terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Princípio da Constitucional da Humanidade no Direito Penal

Violação

A respeito do teor da regra do art. 75 do Código Penal, e suas implicâncias na execução da pena, a Segunda Turma do STF, em acórdão relatado pelo Min. Carlos Velloso, decidiu:

“A norma do art. 75 do Cód. Penal refere-se ao tempo de efetivo encarceramento, trinta anos. Esse limite não constitui, porém, parâmetro para a concessão de benefícios de execução, como a progressão, para o regime prisional semi-aberto ou o livramento condicional” (Habeas Corpus nº 75.341-8, por maioria, j. em 10-06-1997, DJU do dia 15 de agosto de 1997).

Essa decisão, em que pese a autoridade da fonte da qual promana, não veicula razoável interpretação do texto de lei federal. A falta de razoabilidade decorre do malferimento em que importa ao princípio constitucional da “humanidade”, que, por sua vez, está atrelado ao princípio da “legalidade”, no sentido de material garantia do cidadão frente ao poder punitivo do Estado (1). 

Pelo seguinte. De acordo com o princípio da humanidade, a pena não pode “destruir a dignidade” nem servir de “vingança”, sendo constitucionalmente proibidas (art. 5, inc. XLVII) as penas de morte (salvo em caso de guerra declarada), de “caráter perpétuo”, de trabalhos forçados, de banimento e as penas cruéis (2).

Quando o STF limita a regra do art. 75 para o tempo de cumprimento da pena e não a aplica como base de cálculo dos benefícios da execução penal (progressão de regime, livramento condicional etc), dependendo da quantidade do apenamento, e não são poucos os casos de penas de oitenta, noventa e até mais anos, a pena privativa de liberdade termina sendo “perpétua”, com violação do preceito constitucional que a proíbe, inspirado no princípio da humanidade.

O princípio da humanidade não admite a pena de morte nem a “prisão perpétua” pela razão de que o poder punitivo estatal não pode infligir sanção que viole a dignidade da pessoa. Sem a possibilidade da “reeducação” e “reinserção social”, passa a pena a atender uma finalidade puramente vingativa, em total desvinculação com a pessoa “como ser social”, numa prática desumana, irracional e afrontosa à dignidade. 

Exatamente por isso, Bustos Ramirez, citado por Cezar Roberto Bitencourt e Luiz Régis Prado (Princípios Fundamentais do Direito Penal, Ver. Do IBCCrim, 14/81), recomenda seja reinterpretado o que se pretende com reeducação e reinserção social, “posto que se forem determinados coativamente implicarão em atentado contra a pessoa como ser social”.

NOTAS

(1) Acertamente anota Zaffaroni, “é inconstitucional qualquer pena ou conseqüência do delito que crie uma deficiência física (morte, amputação, castração, esterilização, intervenção neurológica etc), como qualquer conseqüência jurídica inapagável do delito” (Manual de Derecho Penal, pág. 139).

(2) O princípio da legalidade, em um Estado Democrático de Direito, necessita para se firmar como proteção material do cidadão frente ao poder punitivo do Estado algo mais além de sua simples adoção formal nos textos legislativos. Sua adoção formal pode não derivar em uma verdadeira contenção do poder punitivo do Estado. Precisa estar atrelado a outros princípios ou garantias, com os quais forma um todo indivisível, de modo que a realização de cada um é imprescindível para que todos possam se conformar em um Direito Penal com os fundamentos materiais do Estado Democrático de Direito. Esta interdependência dos princípios significa na prática que o não cumprimento de um deles derivará em um intolerável menoscabo do princípio da legalidade, cuja essência é ser um mecanismo de contenção da intervenção estatal que está além da simples irretroatividade da lei penal (Lycurgo de Castro Santos, “O Princípio da Legalidade no Moderno Direito Penal”, Revista do IBCCrim 15/182).


Direito ao Silêncio e Testemunha

"A condição de testemunha não afasta a garantia constitucional do direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII: "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado"). 

Com esse entendimento, o Tribunal, confirmando a liminar concedida, deferiu habeas corpus para assegurar ao paciente - inicialmente convocado à CPI do Narcotráfico como indiciado -, na eventualidade de retornar à CPI para prestar depoimento, ainda que na condição de testemunha, o direito de recusar-se a responder perguntas quando impliquem a possibilidade de auto-incriminação". 
HC 79.589-DF, rel. Min. Octavio Gallotti, 5.4.2000, publicado no Informativo 184 do Supremo Tribunal Federal. 

