) lendo a "História da Filosofia Política" de STRAUS (2013), para Hobbes, o sadismo de autoproclamar-se superior diante de uma deformidade ou deficiência percebida em outros, seria, também, motivo de prazer e de glorificação no homem." p17

"Como consequência, as três causas naturais citadas por Hobbes em sua obra: a competição, a desconfiança e o desejo de glória seriam as grandes responsáveis por transformar o estado de natureza em um permanente estado de guerra: "Bellum Omnium Contra Omnes" (Uma guerra de todos contra todos) (HOBBES, 2009, p. 104)." p17

"(...) para Hobbes, as leis existentes derivam apenas da vontade do soberano, do Estado, e não da verdade da razão natural, ou seja, são positivas, postas ou positivadas pela vontade do Estado, tendo o poder de impor-se, já que são criadas segundo sua vontade e reforçadas pela "espada estatal" (GUANABARA, 2013, p. 65)". p18

CAPÍTULO 2

"A LIBERDADE" p20

"(...) o conceito de liberdade que tomamos por certo hoje em dia, esta baseado muito mais no senso comum do que em um sentido mais estrito, ou seja, pretendemos demonstrar que na realidade gozamos apenas de uma liberdade parcial, relativa, característica da vida em sociedade que se desenvolve sob a tutela da Lei e do Estado, tal qual descrita por Hobbes quatro séculos atrás." p20

"(...) todos nós gozamos apenas de liberdades limitadas, autorizadas e fiscalizadas pelo Estado. O próprio voto, como expressão livre e soberana do desejo individual do cidadão, na verdade só reproduz o modelo censor do Estado, quando este determina os candidatos que podem ser eleitos, segundo os partidos políticos, liberados por ele para concorrer." p20

"(...) podemos afirmar que a liberdade de escolha individual não é condição necessária nem suficiente da liberdade social, que se dá apenas por meio de convenção e se respalda pela lei." p20

"No exemplo citado por Bolbbio (...) o desemprego em período de recessão econômica caracteriza-se pela ausência da liberdade de escolha, não de liberdade social, a não ser que a recessão tenha uma relação causal, como seria caso de uma determinada política governamental." p21

"(...) argumento neoliberal defendido por Herbert Spencer (1820-1903), segundo o qual o estado tem o direito de limitar a liberdade de alguém "unicamente quando for necessário para proteger os direitos fundamentais de outro", (...) o estado do bem-estar-social, pregando a defesa da vida, extrapola este critério e o corrompe, subvertendo sua ideia e caminhando, na prática, em sentido contrário." p21

"No capítulo XIV do Leviatã, que trata das leis da natureza e dos contratos, Hobbes situa o direito natural como sendo a liberdade que cada homem tem de utilizar seu poder como bem lhe aprouver, segundo seu julgamento e razão, para preservar sua vida. Ressalta, também, que o direito é a liberdade de agir ou omitir, diferentemente da lei, que obriga a agir ou omitir." p21

"Renunciar ao direito a algo é o mesmo que se privar da liberdade de negar a outro homem o benefício de seu direito à mesma coisa (...) Mas, no momento que alguém abandona ou renuncia a seu direito, fica obrigado ou forçado a não impedir aqueles a quem o direito tenha sido cedido de gozarem do respectivo benefício. (HOBBES, 2009, pp. 108-109)." p21

"(...) o conceito de liberdade pautada no direito natural esta condicionado à interpretação da lei, o que reforça a posição defendida por Hobbes, de uma liberdade negativa, aquela em que o homem pode fazer, segundo sua vontade, tudo aquilo que não é proibido pela lei escrita." p22

"O significado da palavra liberdade, em seu sentido próprio, é a ausência de oposição (entendendo por oposição os impedimentos externos ao movimento), e esse termo se aplica tanto às criaturas racionais como às irracionais e inanimadas (...). De acordo com esse genuíno e comum significado, um homem livre é aquele que não é impedido de fazer as coisas de que tem vontade e que as faz graças à sua força e engenho. (Ibid., pp. 169-170)" p22

"(...). A grande questão que se coloca, então, é, na atualidade, tentar definir como e o que vem a ser esta liberdade e em que grau podemos usufruir dela." p23

