quinta-feira, 10 de março de 2011

O 18 BRUMÁRIO DE LOUIS BONAPARTE - Marx dez. de 1851 a Mar. de 1852

I - Primeiro Período: de 24 de fevereiro a 04 de maio de 1848: Período de Fevereiro. Prólogo, Comédia da confraternização geral.


II - Segundo Período: Período de constituição da república e da Assembléia Nacional Constituinte.

1. De 04 de maio a 25 de junho de 1848: Luta de todas as classes contra o proletariado. Derrota do proletariado nas jornadas de junho.

2. De 25 de junho a 10 de dezembro de 1848: Ditadura dos republicanos burgueses puros. Elaboração do projeto da Constituição. Proclamação do estado de sítio em Paris. A ditadura burguesa é posta à margem a 10 de dezembro com a eleição de Bonaparte para presidente.

3. De 20 de dezembro de 1848 a 28 de maio de 1849: Luta da Assembléia Constituinte contra Bonaparte e contra o partido da ordem, aliado a Bonaparte. Fim da Assembléia Constituinte. Queda da burguesia republicana.

III - Terceiro Período: Período da república constitucional da Assembléia Legislativa Nacional.

1. De 28 de maio de 1849 a 13 de junho de 1849: Luta da pequena burguesia contra a burguesia e contra Bonaparte. Derrota da democracia pequeno-burguesa.

2. De 13 de junho de 1849 a 31 de maio de 1850: Ditadura parlamentar do partido da ordem. Completa seu domínio com a abolição do sufrágio universal, mas perde o ministério parlamentar.

3. De 31 de maio de 1850 a 2 de dezembro de 1851: Luta entre a burguesia parlamentar e Bonaparte:

a) De 31 de maio de 1850 a 12 de janeiro de 1851: O Parlamento perde o controle supremo do exército;

b) De 12 de janeiro a 11 de abril de 1851: Leva a pior em suas tentativas de recuperar o poder administrativo. O partido da ordem perde sua maioria parlamentar independente. Sua aliança com os republicanos e a Montanha;

c) De 11 de abril de 1851 a 09 de outubro de 1851: Tentativas de revisão, fusão, prorrogação. O partido da ordem se decompõe em suas partes integrantes. Torna-se definitiva a ruptura do Parlamento burguês e da imprensa burguesa com a massa da burguesia;

d) De 09 de outubro a 02 de dezembro de 1851: Franca ruptura do Parlamento com o Poder Executivo. O Parlamento consuma seu derradeiro ato e sucumbe, abandonado por sua própria classe, pelo exército e por todas as demais classes. Fim do regime parlamentar e do domínio burguês. Vitória de Bonaparte. Paródia de restauração do império.

CAPÍTULO I

Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.

A derrota dos insurreitos de junho preparara e aplainara, indubitavelmente, o terreno sobre a qual a república burguesa podia ser fundada e edificada, mas demonstrara ao mesmo tempo que na Europa as questões em foco não eram apenas de "república ou monarquia". Revelara que aqui república burguesa significava o despotismo ilimitado de uma classe sobre outras. Provara que em países de velha civilização, com uma estrutura de classes desenvolvida, com condições modernas de produção, e com uma consciência intelectual na qual todas as idéias tradicionais se dissolveram pelo trabalho de séculos - a república significava geralmente apenas a forma política da revolução da sociedade burguesa e não sua forma conservadora de vida, como por exemplo nos Estados Unidos da América, onde, embora já existam classes, estas ainda não se fixaram, trocando ou permutando continuamente os elementos que as constituem em um fluxo contínuo, onde os modernos meios de produção, em vez de coincidir com uma superpopulação crônica, compensam, pelo contrário, a relativa escassez de cabeças e de braços, e onde, finalmente, o febril movimento juvenil da produção material, que tem um novo mundo para conquistar, não deixou nem tempo nem oportunidade de abolir a velha ordem de coisas.

Durante as jornadas de junho todas as classes e partidos se haviam congregado no partido da ordem, contra a classe proletária, considerada como o partido da anarquia, do socialismo, do comunismo.