 * CPI e Fundamentação de suas Decisões

Por ausência de fundamentação, o Tribunal deferiu mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Financeiro, que determinara a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico do impetrante, além da expedição de mandado de busca e apreensão de documentos no seu domicílio e escritório. 

O Tribunal entendeu que a CPI, ao exercer a competência investigatória prevista no art. 58, § 3º da CF, está sujeita às mesmas limitações constitucionais que incidem sobre as autoridades judiciárias, devendo, dessa forma, fundamentar as suas decisões (CF, art. 93, IX). 

Em maior extensão, os Ministros Celso de Mello, relator, Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira e Carlos Velloso concederam a ordem por entenderem que, além do fundamento acima exposto, a CPI não poderia, de acordo com o Princípio da Reserva de Jurisdição, deliberar sobre o instituto da busca e apreensão domiciliar, por se tratar de ato cuja prática a CF atribui com exclusividade aos membros do Poder Judiciário. Precedente citado: MS 23.454-DF (julgado em 19.8.99, acórdão pendente de publicação; v. Informativo 158).


(STF, MS 23.452-RJ, rel. Min. Celso de Mello, 16.9.99).


A diminuição da pena, por força de privilegiadora do homicídio, deve ser fundamentada?

Ao operar a diminuição da pena-base em decorrência da presença de uma das circunstâncias privilegiadoras previstas no § 1º do art. 121 do CP, o juiz, não o fazendo no máximo admitido, estará obrigado a fundamentar respectivo “quantum” ? 

Sim. A decisão deverá ser fundamentada. 

A lei estabelece que a pena poderá ser reduzida entre 1/6 e 1/3 se o homicídio for praticado por relevante valor social, relevante valor social ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. 

Daí decorre que o juiz, frente a situação concreta de homicídio privilegiado, se deixar de diminuir a pena em quantidade inferior a 1/3, que é o máximo permitido pelo tipo, deverá revelar o porquê desta redução a menor. 

O raciocínio é o mesmo que se desenvolve em relação à pena-base, cujo “quantum” deve ser fixado com base nas circunstâncias do art. 59 do CP, afastando-se do mínimo conforme forem as circunstância desfavoráveis ao agente. 

Não procede o argumento, fundamentado no art. 492, § 1º, do CPP, que o juiz não está obrigado a aplicar a redução da privilegiadora, tratando-se de uma faculdade sua. "ao juiz ficará reservado o uso dessa faculdade" (nesse sentido: RJTJSP, 33/283; RF, 247/310). 

Se é da jurisprudência do STF que “é absoluta a nulidade do julgamento pelo júri, quando os quesitos da defesa não precederam aos das circunstâncias agravantes” (Súmula 162), como, por exemplo, quando a tese do homicídio privilegiado não for quesitada antes de qualificadora, qual seria seu sentido e utilidade se o juiz, a despeito do reconhecimento da circunstância pelos jurados, pudesse desprezá-la ao quantificar a pena ? 

Sobre o assunto, diz Damásio de Jesus: “a diminuição da pena, presentes seus requisitos, é obrigação do juiz, não obstante o emprego pelo Código Penal da expressão "pode" e o disposto no art. 492, § 1º, do Código de Processo Penal, que fala em "faculdade". Reconhecido o privilégio pelos jurados, não fica ao arbítrio do julgador diminuir ou não a pena”.

No mesmo sentido, na jurisprudência: RT, 448:356; RJTJSP, 21:341; STJ, REsp 64.374, 6ª Turma, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU, 6 maio 1996, p. 14479;

Por outro lado, a dosimetria deve estar voltada aos imperativos da “necessidade” e “suficiência”. E as três hipóteses de homicídio privilegiado são diretamente relacionadas com a “necessidade” e “suficiência” à punição e prevenção do crime.


STF HABEAS CORPUS N. 80.033-BA RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE EMENTA: 

"Crime impossível: inexistência: flagrante preparado de crime de mera conduta já anteriormente consumado: inaplicabilidade da Súmula 145.

Cuidando-se de concussão - crime de mera conduta - que já se consumara com a exigência de vantagem indevida, a nulidade de prisão do servidor quando, dias depois, recebia a quantia exigida, obviamente não torna impossível o delito antes consumado".


“Tenho uma questão para resolver e estou em dúvida. Gostaria de saber se a cópia de chave usada para furtar - cópia obtida pelo chaveiro que é o autor do crime - configura furto qualificado por uso de chave falsa ou furto qualificado pela fraude".

