sexta-feira, 25 de março de 2011

NOVOS RUMOS DA INTELIGÊNCIA POLICIAL

INTRODUÇÃO

A “atividade policial guiada pela inteligência” (“intelligence-led policing”) é um termo que muito recentemente começou a ser usado no Canadá e Estados Unidos da América (EUA). Função até mesmo dessa novidade de uso, a expressão ainda não tem uma definição única, plasmada pelo consenso geral. É de entendimento comum, entretanto, que a “atividade policial guiada pela inteligência” inclua, fundamentalmente, a coleta e análise de informação para elaboração de um produto final—conhecimento—criado para instrumentar o processo decisório da gestão policial, tanto através da análise criminal tática quanto estratégica.

ANÁLISE CRIMINAL TÁTICA

A atividade de inteligência policial, através da análise criminal tática, consiste num processo de produção de conhecimento que dá suporte às atividades operacionais de investigação e policiamento ostensivo. Entenda-se que a análise aqui referida compreende o ato de separar as diversas partes do fenômeno da criminalidade, examinando cada uma delas com o fito de conhecer sua natureza, proporções, funções e relações. Assim, a análise criminal tática busca subsidiar uma pronta resposta às ocorrências criminais havidas num determinado tempo e lugar. O conhecimento produzido pela análise tática é instrumental para a gestão dos elementos operacionais, através da determinação de padrões e tendências criminais num determinado espaço geográfico-temporal, usualmente favorecendo a prisão de delinqüentes.

O objetivo da análise criminal tática, portanto, é a identificação de “tendências” imediatas (evolução quantitativa e respectiva distribuição espaço-temporal), bem como dos “padrões” correntes da criminalidade (modus operandi), aí incluídas seqüências de baixa, média e alta freqüência de ocorrências, bem como a determinação dos chamados “pontos quentes”, locais de rápida acumulação de fatos delituosos.

Um “ponto quente” é uma condição ou estado que indica alguma forma de aglomeração numa distribuição espaço-temporal de ocorrências criminais. A título de apresentação de “um critério entre vários”, o Departamento de Polícia da Cidade de Baltimore (Maryland, EUA) identifica os pontos quentes de sua área de jurisdição de acordo com um “triplo critério”: freqüência (f), posição geográfica (g) e tempo de intervalo das ocorrências (t). Para que um ponto seja considerando “quente”, pelo menos dois delitos deverão ter ocorrido (f) numa pequena área do espaço geográfico (g), num espaço temporal não maior que de uma a duas semanas entre as ocorrências (t).

A análise tática inclui a associação de dados relativos a ocorrências específicas com informação advinda de grandes bases históricas de dados de ocorrências policiais, visando o estabelecimento de relações de pertinência de variáveis (correlações), tais como método (modus operandi), data-hora, local, e veículo(s) utilizado(s), entre outras possibilidades. Tudo isso com a finalidade de identificar e prender criminosos. Em outras palavras, através da identificação de aspectos específicos de ocorrências do fenômeno da criminalidade, a análise tática produzirá indicações que levarão a um rápido esclarecimento de casos/ocorrências, através da vinculação de um determinado indivíduo e seu modus operandi à autoria de um delito que está sendo investigado num dado momento.

ANÁLISE CRIMINAL ESTRATÉGICA

A atividade de inteligência policial, através da análise criminal estratégica, está voltada para a resolução de potenciais problemas de segurança pública de médio e longo prazos. Ela trabalha baseada em “projeções de cenários”, formuladas a partir de possíveis variações dos indicadores de criminalidade. A análise criminal estratégica inclui a realização de estudos e respectiva elaboração de planos para a identificação e aquisição de recursos futuramente necessários para a gestão policial.

Também pode ser considerado que esse tipo de análise está voltada para a formulação de estratégias operacionais na busca de soluções para problemas gerais de natureza corrente. Assim, através dela se produzirão informações para a alocação dos recursos institucionais na atividade fim, incluindo a configuração das áreas físicas de atividade policial, bem como os dias, horários e formas de emprego da força policial. Também buscará identificar atividades criminais correntes, fora do seu padrão comum de ocorrência, a exemplo, com freqüência superior aos valores usuais e/ou consumadas em tempos diversos da sua distribuição sazonal regular.