CAPÍTULO II

A história da Assembléia Nacional Constituinte a partir das jornadas de junho é a história do domínio e da desagregação da fração republicana da burguesia, da fração conhecida pelos nomes de republicanos tricolores, republicanos políticos, republicanos formalistas etc.

Sob a monarquia burguesa de Luís Filipe essa fração formara a oposição republicana oficial e era, consequentemente, parte integrante reconhecida do mundo político de então.

Era um grupo de burgueses de idéias republicanas - escritores, advogados, oficiais e funcionários de categoria que deviam sua influência às antipatias pessoais do país contra Luis Filipe, à memória da velha república, à fé republicana de um grupo de entusiastas, e sobretudo ao nacionalismo francês, cujo ódio aos Tratados de Viena e à aliança com a Inglaterra eles atiçavam constantemente.

A burguesia industrial estava-lhe agradecida por sua servil defesa do sistema protecionista francês.

A burguesia, como um todo, estava-lhe agradecida por suas torpes denúncias contra o comunismo e o socialismo. Quanto mais o partido Nacional era puramente republicano, ou seja, exigia que a dominação burguesa adotasse formas republicanas ao invés de monárquicas.

Os republicanos puros já estavam a ponto de se contentar no momento com a regência da Duquesa de Orléans, quando irrompeu a Revolução de Fevereiro e seus representantes mais conhecidos foram apontados para postos no Governo Provisório. Desde o início contavam com o apoio da burguesia e com a maioria na Assembléia Nacional Constituinte. Socialistas do Governo Provisório foram imediatamente excluídos da Comissão Executiva e o partido do National aproveitou a deflagração da insurreirção de junho para dissolver também a Comissão Executiva, e livrar-se assim de seus rivais mais próximos, os republicanos pequenos burgueses ou republicanos democratas.

A fração republicano-burguesa se considerava a herdeira legítima da monarquia de julho. Alcançou o poder, não como sonhara, sob o governo de Luís Filipe, e sim através de um levante do proletariado contra o capital, que foi sufocado a tiros de canhão.

O domínio exclusivo dos republicanos burgueses durou apenas de 24 de junho a 10 de dezembro de 1848. Resumiu-se na elaboração da Constituição republicana e na proclamação do estado de sítio em París.

A nova Constituição era apenas a reedição, em forma republicana, da Carta constitucional de 1830.

O inevitável estado-maior das liberdades de 1848, a liberdade pessoal, as liberdades de imprensa, de palavra, de associação de reunião, de educação, de religião etc., receberam um uniforme constitucional que as fez invulneráveis. Com efeito, cada uma dessas liberdades é proclamada como direito absoluto do cidadão francês, mas sempre acompanhada da restrição à margem, no sentido de que é ilimitada desde que não esteja limitada pelos "direitos iguais dos outros e pela segurança pública" ou por "leis" destinadas a restabelecer precisamente essa harmonia das liberdades individuais entre si e com a segurança pública.

A Constituição, por conseguinte, refere-se constantemente a futuras leis orgânicas que deverão pôr em prática aquelas restrições e regular o gozo dessas liberdades irrestritas de maneira que não colidam nem entre si nem com a segurança pública. Sempre apenas no interesse da "segurança pública", isto é, da segurança da burguesia, como prescreve a Constituição.

Cada parágrafo da Constituição encerra sua própria antítese, sua própria Câmara Alta e Câmara Baixa, isto é, liberdade na frase geral, ab-rogação (tornando nulo) da liberdade na nota à margem. Assim, desde que o nome da liberdade seja respeitado e impedida apenas a sua realização efetiva - de acordo com a lei, naturalmente - a existência constitucional da liberdade permanece intacta, inviolada.

Esta Constituição era vulnerável em um ponto: de um lado, a Assembléia Legislativa, de outro, o Presidente. Um exame da Constituição revela que só os parágrafos onde é definida a relação do Presidente com a Assembléia Legislativa são absolutos, positivos, não contraditórios, e sem tergiversação (subterfúgio) possível. Os republicanos burgueses tratavam de garantir sua posição. Os parágrafos 45 a 70 da Constituição acham-se redigidos de tal maneira que a Assembléia Nacional tem poderes constitucionais para afastar o Presidente, ao passo que este só inconstitucionalmente pode dissolver a Assembléia Nacional, suprimindo a própria Constituição.