Seguramente, a hipótese não se constitui em furto qualificado pela fraude. Caracteriza-se o furto mediante fraude pelo emprego de ardil ou artifício para a subtração da coisa. A fraude deve ser utilizada para iludir a atenção ou vigilância da vítima, que nem percebe que a coisa lhe está sendo retirada. 

Exemplos de Magalhães Noronha, Direito Penal, vol. II, pág. 249: 

* O agente, pretextando interesse na compra, pede à vítima lhe mostre o objeto que tem em mãos, e, tomando-o, põe-se em fuga.

* Dois elementos entram em um estabelecimento de comércio e, enquanto um distrai a atenção da vítima, perguntando-se o preço de vários objetos expostos, o outro, aproveitando-se da distração da vítima, subtrai a coisa.

* Pseudocomprador de imóveis que, simulando querer vê-los, percorre os vários cômodas da casa e, sob qualquer pretexto, afasta a pessoa que o acompanha, apoderando-se, então, da coisa alheia.

A hipótese caracteriza, a meu ver, furto com chave falsa. 

“Chave falsa”, e aqui se segue a lição de Magalhães Noronha, é “todo e qualquer instrumento apto a abrir fechaduras. O legislador usa expressão ampla para se referir menos ao objeto e mais ao modo por que o furto é praticado, que consiste na abertura, sem violência, de fechaduras ou dispositivos semelhantes” (Direito Penal, vol. II, pág. 250).

Assim, as gazuas, as chaves imitadas ou alteradas, e objetos que ocasionalmente podem prestar-se ao fim a que o agente visa, como um grampo, “clips”, prego, arame etc. 

No mesmo sentido, da jurisprudência: “Chave falsa é todo o instrumento, “com ou sem forma de chave”, destinado a abrir fechaduras (RT 479/352). 

Bem verdade, porém, que os tribunais nem sempre são pacíficos na aceitação de que por chave falsa deva ser compreendido "todo e qualquer instrumento" apto a abrir ou a fazer funcionar o mecanismo de fechaduras: 

“Chave falsa, como é referido no nº III do § 4º do art. 155 do CP, é chave mesmo, não se lhe equiparando o objeto cujo labor do agente conduziu ao contorno da chave. A “micha” sequer se assemelha à chave” (Jutacrim 73/396).

A chave-cópia da verdadeira, ilicitamente obtida, é “chave-falsa”. 

Se o chaveiro, faz uma chave a mais, sem a ciência da vítima, que lhe entregara a original para a confecção de cópias, e depois a utiliza na subtração, o furto será qualificado pelo emprego de chave falsa. Também o será se o chaveiro confeccionar a chave no momento da subtração, para abrir a porta da residência da vítima.

Falsa, pois, é a chave que não é verdadeira e ilicitamente obtida ou produzida.


Recurso em Sentido Estrito nº 70001041821 – 8ª Câmara Criminal – Tramandaí

Denúncia. Concurso de agentes. Descrição em conjunto das condutas criminosas praticadas. Inépcia inocorrente. Tratando-se de comportamentos homogêneos ou equivalentes, não há necessidade da especificação da conduta de cada agente envolvido no fato delituoso. Inexistência de prejuízo ao exercício da ampla defesa. Recurso conhecido e provido. Denúncia recebida.
Ministério Público, recorrente – E. R. C. e F. S. P, recorridos.

ACÓRDÃO

Acordam, os Desembargadores da 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao recurso para receber a denúncia contra E. R. C. e F. S. P. Custas na forma da lei.

1. O Ministério Público da Comarca de Tramandaí interpôs recurso em sentido estrito contra decisão do Juízo daquela comarca, que rejeitou a denúncia, com base nos arts. 41 e 43, inc. III, do CPP, oferecida contra E. R. C. e F. S. P., incursos no art. 155, § 4º, incs. I e IV, e art. 150, § 1º, duas vezes, ambos do CP, e art. 1º da Lei nº 2.252/54, c/c o art. 71, caput, ambos do Estatuto Penal.

Alega o recorrente a existência dos requisitos específicos e genéricos, previstos nos arts. 41 e 43 do Estatuto Procedimental Penal, bem como prova da materialidade e autoria. Refere, ainda, a presença nas condições da ação, quais sejam possibilidade jurídica do pedido, legitimidade para agir e interesse processual.
Postula, por fim, a reforma do despacho hostilizado. Em contra-razões os recorridos pugnaram pelo improvimento do recurso (fls. 119/123).