"Em uma espécie de síntese Hegeliana, François Charles Louis Comte (1872), político e jurisconsulto francês, já em 1834, afirmava que a liberdade é a condição essencial do exercício de todo direito e o cumprimento de todo dever, designando simplesmente o estado de uma pessoa que não encontra, entre seus semelhantes, nenhum obstáculo ao seu desenvolvimento ou ao exercício inocente de suas faculdades. Um princípio pelo qual nenhum homem pode ser possuído legitimamente por outro, assim com o fruto de seu trabalho não pode, igualmente, ser apropriado por outro, de maneira compulsória. Neste contexto, ressalta que a sujeição de um homem à vontade de outro, mediante justa paga, previamente acordada entre as partes, não fere este princípio, já que elas, livremente, concordaram em assinar o contrato. Assim, em um estado de liberdade, o homem que tem, por ele mesmo, o poder de senhor, livre da violência ou da extorsão, esta protegido pelas leis da sociedade. Essa era a proposta hobbesiana para a superação do estado de natureza e do estado de guerra de todos contra todos. Como diria Kant, ser um homem livre porque livremente escolhe cumprir o contrato que firmou, obedecendo às leis do Estado (do soberano) e tendo suas ações julgadas por ele, aprovadas ou condenadas, segundo seu resultado, consideradas boas ou más, para o conjunto da sociedade. (Cf. VAZ, 2012)" p23

"(...) o poder de um Estado que, a cada dia se mostra mais desconectado do governante eleito, e da população, entendida por todos os indivíduos (natos ou estrangeiros) que pertencem e estão subordinados ao seu território, e que é constituído por uma máquina pública, amparada por estabilidade funcional e protegida por um forte corporativismo sindical, que se mantém, mesmo diante da contingência do poder soberano eleito pelo povo, entendido aqui como "o conjunto de pessoas que pertencem ao Estado pela relação de cidadania (OSPITALITI, 1966, apud BONAVIDES, 2015, p. 81)." p24

"Um Estado que se vale do poder de coação para impor suas leis, elaboradas pelos ditos "representantes do povo", que foram eleitos por "cartas marcadas" e que é necessário para fazer justo um homem (...) onde o amor à liberdade, segundo Hobbes, acaba por ser apenas uma máscara para o desejo de louvor, para a vaidade" (STRAUS, 2013, p. 362)." p24

"John Locke, tomando uma posição contrária a Hobbes, por acreditar que os homens são naturalmente bons e que existe uma lei natural qu eos impede de prejudicar o outro, (...) afirmava que "o objetivo da lei não consiste em abolir ou restringir, mas em preservar e ampliar a liberdade" (LOCKE, 2011, parág. 57, p. 45), (...) uma posição utópica, (...). Locke, afirmando que o homem ao nascer seria como uma "tábua rasa", acreditava que ele poderia ser educado para a prática do bem e da tolerância," p25

"Antônio Gramsci em seus Cadernos do Cárcere (1975), abordou bem este aspecto do controle hegemônico imposto pelos mais fortes aos mais fracos, o que se mostrou na prática, uma política de Estado, imposta primeiramente pelos detentores do capital, financiador do Estado e que gradativamente vem sendo substituída, cedendo espaço, por uma participação autônoma da máquina pública, pelo Leviatã moderno, que nos impõe a manutenção do seu status quo." p25

"(...) os homens (...) tornaram-se reféns de um Estado asfixiante, cada vez maior e que cada vez mais requer ser sustentado pelos impostos que há muito superaram o "quinto" e a "derrama", transformando a todos em servos e tornando o conceito de liberdade e sua compreensão, refém do senso comum, em uma mera abstração." p26

"CAPÍTULO 3"

"A PROPRIEDADE" p26

"(...) tal qual o conceito de liberdade, o conceito de propriedade é tomado pela maioria das pessoas segundo o senso comum, (...) onde (...) ela somente ocorre quando é amparada pelo poder militar capaz de assegurá-la, o que, em princípio, é prerrogativa exclusiva do Estado, o único que pode ser proprietário de algo, cabendo-nos apenas, como membros da sociedade, contentarmo-nos com uma "permissão de uso" oferecida por ele." p 26