Não só consagra a divisão dos poderes, tal como a Carta de 1830, como a amplia a ponto de transformá-la em uma contradição insustentável.

Enquanto a Constituição outorga poderes efetivos ao Presidente, procura garantir para a Assembléia Nacional o poder moral. À parte o fato de que é impossível criar um poder moral mediante os parágrafos de um lei, a Constituição mais uma vez se anula ao dispor que o Presidente seja eleito por todos os franceses, através do sufrágio direto.

A Assembléia Nacional eleita está em relação metafísica com a Nação ao passo que o Presidente eleito está em relação pessoal com ela. A Assembléia Nacional exibe realmente, em seus representantes individuais, os múltiplos aspectos do espírito nacional, enquanto no Presidente esse espírito nacional encontra a sua encarnação. Em comparação com a Assembléia ele possui uma espécie de direito divino; é Presidente pela graça do povo.

A Constituição tinha seu ponto fraco, o pressentimento de que morreria cedo. Tentaram fugir ao destino por meio de um dispositivo constitucional, através do parágrafo 111, segundo o qual toda moção visando à revisão da Constituição tinha que ser apoiada pelo menos por três quartos dos votantes, em três debates sucessivos, entre os quais devia haver sempre um mês de intervalo, e que exigia ademais, que pelo menos 500 membros da Assembléia Nacional participassem da votação.

Finalmente a Constituição, em um parágrafo melodramático, se confia "à vigilância e ao patriotismo de todo o povo francês e de cada cidadão francês", depois de ter anteriormente confiado os "vigilantes" e "patriotas", em um outro parágrafo, aos cuidados mais ternos e dedicados da Alta Corte de Justiça, expressamente criada para isso.

Esta era a Constituição de 1848, que a 2 de dezembro de 1851 não foi derrubada por uma cabeça, mas caiu por terra ao contato de um simples chapéu; esse chapéu, o de Bonaparte.

Enquanto os republicanos burgueses se entrelinham, na Assembléia, em criar, discutir e votar essa Constituição, fora da Assembléia mantinha-se o estado de sítio em París. O estado de sítio foi a parteira da Assembléia Constituinte em seus trabalhos de criação republicana.

A eleição de Luís Bonaparte como presidente, em 10 de dezembro de 1848, pôs fim à ditadura de Cavaignac (general) e à Assembléia Constituinte.

O parágrafo 44 da Constituição declara: "O Presidente da República Francesa não deverá ter perdido nunca sua cidadania francesa." O primeiro presidente da República Francesa, L. N. Bonaparte, tinha não só perdido sua cidadania francesa, não só fora um agente especial dos ingleses, mas era até naturalizado suíço.

Significado da eleição de 10 de dezembro: Foi uma reação dos camponeses, que tinham tido que pagar as custas da Revolução de Fevereiro, contra as demais classes da nação, uma reação do campo contra a cidade. Esta reação encontrou grande apoio no exército, ao qual os republicanos do National não haviam dado nem glória nem remuneração adicional.

O período compreendido de 20 de dezembro de 1848 à dissolução da Assembléia Constituinte em maio de 1849, abrange a história do ocaso dos republicanos burgueses. Sendo divididos em dois grupos distintos, os legitimistas (Borbons), latifundiários monárquicos e do outro lado os orleanistas (Orleans), grandes industriais aristocratas. Os altos dignitários do exército, da universidade, da igreja, da justiça, da academia e da imprensa podiam ser encontrados dos dois lados, embora em proporções várias. Ambos se juntaram e formaram o partido da Ordem.

O partido da Ordem fez com que um deputado de nome Rateau apresentasse moção propondo que a Assembléia interrompesse a discussão das leis orgânicas e decidisse sobre sua própria dissolução. Todos os membros monarquistas da Assembléia Nacional indicaram que a dissolução era necessária para a restauração do crédito, para a consolidação da ordem, para pôr fim aos indefinidos arranjos provisórios e estabelecer uma situação definitiva. Os monarquistas coligados declararam ameaçadoramente à Assembléia Constituinte que seria empregada a força caso ela se mostrasse pouco dócil.