Mantida a decisão atacada (fl. 132v.). Nesta instância o Procurador de Justiça, Dr. André Luiz Planella Villarinho, opinou pelo provimento do recurso (fls. 135/138).

2. De início, cabe ressaltar a adequação da irresignação interposta, devendo ser conhecida por atender a todos os requisitos de admissibilidade recursal.
Não se desconhece a divergência existente na jurisprudência, pelo menos deste Tribunal, acerca do recurso cabível contra a decisão que rejeita a que não recebe a denúncia ou queixa.

Em síntese, entende-se que quando a denúncia não atende aos requisitos formais do art. 41 do CPP, será o caso do seu não-recebimento. Mas se não estiverem presentes as condições da ação previstas no art. 43 do CPP, a denúncia deverá ser rejeitada. Na primeira hipótese, o recurso próprio é o recurso em sentido estrito, como prevê o inc. I do art. 581 do CPP. Na segunda, como há decisão sobre o mérito, que equivale ao julgamento antecipado da lide, o recurso cabível será a apelação.

No presente caso, a denúncia foi rejeitada com base no art. 41 do CPP, em razão da ausência de indicação, na exposição dos fatos, do comportamento de cada um dos co-autores ou partícipes na empreitada criminosa, e de como eles concorreram para o resultado, circunstância que inviabiliza, segundo o magistrado a quo, o exercício da ampla defesa.

Assim, apesar de estar consignada no despacho a "rejeição" da denúncia, a decisão terminativa efetivamente constitui no seu não-recebimento, pois não houve juízo acerca do mérito ou das condições da ação, mas mera análise dos pressupostos da ação penal e das formalidades da peça inicial.

No mérito, o recurso merece ser provido.

Com efeito, o art. 41 do CPP exige para o oferecimento da denúncia a descrição do fato delituoso com todas as circunstâncias que o cercaram, sejam elas elementares ou acidentais, que possam de alguma forma influir na definição do crime e na individualização da pena, de modo a permitir ao acusado o pleno exercício da ampla defesa.

Havendo concurso de pessoas deve haver a indicação pormenorizada da conduta de cada agente na peça acusatória. No entanto, esta exigência vem sendo relativizada pela doutrina e jurisprudência.

Assim, nos casos em que não seja possível a individualização do comportamento de cada um dos co-autores ou partícipes, ou em que as condutas praticadas são homogêneas e equivalentes para a configuração do crime, basta uma descrição geral de que os agentes concorreram para o ilícito.

Tratando-se, portanto, da prática, ou auxílio para prática, dos mesmos atos que definem o delito por todos os co-autores, como na presente hipótese, nada impede que a conduta seja relatada de modo a englobar a atividade de todos, na mesma descrição.

Este é o posicionamento do doutrinador Fernando Capez (in "Curso de Processo Penal", Ed. Saraiva, 3ª ed., 1999, p. 123): "Na hipótese de concurso de agentes, a denúncia deve especificar a conduta de cada um. Assim, no caso de co-autoria e participação, deverá ser descrita, individualmente, a conduta de cada um dos co-autores e partícipes. Todavia essa providência nem sempre é possível, o que tem levado os tribunais a admitir a narração genérica da conduta dos co-autores e dos partícipes, devendo o autor apenas deixar bem clara a existência das elementares do concurso de agentes (CP, art. 29)".

Neste sentido, também, o julgado do extinto Tribunal de Alçada do nosso Estado, cuja ementa transcreve-se: "Roubo. (...). Denúncia. Descrição englobada da conduta dos réus. Inépcia inocorrente. Em delito plurissubjetivo de condutas paralelas e delito eventualmente plurissubjetivo, a narrativa genérica, porque as condutas são homogêneas, não implica em inépcia da inicial. Não é imprescindível a individualização da atuação de cada um dos agentes. (HC nº 297038465 – Rel. Sílvio Baptista Neto – TARGS – Câmara de Férias Criminal – "DJ", de 21-01-98).

A descrição dos fatos constante na presente peça acusatória não pode ser taxada como vaga ou imprecisa, de forma a impossibilitar ou impedir o exercício do direito de defesa de cada um dos co-autores.

A denúncia apresenta todos os requisitos formais dos arts. 41 e 43 do CPP, além disso, há prova relativa da materialidade da infração e indícios suficientes de autoria, que permitem a conclusão da existência, em tese, dos crimes imputados, autorizando a instauração da ação penal.

Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso para receber a denúncia contra E. R. C. e F. S. P.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Des. Tupinambá Pinto de Azevedo e Rosa Terezinha Silva Rodrigues.
Porto Alegre, 28 de junho de 2000.
Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Presidente e Relator.

Denúncia e Supressão de Instância

Deferido habeas corpus para anular acórdão do STM que, ao cassar a decisão de 1ª instância que rejeitara a denúncia com base no princípio da insignificância, recebera, desde logo, a denúncia contra o paciente. Considerou-se que o acórdão recorrido incorrera em supressão de instância, devendo os autos retornarem à Juíza-Auditora para, sem avaliar a questão relativa ao princípio da insignificância, proceder ao exame de admissibilidade da denúncia. 
STF, Segunda Turma, HC 80.095-SP, rel. Min. Nelson Jobim, 23.5.2000. 

Assinada por dois promotores

Pretendida nulidade da peça vestibular da ação penal por estar subscrita por dois promotres que participaram da fase investigatória. Improcedência dessa alegação se pelo menos um dos subscritores (ou ambos) tinha atribuições para dar início à ação penal. Se o promotor participou da fase investigatória como representante do Ministério Público, pode atuar na ação penal, como parte acusatória, sem qualquer mudança em sua posição processual. Recurso de habeas corpus a que se nega provimento (STJ, Quinta Turma, RHC 1465, de 6.11.91 - Rel. Min. Assis Toledo -DJU de 16.3.92, p. 3103).

Alternativa. Admissibilidade

Admite-se, a excepcionalidade, a denúncia alternativa, até mesmo em casos como o presente, pois que o órgão acusador fica em zona grisalha, devendo, necessariamente optar por denunciar pelos dois delitos, é o correto, visto que assim não há surpresa para a defesa, visto que o réu se defende dos fatos imputados na acusatória. (TJRGS, A.C. nº 293171757, I Câmara Criminal, São Luiz Gonzaga, Rel. Saulo Brum Leal, 16-11-94).

Imputação alternativa. Procedimento cabível que não afronta os princípios da processualística vigente. Possibilidade, quando alternativa a denúncia, da definição jurídica dada ao fato pelo juízo a quo ser corrigida pelo Tribunal. O limite do julgamento que decide sobre a acusação está no fato atribuído ao réu. Hipótese em que a postulação, além de ter caráter cumulativo, abriga tipos delituosos juridicamente coexistentes compelindo a que o magistrado, tecnicamente, entendesse configuradas apenas duas infrações, absolva o réu da terceira. Ausência de recurso da acusação impede a viabilidade da correção da definição jurídica do fato pelo Tribunal. Embargos acolhidos. (Embargos Infringentes nº 293148425, Câmaras Criminais Reunidas do TARGS, Ijuí, Rel. Léo Afonso Einloft Pereira, j. 20-12-95, maioria).

Desclassificação do crime. Impossibilidade

Impossibilidade de Desclassificação de Crime

Concluído o julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ em que se pretendia a anulação do despacho que recebera a denúncia oferecida contra os pacientes, por suposto erro na tipificação do fato delituoso, o qual acarretara a impossibilidade de aplicação, ao caso, do benefício da suspensão condicional do processo prevista no art. 89, da Lei 8.099/95 - v. Informativo 184. 

A Turma, por maioria, indeferiu o writ, ao entendimento de que a apuração do suposto erro, na espécie, exigiria o exame de matéria probatória, incabível em sede de habeas corpus. Considerou-se, ainda, a jurisprudência do STF no sentido de que a capitulação errônea da denúncia não representa constrangimento remediável em habeas corpus, já que o réu se defende dos fatos nela contidos, cabendo ao juiz, na eventualidade de erro, apenas no momento da prolação da sentença, dar nova definição jurídica aos fatos (CPP, arts. 383 e 408, §4º). Vencido o Min. Marco Aurélio, que deferia o habeas corpus para desclassificar o delito e determinar a aplicação do art. 89, da Lei 9.099/95. Precedente citado: RHC 63.619-SP (DJU de 14.3.86). 

STF, Segunda Turma, HC 79.856-RJ, rel. Min. Nelson Jobim, 2.5.2000.