"Segundo Bobbio, o substantivo propriedade deriva do adjetivo latino "proprius" e significa: "que é de um indivíduo específico". p26

"(...) é "objeto que pertence a alguém de modo exclusivo", seguido da implicação jurídica: "direito de possuir alguma coisa", ou seja, "de dispor de alguma coisa de modo pleno, sem limites"." p27

"Na propriedade fica a coisa substancialmente submetida à vontade do proprietário, que sobre ela se exerce de três momentos essenciais: a) pela exclusão dos demais ao gozo da coisa; b) pela admissão do titular a esse gozo da coisa; c) pela segurança de que a fruição da coisa não será turbada por terceiros. (BONAVIDES, 2015, p. 109)." p27

"(...) Uma casa (...) para edificá-la, vendê-la ou derrubá-la, precisa-se, antes, da autorização do Estado." p27

"Se o ar e a água não fossem de natureza fugitiva, teriam sido apropriados. (...) Ora se o uso da água, do ar e do fogo exclui a propriedade deve-se passar o mesmo quanto ao uso do solo: esse encadear de consequências parece ter sido pressentido por Charles Comte, no seu Traité de La Proprieté. A água, o ar e a luz são coisas comuns não porque são inextinguíveis, mas porque indispensáveis... Paralelamente a terra é uma coisa indispensável à nossa conservação, por consequência, coisa comum, por consequência coisa não suscetível de apropriação, mas a terra é muito menos extensa que os outros elementos, portanto seu uso deve ser regulado não em benefício de alguns, mas no interesse e para a segurança de todos. (PROUDHON, 1975, pp. 78-79)." p 28

"Proudhon, nesse trecho de sua obra, defendendo que a propriedade não pode existir de fato, acaba por se valer do pensamento de São Tomás de Aquino quando este coloca, como direito natural, o seu "princípio de conservação do ser" (S.Th.I-II, q. 94, a II, resposta)" p28

"(...) Hobbes fala sobre justiça distributiva." p28

"A equidade, ou (como já foi dito) justiça distributiva, é gerada pela observância da lei que determina que seja distribuído equitativamente a cada homem o que lhe cabe, segundo a razão. (...) Dela deriva uma outra lei: que as coisas que não podem ser divididas sejam desfrutadas por todos, na medida do possível, e, se a quantidade da coisa o permitir, sem limites; se assim não for possível, que a coisa seja desfrutada, proporcionalmente entre aqueles que a ela tem direito. (Id., 2009, p. 127)." p28

"Hobbes, preferindo o excesso de autoridade ao excesso liberal, fundamentou a desigualdade entre os homens como uma convenção entre o soberano e seus súditos e, ao contrário de Locke, defendeu que a propriedade não era um direito natural e que ela só nascia com o Estado. Hobbes "identificou a necessidade de um pacto entre os homens e defendeu a substituição da igualdade natural entre os homens por outra forma de igualdade: a igualdade civil" (BUSSINGER, 1997). Loke, por sua vez, acreditava que o povo é sempre soberano, transferindo apenas alguns de seus direitos de natureza em confiança ao poder legislativo, o poder supremo entre os poderes." p29

"(...) Hobbes em sua obra não tem uma visão pessimista do homem, mas uma visão realista" p29

"(...) a lei, de modo geral, não é um conselho, mas uma ordem. (...) dada por aquele que se dirige a alguém já anteriormente obrigado a obedecer-lhe. (...) A lei foi criada, então, para limitar a liberdade natural dos indivíduos, de maneira a impedi-los de causar danos uns aos outros e levá-los, ao contrário, a se ajudar mutuamente e se unir no combate ao inimigo comum. (HOBBES, 2009, pp. 212-215)." p30

"(...) Rui Barbosa, (...) (À própria soberania do povo, contrapõe-se a soberania da lei: (...) tudo esta abaixo da lei) (BARBOSA, 1949, p. 130)." p30