A análise estratégica identifica condições anômalas na segurança pública, possibilitando um redimensionamento da prestação dos serviços policiais, otimizando assim sua efetividade, eficácia e eficiência. Tais atributos ficam manifestos na redução ou supressão de problemas crônicos, podendo eventualmente contribuir para isso a implementação de políticas comunitárias e de resolução de problemas na gestão da segurança pública.

A gestão policial, ao adotar a filosofia do policiamento comunitário, muda sua atividade clássica, tradicionalmente reativa e focada no chamado "combate ao crime". Conforme o novo paradigma, comunidade e polícia passam a interagir, gerando conhecimento para a busca de soluções para uma extensa gama de problemas de segurança pública. Entre tais problemas estará não só o "controle" do crime e da violência (em contraposição ao antigo conceito de "combate ao crime"), mas também a neutralização da "sensação de insegurança" trazida pelo medo do crime e da desordem.

A “ATIVIDADE POLICIAL GUIADA PELA INTELIGÊNCIA”

A “atividade policial guiada pela inteligência” é um modelo de atividade policial em que a inteligência serve como guia para realização de atividades policiais, em lugar do reverso disso. O conceito é inovador, e de certa forma radical, já que está baseado na moderna premissa da gestão policial de que a principal tarefa da polícia é prevenir e detectar a criminalidade, em lugar de apenas reagir às ocorrências deste fenômeno social.

A gestão policial, no mundo inteiro, vem lidando com óbices a cada dia maiores. O velho “fazer” da atividade policial, modernamente enfrenta situações em que forças econômicas, sociais e políticas produzem efeitos que permeiam todas as atividades humanas. Se considerarmos como fato positivo para o entendimento da criminalidade pela gestão policial a noção de que a motivação fundamental da delinqüência continua sendo o velho conceito da ambição, o mesmo já não acontece em relação aos recursos e oportunidades dos criminosos. Os recursos e oportunidades da criminalidade aumentaram exponencialmente, bem como o tamanho dos ganhos potenciais da delinqüência. A atividade policial precisa hoje lidar com modalidades do fenômeno da criminalidade que seriam irreconhecíveis por policiais da geração anterior. Some-se a isso o fato de que a gestão policial é cada vez mais tensionada por uma situação econômica em que os recursos de gestão são cada vez mais escassos.

O velho padrão de gestão reativa, conforme aponta a atual situação caótica da segurança pública brasileira, já não é mais viável. Também já não são mais tão aplicáveis velhos modelos de percepção do fenômeno da criminalidade e do comportamento criminal. A moderna gestão da inteligência policial, enquanto força propulsora dessa atividade essencial, pode ser um fator chave para a sobrevivência das atuais instituições policiais do Brasil.

Qualquer que seja o modelo específico de “atividade policial guiada pela inteligência”, tal paradigma de gestão demandará forte comprometimento institucional, capaz de superar velhas práticas e preconceitos. Seus gestores deverão estar preparados para distanciarem-se de velhos métodos e técnicas; terão de acreditar firmemente que as operações policiais podem, e devem, ser guiadas pela atividade de inteligência; terão ainda que pautar como princípio a ação, e não a reação, numa virada histórica em relação ao antigo paradigma reativo. Deverão, enfim, acreditar no processo de produção de conhecimento que a inteligência policial enseja, confiando em suas avaliações e recomendações. Tudo isso é bastante difícil e, de certa forma, doloroso, considerando que implica mudar.

(*) Doutor pela "The George Washington University" de Washington, D.C., EUA. Major (Reformado) da Polícia Militar do Distrito Federal/Brasil. Consultor em assuntos de segurança pública do Ministério da Justiça, Câmara Federal de Deputados e Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal. É também instruto das disciplinas de sociologia do crime, criminologia e análise criminal da Escola de Governo do Distrito Federal.

(*)Dr. George Felipe de Lima Dantas - Consultor em Segurança Pública
Doutor pela "The George Washington University" de Washington, D.C., EUA. Major (Reformado) da Polícia Militar do Distrito Federal/Brasil. Consultor em assuntos de segurança pública do Ministério da Justiça, Câmara Federal de Deputados e Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal. É também instrutor das disciplinas de sociologia do crime, criminologia e análise criminal da Escola de Governo do Distrito Federal.
Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Segurança Pública e Defesa Social da UPIS — Faculdades Integradas de Brasília, Distrito Federal. (061) 363-3618/384 - 1767/99579123

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