Um dos motivos que levaram o partido da Ordem a encurtar pela força a duração da vida da Assembléia Constituinte foram as leis orgânicas suplementares à Constituição, tais como a lei do ensino, a lei sobre o culto religioso etc. Para os monarquistas coligados era da maior importância que eles próprios elaborassem essas leis. Entre essas leis orgânicas, havia uma que regulamentava as responsabilidades do Presidente da República.

O próprio partido da Ordem, quando não constituía ainda a Assembléia Nacional, quando era apenas o ministério, estigmatizou o regime parlamentar. E brada aos céus quando o 02 de dezembro de 1851 baniu esse regime da França.

CAPÍTULO III

A Assembléia Legislativa Nacional reuniu-se a 28 de maio de 1849. A 02 de dezembro de 1851 foi dissolvida. Esse período cobre a vida efêmera da república constitucional ou república parlamentar.

Na primeira Revolução Francesa o domínio dos constitucionalistas é seguido do domínio dos girondinos e o domínio dos girondinos pelo dos jacobinos. Cada um desses partidos se apoia no mais avançado. Assim que impulsiona a revolução o suficiente para se tornar incapaz de levá-la mais além, e muito menos de marchar à sua frente, é posto de lado pelo aliado mais audaz que vem atrás e mandado à guilhotina. A revolução move-se, assim, ao longo de uma linha ascensional.

Com a Revolução de 1848 dá-se o inverso. O partido proletário aparece como um apêndice do partido pequeno-burguês democrático. É traído e abandonado por esse a 16 de abril, a 15 de maio e nas jornadas de junho. O partido democrata, por sua vez, se apoia no partido republicano burguês. Assim que consideram firmada a sua posição os republicanos burgueses desvencilham-se do companheiro inoportuno e apóiam-se sobre os ombros do partido da ordem. O partido da ordem ergue os ombros fazendo cair aos trambolhões os republicanos burgueses e atira-se, por sua vez, nos ombros das forças armadas.

Se existe na história do mundo um período sem nenhuma relevância é este.

O ministério nomeado por Bonaparte, no dia de sua ascensão, 20 de dezembro de 1848, era um ministério do partido da ordem, da coligação legitimista e orleanista. Esse ministério Barrot-Falloux sobrevivera à Assembléia Constituinte republicana, cujo termo de vida cortara de um modo mais ou menos violento, e encontrava-se ainda ao leme. As eleições gerais haviam assegurado ao partido da ordem uma ampla maioria na Assembléia Nacional. Os deputados e pares de Luis Fillipe defrontaram-se aqui com uma hoste sagrada de legitimistas, para os quais muitos dos votos da nação haviam-se transformado em cartões de ingresso para  o teatro político.

O partido da Ordem encontrava-se, assim, de posse do poder governamental, do exército e do Poder Legislativo. Nunca um partido iniciou sua campanha com tantos recursos ou sob auspícios tão favoráveis.

O grande partido da oposição, entretanto, era constituído pela Montanha, o partido social-democrata adotara no Parlamento este nome de batismo. Comandava mais de 200 dos 750 votos da Assembléia Nacional. Em vista dos inevitáveis choques entre os monarquistas e de todo o partido da Ordem com Bonaparte, a 28 de maio de 1849 a Montanha parecia ter diante de si todos os elementos de êxito. Quinze dias depois perdia tudo, inclusive a honra.

Os legitimistas e os orleanistas formavam as duas grandes facções do partido da Ordem.

Os Bourbons governavam a grande propriedade territorial, com seus padres e lacaios; os Orleans, a alta finança, a grande indústria, o alto comércio, ou seja, o capital, com advogados, professores e oradores melífluos. A monarquia legitimista foi apenas a expressão política do domínio hereditário dos senhores de terra. O que serparava as duas facções não era nenhuma questão de princípios, eram suas condições materiais de existência, duas diferentes espécies de propriedade, o contraste entre a cidade e o campo, a rivalidade entre o capital e o latifúndio.

Embora orleanistas e legitimistas, se esforçassem por convencer-se e convencer os outros de que o que as separava era sua lealdade às duas casas reais, os atos provaram mais tarde que o que impedia a união de ambas era mais a divergência de seus interesses.