"Mas a razão mais frequente por que os homens desejam ferir-se uns aos outros vem do fato de que muitos, ao mesmo tempo, têm um apetite pela mesma coisa; que, ao contrário, com muita frequência eles não podem nem desfrutar em comum, nem dividir; do que se segue que o mais forte há de tê-la, e necessariamente se decida pela espada quem é mais forte. (HOBBES, 2002, p. 30)." p 30

"(...) Sir Edward Coke (1552-1634), jurista elisabetano e jacobino, que publicou em 1628 um ostensivo comentário sobre Sir Thomas Littleton (cerca de 1407-14081), um juiz inglês que escreveu um tratado sobre mandatos, livro que pode ser caracterizado como o primeiro livro texto sobre o direito de propriedade inglês." p31

"Sem a espada, os pactos não passam de palavras sem força, que não dão a mínima segurança a ninguém. Assim, apesar das leis naturais (que cada um respeita quando tem vontade e quando pode fazê-lo com segurança), se não for instituído um poder considerável para garantir sua segurança, o homem, para proteger-se dos outros, confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade. Roubar e espoliar uns aos outros sempre foi uma ocupação legítima, não considerada contrária à lei natural, em locais que os homens se agrupavam em pequenas famílias; e quanto maior era a espoliação conseguida maior era a honra adquirida. (...) Tal como faziam os ajuntamentos de pequenas famílias, hoje as nações e os reinados, que não passam de famílias maiores (...) procuram legitimamente, na medida do possível, subjugar ou enfraquecer seus vizinhos, por meio de força ostensiva ou artimanhas secretas, por falta de qualquer outra garantia. Posteriormente, esses feitos são lembrados com grande honra. (Id., 2009, pp. 136-137)." p31

"(...) podemos concluir que a propriedade se dá única e exclusivamente no âmbito do direito civil, assegurada pelo Estado, (...) já que é ele que detém o monopólio do uso da força. (...) a fim de manter coesa a sociedade de homens sobre os quais exerce a soberania e impedir que estes lutem uns contra os outros pelo desejo de posse, o Estado, valendo-se de um artifício, concede por meio de "permissão de uso" a posse ou o direito de lavra àqueles que estão dispostos a reconhecerem sua soberania e que lhe pagam impostos por isso, aceitando, inclusive, segundo suas próprias leis, ressarcir em alguns casos, mas não todos, àquele que será prejudicado, por eventuais benefícios e melhorias que tenha produzido, no caso da reintegração da propriedade que lhe é de direito." p32

"CONCLUSÃO" p32

"(...) o que deve ser entendido pelos conceitos de liberdade e de propriedade nos dias atuais permanece, (...) o mesmo que foi teorizado por Hobbes (...) liberdade e propriedade nunca são, em sentido pleno, algo ao alcance dos homens em sua vida social - contrariamente ao que costuma se acreditar." p32

"Resumidamente:
1) A parte não pode ser maior que o todo; (portanto, liberdade relativa é menor que a liberdade plena);
2) Na sociedade, o homem é obrigado a seguir leis;
3) Como é obrigado a seguir leis, o homem não é totalmente livre para não segui-las, ao menos por sofrer repressão se o fizer;
4) Somente aquele que é absolutamente livre, que é verdadeiramente senhor de si, pode almejar propriedade; (portanto, o homem, por não ser totalmente livre, não pode almejar a propriedade).
5) O gozo da permissão de uso ou da posse não é propriedade;
6) Somente o Estado exerce o poder livre e soberano. (Portanto, somente o Estado é detentor da propriedade)." p33

(...) Hobbes (...) teve a originalidade de propor um sistema, um contrato social para uma vida em sociedade, cujas bases resistem até nossos dias." p33

"Hobbes não foi o primeiro a basear sua teoria política em uma visão obstinada e empírica da natureza humana: essa honra pertence a Nicolau Maquiavel. (...) o raciocínio dedutivo foi Thomás de Aquino. O primeiro a tocar o conceito de Estado Nacional em vez de Cidade Estado ou Cristandade; isso remonta a Jean Bodin. Hobbes, porém, foi o primeiro a reunir esses três conceitos em um único volume e acrescentar a ideia explosiva de um contrato social entre governantes e governados. (MICKLETHWAIT, 2015, p. 35)." p33