Prevaricação

É inepta a denúncia, em crime de prevaricação, que não especifica o interesse ou o sentimento pessoal que o acusado buscou satisfazer. Dificuldades burocráticas não se confundem com retardamento doloso. Recurso de “habeas corpus” provido para conceder a ordem e determinar o trancamento da ação penal. (STJ, R.H.C. no. 3.960-4-RJ, Rel. Min. Assis Toledo, DJU 28-11-94, p. 32.623).

A denúncia que não descreve a contento o fato criminoso de modo a ensejar a defesa é inepta. O caso, em si, poderia acarretar uma correção administrativa, nunca uma ação penal. Não se descreveu em que consistia o "interesse ou sentimento pessoal" do paciente. 
Recurso ordinário conhecido e provido. (R.H.C. no. 3.984-1-GO, Rel. Min. Pedro Acioli, DJU 20-02-95, p. 3.214).

Legitimação. Crime contra a honra

Descabe interpretar o inciso I do artigo 129 da Constituição Federal de modo a nele ver albergada a ação penal pública condicionada. Sendo o Direito uma ciência, os institutos, as expressões e os vocábulos que o compõe têm sentido próprio. Aquela não se confunde com a ação penal pública, da iniciativa única do Ministério Público. A colocação da máquina acusadora do Estado ao alcance do servidor público, no que atingido na honra, não o torna parte ilegítima para atuar na via direta, porque o maior interessado na defesa da própria reputação. Não há como interpretar normas componentes da ordem jurídica de forma contrária aos interesses daquele a que visem a proteger. Legitimação concorrente admitida. (Recurso Extraordinário nº 173.938-0-Amapá, Rel. Min. Neri da Silveira, STF, DJU,07-04-95, p. 8886).

Erros datilográficos

A circunstância de a denúncia conter mero erro datilográfico, quanto ao ano em que foi cometido o crime, não constitui impedimento à plena defesa do réu. 
Recurso improvido. (STJ, R.H.C. nº 3512-9-SP, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJU 05-12-94, p. 33.591).

Não há nulidade da denúncia, se no detalhamento do fato delituoso o Promotor de Justiça, por erro seu ou das testemunhas, trocar letra e número de placa de veículo. É circunstância irrelevante que não prejudica o conjunto. Importante é que a peça acusatória descreva o fato criminoso perfeitamente, permitindo ao réu uma ampla defesa. 
Apelação Crime nº 294034806, TJRGS, Terceira Câmara Criminal, Rel. Sylvio Baptista Neto, 04-05-95).

Crimes contra os costumes

Havendo violência real para a posse sexual, a ação penal é pública incondicionada, irrelevante, in casu a representação da vítima, menor de quatorze anos, a que alude o art. 225, parágrafo I, I, DO C.P. 
Recurso a que se nega provimento. (R.H.C. no. 4.286-9-RJ, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, STJ, DJU 13-03-95, p. 5.310).

Nas hipóteses de violência real, na prática de estupro, a ação penal é pública incondicionada. Súmula 608 - STF. Se o crime é praticado mediante violência presumida, também denominada ficta, somente se procede mediante queixa, que é a regra geral do art. 225 CP.

A violência é ficta ou presumida, se a vítima se encontra em hospital em estado de coma (art. 224, c, C.P.), com resistência nula. 

No caso em que a vítima ou seus familiares são pobres, a ação penal é pública mediante representação. A representação dispensa formalidades, é firme a jurisprudência no sentido de que basta a manifestação da vontade de quem de direito para que seja processado o autor do crime. Para estes fins é válida a declaração dada a órgão de imprensa. "Streptus judicii". Procedentes. 

Ordem denegada. ("Habeas Corpus" nº 2.938-0-RN, Rel. Min. Pedro Acioli, STJ, DJU 27-03-95, p. 7194).


Aditamento

O aditamento à denúncia, para inclusão de novo delito, é inadmissível após o trânsito em julgado da decisão de pronúncia. Seu recebimento importa em constrangimento ilegal (TJSP, Rel. Humberto da Nova, RT 479/295).

Inépcia

Não é inepta a denúncia que, mesmo sucintamente, expõe com clareza o fato criminoso, aponta suas circunstâncias, qualifica os acusados e classifica o crime, atendendo, desta forma, as exigências do art. 41, do CPP (STJ, R.H.C. nº 3.811-0-PR, Rel. Min. Flaquer Scartezzini, DJU 12-12-94, p. 34.354).