Cada lado desejava levar a cabo a restauração de sua própria casa real, contra a outra, isto significava apenas que cada um dos dois grandes interesses em que se divide a burguesia - o latifúndio e o capital - procurava restaurar sua própria supremacia e suplantar o outro. Dois interesses da burguesia porque a grande propriedade territorial, apesar de suas tendências feudais e de seu orgulho de raça, tornou-se completamente burguesa com o desenvolvimento da sociedade moderna.

Os monarquistas coligados intrigavam-se uns contra os outros pela imprensa. Se como partido da ordem, insultavam também a república e manifestavam a repugnância que sentiam por ela, isto não era devido apenas a recordações monarquistas. A república, é bem verdade, torna completo seu domínio político, mas ao mesmo tempo solapa suas fundações sociais, têm agora de se defrontar com as classes subjugadas e lutar com elas sem qualquer mediação, sem poderem esconder-se atrás da coroa. Cada vez que os monarquistas coligados entram em conflito com o pretendente que se lhes opunha, com Bonaparte, apresentam-se como republicanos e não como monarquistas.

Contra a burguesia coligada fora formada uma coalizão de pequenos burgueses e operários, o chamado partido social democrata. Quebrou-se o aspecto revolucionário das reivindicações sociais do proletariado e deu-se a elas uma feição democrática; despiu-se a forma puramente política das reivindicações democráticas da pequena burguesia e ressaltou-se seu aspecto socialista. Assim surgiu a social-democracia. Como meio de não acabar com dois extremos, capital e trabalho assalariado, mas de enfraquecer seu antagonismo e transformá-lo em harmonia.

O bombardeio de Roma pelas tropas francesas foi a isca qeu lhe atiraram. Violava o artigo 5 da Constituição, que proibia qualquer declaração de guerra por parte do Poder Executivo sem o assentimento da Assembleia Nacional. Baseado nisso, a 11 de junho de 1849 LedruRollin apresentou um projeto de impeachment contra Bonaparte e seus ministros. Os acontecimentos de 13 de junho são conhecidos: a proclamação lançada por uma ala da Montanha declarando Bonaparte e seus ministros "fora da Constituição!"; a passeata da Guarda Nacional democrática que, desarmada como estava, dispersou-se ao defrontar as tropas de Changarnier etc, etc. Uma parte da Montanha fugiu para o estrangeiro; outra parte foi citada pelo Supremo Tribunal de Bourges, e uma resolução parlamentar submeteu os restantes à vigilância de bedel do presidente da Assembleia Nacional. Quebrou-se, assim, a influência da Montanha no Parlamento e a força da pequena burguesia em Paris.

A maior parte da Montanha abandonara sua vanguarda na hora difícil. A pequena burguesia traiu seus representantes. Se a Montanha queria vencer no Parlamento, não devia ter apelado para as armas.

O democrata sai da derrota mais humilde, tão imaculado como era inocente quando entrou na questão, com a convicção recém-adquirida de que terá forçosamente que vencer, não porque ele e seu partido deverão abandonar o antigo ponto de vista, mas, pelo contrário, porque as condições tem que amadurecer para se porem de acordo com ele.

MONTAGNARDS: Deputados do partido da Montanha;
NOUS VERRONS: Veremos;
VOUS N'ÉTES QUE DES BLAGUEURS: Não passais de fanfarrões.

Denunciando uma insurreição em defesa da carta constitucional como um ato de anarquia à subversão do regime, a Montanha vedou a si própria a possibilidade de recorrer à insurreição no caso de o Poder Executivo violar contra ela a Constituição.

O 13 de junho tem ainda outro significado. A Montanha havia querido forçar o impeachment de Bonaparte. Sua derrota foi, portanto, uma vitória direta de Bonaparte, seu triunfo pessoal sobre seus inimigos democratas.

Da tribuna e na imprensa elogiava-se o exército como o poder da ordem, em contraste com as massas populares, que representavam a impotência da anarquia.

Chegamos aqui ao ponto decisivo da história da Guarda Nacional francesa. Em 1830 ela tivera ação decisiva na queda da Restauração. Depois que Bonaparte assumiu o poder, a posição da Guarda Nacional foi, de certo modo, enfraquecida pela união inconstitucional.

