sexta-feira, 14 de outubro de 2011

TERRORISMO: Textos e artigos compilados

TERRORISMO SUICIDA

O termo Assassino procede, como se sabe, do árabe Haxaxim - Literalmente fumador ou comedor de haxixe, uma variedade de maconha. Por volta do século XI de nossa era, ao tempo das Cruzadas pela reconquista da Terra Santa, uma seita do ramo xiita, os Ismailitas, liderada por um líder fanático, Hasan Ibn-Sabah, inaugurou através de métodos de conspiração secreta a prática de eliminar inimigos pelo assassinato suicida. A seita prosperou durante dois séculos, matando inclusive um Sultão turco. Ela foi liquidada durante as invasões mongóis, que também destruíram a antiga cidade de Bagdad, mas deixou uma lembrança tenebrosa cujas conseqüências estamos assistindo em nossos dias.

Esporadicamente no correr da história, têm ocorrido episódios similares por motivações de natureza política e ou religiosa (as duas coisas nunca são bem distintas no mundo islâmico). Os anarquistas do século XIX arriscavam freqüentemente a vida em seus homicídios de importantes estadistas. Entretanto, o fenômeno do ataque suicida metódico como tática de combate só se registrou, com certa consistência, em Okinawá,a última batalha da IIª Guerra Mundial. O desembarque nessa ilhmeridional do arquipélago nipônico foi a mais custosa operação do exército americano no conflito, na verdade a batalha mais sangrenta de toda a história militar dos EEUU. Perderam doze mil homens, inclusive o comandante do exército na operação, general Buckner – e também muitos navios de grande porte, afundados pelos kamikase, pilotos que se atiravam com seus aparelhos sobre as belonaves inimigas. No desespero da derrota final que se aproximava, os japoneses construíram um tipo especial de avião destinado a operações desse tipo. Bem mais de cem mil civis, além de praticamente todos os combatentes e seus comandantes igualmente se suicidaram. Sabe-se que a decisão, pelo Presidente Truman, delançar as duas bombas nucleares sobre o Japão resultou, em grande parte, da constatação que as perdas de suas forças iriam ser consideráveis se invadissem a ilha principal: o Japão preparava-se para um suicídio coletivo que poderia carregar com meio milhão de americanos e muitos milhões de japoneses. Para dar outro exemplo, os nazistas, que não tinham a mesma compunção moral e estavam dispostos, eles próprios, a seguir seu Führer num Götterdämmerung suicida, como ocorreu em 1945, usaram de métodos ilícitos de repressão e terrorismo coletivo, aos ataques esporádicos da “Resistência” nos territórios ocupados.

As represálias eram tão sangrentas e generalizadas que serviam de dissuasão a gente de algum bom senso. O uso do ataque terrorista suicida constitui assim uma horrenda inovação introduzida pelo fanatismo do extremismo fundamentalista, contra a qual não parece haver uma forma lógica de revide. Bin Laden e seus subordinados demonstraram, na verdade, uma capacidade genial de imaginação em seu ataque contra Nova York. Se houve lapso nos dispositivos de segurança do governo americano, era praticamente impossível prever o golpe como foi dado. O problema é que essa forma niilista de guerra contraria a famosa definição de Clausewitz: o atacante está disposto não só a matar-se, com um fim político a ser alcançado por outros meios, mas a eliminar a própria causa pela qual combate. O assassino desafia a vontade bélica do inimigo no uso de métodos que não levam em conta o custo x benefício. O que estou querendo demonstrar é que o terrorismo suicida não pode conduzir a nenhum objetivo político racional, na medida exata em que, não sendo convencional, não obedece a qualquer “regra do jogo”. É evidente que tanto os americanos quanto os israelenses dispõem de meios de eliminar, arrasar radicalmente o fundamentalismo assassino, se não fossem inibidos por considerações que levam em conta o julgamento moral da opinião pública, local e universal. Calcula-se que a base “secreta” de Dimona, no Negev, já teria Manufaturado 200 bombas atômicas e toda capital árabe, assim como Meca e Medina, são alvos vulneráveis, reféns de qualquer tentativa de “solução final”.

Acredito que a gravidade da questão resulta do fato que os fanáticos parecem criar uma situação em que todo o Islam - essencialmente uma religião emocional, primária, niilista e desprovida de teologia, que coloca o destino cego, kismet, como ultima ratio - se veria comprometido numa conflagração de âmbito mundial e total, em que suas próprias elites moderadas seriam forçadas a escolher entre a sobrevivência num mundo global de tolerância mútua ou o desaparecimento. Nele não há mais lugar para qualquer ideologia totalitária de “solução final”. É lamentável que tanto os socialistas espanhóis e o Secretário do Exterior britânico, Mr. Shaw, como grande parte da opinião européia, contaminada pela covardia, não se dêem conta disso.

"Uma doença social percorre a Terra, contaminando as nações com a pestilência da morte. O terror colhe sua safra sinistra em todas as partes do planeta".