Inepta é a inicial que desatente às exigências do art. 41 do CPP. Fora disso não há de se falar em invalidade da denúncia. Se descreve condutas que, em tese, ajustam-se ao tipo penal incriminador que menciona, indica o sujeito denunciado (quis), os meios empregados (quibus auxiliis), o lugar dos crimes (ubi), os motivos determinantes (cur), a maneira pela qual foram praticados (quomodo) e o tempo de cometimento (quando), cumpre com as formalidades do referido dispositivo. 

Inepta é a denúncia que não expõe o fato tido como criminoso, em todas as suas circunstâncias, apresentando-se de forma sumária, em caráter genérico, e em desacordo com o art. 41 do Código de Processo Penal. Em se tratando de autoria coletiva, é indispensável que descreva, ainda que resumidamente, a conduta delituosa de cada participante, de modo a possibilitar o exercício do contraditório e da ampla defesa. (STJ, A.P. no. 58-4-DF, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJU 06-03-95, p. 4.275).

Não há se falar em inépcia da denúncia quando esta contém, quantum satis, os necessários esclarecimentos de forma a possibilitar ao acusado conhecimento pleno do fato delituoso que lhe é imputado, permitindo o exercício da ampla defesa. (Recurso em "Habeas Corpus" nº 4.192-7-BA, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, STJ, DJU 20-03-95, p. 6134).

Imputada a um dos acusados a participação em quadrilha armada com descrição subseqüente de crimes cometidos pela mesma quadrilha, a denúncia, embora falha quanto ao paciente, contém elementos suficientes à instauração da ação penal. Eventuais omissões poderão ser supridas antes da sentença (art. 569 do CPP). Recurso de habeas corpus a que se nega provimento. (Recurso de "Habeas Corpus" nº 4.260-5- SP, Rel. Min. Assis Toledo, STJ, DJU 20-03-95, p. 6135).

A exigência do art. 41, CPP significa descrição do fato com todas as suas circunstâncias. A denúncia deve ser formal e materialmente homogênea. Formal, quando ajusta a descrição aos fatos; material, desde que exista um mínimo de indício, no sentido técnico da palavra, qual seja, fato do qual possa decorrer a demonstração ou a busca da evidência de outro fato. Consórcio é reunião de pessoas que formam poupança a fim de adquirir, com pagamentos parcelados, determinado bem, cujo preço será uniforme para todos os consorciados, independentemente da data de recebimento do bem obtido por sorteio, ou lance. Publicidade enganosa ou abusiva é induzimento de terceiros a erro para realizar algum negócio jurídico. Como infração penal, é fim em si mesma. Assim, não resta configurada quando se destina a atrair pessoas para aderir a consórcio. Este é contrato formal. A pessoa atraída, antes de firmar a avença, tem conhecimento das respectivas cláusulas. Em sendo estas legais, nenhum ilícito se caracteriza. (Habeas Corpus nº 2.553-9-MG, Rel. Min. Anselmo Santiago, STJ, DJU 20-03-95, p. 6143).

A denúncia deve apresentar-se formal e materialmente correta. Identificar, ademais, o fato como crime. Satisfazer a legitimidade ativa e a passiva. Remanesce o interesse de agir, ausente causa de extinção da punibilidade. Evidenciar, além disso, o mínimo fático para arrimar a pretensão do Ministério Público. Tais requisitos não se confundem com o meritum causae, isto é, se a imputação corresponde à verdade real. Justifica-se o processo, evidenciada a necessidade da instrução criminal. (Recurso em Habeas Corpus nº 4.254-0-RS, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, STJ, DJU 20-03-95, p. 6145).

A denúncia revela-se apta, uma vez evidenciado que a imputação descreveu o fato com todas as suas características, isto é, identificável, no tempo e no espaço, definido como infração penal. Com isso, é ensejado o exercício do direito de defesa. (Recurso em Habeas-Corpus nº 4.132-3- BA, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, STJ, DJU 03-04-95, p. 8148).

Após processamento regular, resultou o acusado pronunciado como incurso nas sanções do art. 121, `caput', C. Penal (fls. 70/71). Oferecidos libelo e contra-libelo, não se realizou o julgamento pelo Tribunal do Júri em razão da ausência do acusado. Não obstante vencido o prazo de impugnação da decisão de pronúncia, apresentou o órgão do Ministério Público (fls. 120/121) aditamento à denúncia em que oferece nova narrativa fática classificada como latrocínio (art. 157, par. 3º, CP). A magistrada recebeu o aditamento, determinando abertura de prazo à defesa, a teor do art. 384, par. único, CPP. Nada requerido, foram abertos os prazos dos arts. 499 e 500, CPP. 