Nas jornadas de junho de 1848 a burguesia e a pequena burguesia, na qualidade de Guarda Nacional, se tinham unido ao exército contra o proletariado; a 13 de junho de 1849 a burguesia fez dispersar a Guarda Nacional pequeno-burguesa pelo exército; a 2 de dezembro de 1851 desapareceu a própria Guarda Nacional burguesa e Bonaparte limitou-se a registrar esse fato quando subsequentemente assinou o decreto de sua dissolução.

A Assembleia Nacional agiu impoliticamente desaparecendo de cena durante longos intervalos e deixando que aparecesse à frente da república uma única e mesmo assim triste figura, a de Luís Bonaparte, enquanto para escândalo do público o partido da ordem fragmentava-se em seus componentes monarquistas e entregava-se às suas divergências internas sobre a Restauração monárquica. Só faltava uma coisa para completar o verdadeiro caráter dessa república: tornar permanente o recesso e substituir a Liberté, Égalité, Fraternité, pelas palavras inequívocas: Infantaria, Cavalaria, Artilharia!

CAPÍTULO IV

O ministério Barrot fora composto de legitimistas e orleanistas, um ministério do partido da ordem.
HOME DE PAILLE: homem de palha / fantoche!

O ministério Barrot - Falloux foi o primeiro e último ministério parlamentar criado por Bonaparte. A Assembleia Nacional perde toda a influência real quando perde o controle das pastas ministeriais, se não simplifica ao mesmo tempo a administração do Estado, reduz o corpo de oficiais do exército ao mínimo possível e, finalmente, deixa a sociedade civil e a opinião pública criarem órgãos próprios, independentes do poder governamental. É precisamente com a manutenção dessa dispendiosa máquina estatal em suas numerosas ramificações qeu os interesses materiais da burguesia francesa estão entrelaçados da maneira mais íntima. Aqui encontra postos para sua população excedente e compensa sob forma de vencimentos o que não pode embolsar sob a forma de lucros, juros, rendas honorários. A burguesia francesa viu-se assim compelida por sua posição de classe a aniquilar, por um lado, as condições vitais de todo o poder parlamentar e portanto inclusive o seu próprio, e, por outro lado, a tornar irresistível o Poder Executivo qeu lhe era hostil.

FONDS: títulos públicos.
MAÍRES: prefeitos.
GENDARME: organizações policiais.
SELF-GOVERNMENT: autogoverno.
SOUS: moeda francesa.
LÚMPEN: trapo.
SUFRÁGIO UNIVERSAL: direito do voto.
CHANTAGE EN RÈGLE: chantagem em regra.
MAQUEREAUS: alcoviteiros.

Lei restabelecendo o imposto sobre o vinho e a lei do ensino abolindo a irreligiosidade.

Assim, denunciando agora como "socialista" tudo o qeu anteriormente exaltara como "liberal", a burguesia reconhece que seu próprio interesse lhe ordena subtrair-se aos perigos do self-government.

Bonaparte propôs a criação de um banco para conceder créditos de honra aos operários. Dinheiro como dádiva e dinheiro como empréstimo, com perspectivas como essas esperava atrair as massas. Resume-se nisso a ciência financeira do lúmpen proletariado.

O ano de 1850 foi um dos anos mais esplêndidos de prosperidade industrial e comercial, e o proletariado de Paris atravessa, assim, uma fase de pleno emprego. A lei eleitoral de 31 de maio de 1850, porém, o excluiu de qualquer participação no poder político. Isolou-o da própria arena.

A lei de 31 de maio de 1850 era o golpe de Estado da burguesia.

CAPÍTULO V

"As criadas políticas da França estão varrendo a lava ardente da revolução com vassouras velhas, e discutem entre si enquanto executam sua tarefa".

QUESTIONS BRÛLANTES: questões candentes.
GREFFIER: oficial de justiça.
CITÉS OUVRIÈRES: cidades de trabalhadores.

A lei eleitoral era a esfera de chumbo acorrentada aos pés do partido da ordem, que o impedia de andar e, de investir para frente.

A burguesia liquidara temporariamente a luta de classes, ao abolir o sufrágio universal.

O burguês, e principalmente o burguês arvorado em estadista, complementa sua mesquinhez prática com sua extravagância teórica.

A destruição de Changarnier e a passagem do poder militar para as mãos de Bonaparte encerra a primeira parte do período aqui considerado, o período da luta entre o partido da ordem e o Poder Executivo.
A Assembleia Nacional transformara-se gradativamente em um Parlamento ancien régime, que tem de ceder a iniciativa ao governo e contentar-se com grunhidos recriminatórios postfestum (depois da festa).

CAPÍTULO VI

Com o 28 de maio de 1852, teve início o último ano de vida da Assembleia Nacional. Tinha agora que decidir-se ou a manter inalterada a Constituição ou a reformá-la. A revisão da Constituição, porém, não implicava apenas no domínio da burguesia ou da democracia pequeno-burguesa, democracia ou anarquia proletária, república parlamentar ou Bonaparte: significava também Orléans ou bourbon! O partido da ordem era um combinado de substâncias sociais heterogêneas. A questão da revisão gerou uma temperatura política na qual ele voltou a se decompor em seus elementos primitivos.

O interesse dos bonapartistas na revisão tratava-se, sobretudo, de abolir o artigo 45, que proibia a reeleição de Bonaparte e a prorrogação de seus poderes.

A república parlamentar era mais do que o campo neutro no qual as duas facções da burguesia francesa, os legitimistas e orleanistas, a grande propriedade territorial e a indústria podiam viver lado a lado com igualdade de direitos. Era a condição inevitável para seu domínio em comum a única forma de governo no qual seu interesse geral de classe podia submeter ao mesmo tempo tanto as reivindicações de suas diferentes facções como as demais classes da sociedade.

A reforma da Constituição punha em julgamento, juntamente com a república, o governo comum das duas facções burguesas e reavivava, com a possibilidade da monarquia, a rivalidade de interesses qeu esta representara alternadamente como preponderantes, a luta pela supremacia de uma facção sobre a outra.

KATZENJAMMER: ressaca.

A tentativa de realizar uma fusão de orleanistas e legitimistas, portanto, não só fracassara como destruíra sua fusão parlamentar, sua forma comum republicana, e fragmentara o partido da ordem em seus elementos componentes.

A luta do partido da ordem demonstrou que a luta para manter seus interesses públicos, seus próprios interesses de classe, seu poder político, só lhe trazia embaraço e desgostos, pois constituía uma perturbação dos seus negócios privados.

O burguês berra furiosamente para a sua república parlamentar: "Antes um fim com terror, do que um terror sem fim".

O golpe de Estado de Bonaparte.

CAPÍTULO VII

A burguesia francesa há muito encontrar a solução para o dilema de Napoleão: Dans cinquante ans l`Europe sera republicaine ou cosaque! (Dentro de cinquenta anos a Europa será ou republicana ou cossaca!).

Cest le triomphe complet et définitif du Socialisme! (É o triunfo completo e definitivo do Socialismo!)

Napoleão aperfeiçoara essa máquina estatal.

Todas as revoluções aperfeiçoaram essa máquina em vez de a destruir.

Mas sob a monarquia absoluta, durante a primeira Revolução, sob Napoleão, a burocracia era apenas o meio de preparar o domínio de classe da burguesia. Sob a Restauração, sob Luís Filipe, sob a república parlamentar, era o instrumento da classe dominante, por muito que lutasse por estabelecer seu próprio domínio.

Unicamente sob o segundo Bonaparte o Estado parece tornar-se completamente autônomo. A máquina do Estado consolidou a tal ponto a sua posição em face da sociedade civil que lhe basta ter à frente o chefe da Sociedade de 10 de Dezembro, um aventureiro surgido de fora, glorificado por uma soldadesca embriagada, comprada com aguardente e salsichas e que deve ser constantemente recheada de salsichas. Daí o pusilânime desalento, o sentimento de terrível humilhação e degradação que oprime a França e lhe corta a respiração. A França se sente desonrada.

Bonaparte representa uma classe, e justamente a classe mais numerosa da sociedade francesa, os pequenos (Parzellen) camponeses.

Os Bourbons representavam a grande propriedade territorial.

Os Orléans a dinastia do dinheiro, os Bonapartes são a dinastia dos camponeses, a massa do povo francês.

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