Merece provido o pedido de correição parcial interposto pelo Ministério Público. Como ensina Tourinho Filho, `proferida a sentença de pronúncia e preclusa a via impugnativa, não mais poderá ela ser alterada, a menos que se verifique circunstância superveniente que modifique a classificação do delito. Assim, se o réu foi pronunciado como autor de uma tentativa de homicídio e, após a pronúncia, vier a vítima a falecer em conseqüência das lesões, é claro que a sentença precisa ser alterada' (Tourinho Filho, Processo Penal, Saraiva, 1990, v. 4). 

Vê-se, na espécie sob exame, não ocorreu hipótese do art. 416, CPP, autorizada de alteração da decisão de pronúncia, qual seja verificação de circunstância superveniente que modifique a classificação do delito. Verifica-se da manifestação ministerial (fls. 111/112) que precede o aditamento que este decorreu pura e simplesmente de reexame da prova existente nos autos à ocasião da prolação da pronúncia irrecorrida. Não houve, pois, verificação de circunstância fática superveniente à decisão de pronúncia passada em julgado. Caracterizada hipótese de correição parcial, ausente recurso previsto para a decisão atacada que representa, sem dúvida, inversão tumultuária do processo, mediante rescisão indevida da decisão de pronúncia irrecorrida.


Interpretação da regra da letra "b", art. 224, do CP.

Ao interpretar a regra do art. 224, alínea "b", do Código Penal, alguns julgados têm esposado a tese de que, à incidência da presunção de violência, basta seja a vítima meramente fronteiriça, basta a debilidade ou alienação moderada, isto é, mesmo que não seja absolutamente incapaz de entender ou querer (RJTJSP 90/467, 88/370 e 93/373). 

No entanto, majoritariamente, tanto em sede de doutrina como de jurisprudência (RT 632/288, 620/342, 598/398, 479/313 e 450/368; RJTJSP 123/449, 107/429, 88/362, 76/315 e 59/385), o entendimento é diverso, bem mais rigoroso. A presunção só tem cabida quando a ofendida apresentar a condição psíquica dos inimputáveis, de modo a torná-la inteiramente incapaz de entender ou de querer. 

De acordo com Nelson Hungria, “Na presunção da letra “b”, deve entender-se que a condição psíquica da vítima é idêntica a dos “irresponsáveis”, a que se refere o art. 22 (hoje 26), isto é, a alienação ou debilidade mental deve ser de molde a abolir inteiramente a capacidade de entendimento ético jurídico, ou de autogoverno” (Comentários ao Código Penal, vol. VIII, p. 225). E arremata: “Os chamados “fronteiriços” não são abrangidos na especial proteção legal” (ob. e p. cits.). 

Julio Mirabete (“A condição psíquica da vítima é, no caso, idêntica à dos inimputáveis à que se refere o art. 26, isto é, a alienação ou debilidade mental deve ser de molde a abolir inteiramente a capacidade de entendimento ou autogoverno. Alienação é um termo amplo que impede a pessoa de ter capacidade ética para o ato a que consente, o que também ocorre com debilidade mental mais grave. A alienação e a debilidade mental da vítima devem ficar comprovadas por laudo pericial seguro nos seus fundamentos e na sua conclusão - RT 390/93. Tratando-se de circunstâncias elementares do crime, não basta que se apresente deficiência mental, como nos casos dos chamados “fronteiriços” ... notadamente se não determinada sua intensidade pela perícia” - Manual, vol. II, p. 438.) e Damásio de Jesus (“É necessário que a vítima, em virtude de doença mental, seja inteiramente incapaz de entender a natureza de seu gesto ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” - CP Anotado, p. 583), não dissentem. 

A comprovação da alienação ou debilidade mental requer perícia especializada:

“ESTUPRO COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA. REQUISITOS. Para a caracterização do delito do estupro com violência presumida, na forma do art. 224, “b”, do Código Penal, são necessários dois requisitos: laudo pericial devidamente fundamentado, confirmando doença mental que retira da vítima sua capacidade de convívio social, e, também, prova cabal de que tal doença era do conhecimento do agente”. (Apelação Crime nº 695089698, Terceira Câmara Criminal do TJRGS, Camaquã, Rel. Des. Egon Wilde, 17-08-95). No mesmo sentido, de outros Tribunais: RT 620/342, 611/402, 598/398 e 534/315.

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