Este é o início de um dos muitos editoriais de jornais publicados nos últimos tempos sobre o terrorismo no mundo. As nações assistem perplexas ao aumento quase inacreditável desse tipo de violência que com carros-bombas, cartas-bombas e até homens-bombas, dilacera cidadãos e abala governos, em nome de causas religiosas, políticas, econômicas, sociais, étnicas…

O jornalista Luis Carlos Lisboa resumiu desta forma (muito apropriadamente) a sua visão do fenômeno: "Entre os horrores de um final de século apocalíptico, que incluem a corrupção moral generalizada e a indiferença diante da pobreza absoluta, surge da sombra o terrorismo para mostrar ao mundo o lado mais cruel do homem."

O terrorismo é um fenômeno típico do século XX. Crimes e guerras sempre existiram na história conhecida da humanidade, mas os atos terroristas, que em violência podem ser situados entre esses dois, é uma característica do nosso século.

É verdade que em séculos passados houve atentados contra autoridades e órgãos públicos, mas estes quase sempre resultaram da ação deliberada de uma pessoa ou no máximo de um grupo formando um complô, montado exclusivamente com aquele objetivo e que após consumado o atentado se dissolvia.

O terrorismo é diferente. Trata-se de grupos organizados que agem sob uma bandeira qualquer, sempre com o objetivo de destruir. Todos os membros desses grupos estão absolutamente convencidos da nobreza de suas causas e da justeza de suas ações. Na correta análise do jornalista francês Gilles Lapouge, "esses assassinos cegos consideram-se santos, heróis, pessoas sacrificadas, que hoje provocam a desgraça com o objetivo de preparar a felicidade do amanhã".

O termo "terrorismo" apareceu pela primeira vez em 1798, no Suplemento do Dicionário da Academia Francesa. Referia-se ao regime de terror em que a França mergulhou entre setembro de 1793 e julho de 1794. Alguns historiadores denominam também de terrorismo a onda anarquista que grassou na Europa em fins do século XIX.

Os primeiros atos terroristas com as características que hoje conhecemos apareceram em 1912, quando um grupo de macedônios, hostis à Turquia, começou a colocar bombas nos trens internacionais. Por essa época, no início do século, os dicionários ainda traziam uma singela explicação para o termo terrorista: "Pessoa que espalha boatos assustadores; que prediz catástrofes ou acontecimentos funestos; pessimista".

Como veremos mais à frente, daquela época até os nossos dias, o número de organizações terroristas e suas ações aumentaram em progressão geométrica, a tal ponto, que hoje é raro passar uma semana ou mesmo alguns dias sem o registro de uma ação terrorista de porte em alguma parte do mundo. Em 1970 foram registrados 300 atentados terroristas no mundo, em 1975 foram 349 e em 1980 foram 500 atentados.

O comum hoje, e que já está se tornando normal, é a ocorrência de várias ações terroristas simultâneas. Um outro extrato do editorial jornalístico mencionado no início deste tópico dá uma imagem clara da situação em que vive o mundo atualmente: "Em uma só rodada, um suicida explode um ônibus em Tel-Aviv; um trem vai pelos ares em Paris; um carro-bomba mata perto de Argel; bactérias de antraz foram espalhados pelas ruas de Tóquio; no Peru uma mina detona sob um caminhão; na Índia é uma motocicleta carregada de explosivos; na Colômbia um ataque a dinamite. (…) O contágio é universal. Diferenças entre chechenos e russos são resolvidas num país báltico. A virtual guerra civil argelina traslada-se para Paris. Um desequilibrado de Michigan mata em Oklahoma para se vingar de algo ocorrido no Texas. O ódio anti-semita explode em Buenos Aires. O vingativo fundamentalismo egípcio faz ninho onde Paraguai, Argentina e Brasil confluem."

Esta sinopse pode ser complementada com o extrato do editorial a seguir, publicado num periódico logo após um novo ataque suicida do grupo extremista Hamas ("Fervor") em Israel: "Da Argentina à Espanha, dos Estados Unidos ao Japão, nenhum país pode considerar-se a salvo desse inimigo [o terrorismo] que se move nas sombras, escolhe suas vítimas ao acaso e já está, na avaliação de especialistas, na iminência de ter acesso aos recursos da energia nuclear, com seu poder apocalíptico de destruição."

Que o terrorismo, hoje, já atingiu o mundo todo, demonstram as notícias sobre a explosão de cartas-bomba e carros-bomba em países tão diferentes entre si como: Suíça e Albânia, Inglaterra e Paquistão, Áustria e Etiópia, Espanha e Sri Lanka.

O chamado "terrorismo de estado" é algo à parte. Pois nesse caso a violência dos governantes em relação à população se estende geralmente durante vários anos, às vezes por décadas, e as vítimas são contadas em dezenas de milhões. Seria mais apropriado denominar esses acontecimentos de genocídios ou guerras civis abertas, invariavelmente desencadeadas "em nome do estado", "da segurança nacional", "contra anti-revolucionários", "contra subversivos", etc. Em todos os casos a motivação é política (veja alguns exemplos no tópico Política).

Mas voltemos à história do surgimento do terrorismo, que vai crescendo em nosso século no mesmo ritmo em que os anos se vão transformando em décadas.

Em seqüência às ações dos terroristas macedônios de 1912, o mundo conhecia a primeira das últimas três guerras mundiais que assolariam a humanidade antes de se ter consumado o Juízo. Após a Primeira Guerra Mundial, algumas nações começaram a ajudar grupos revolucionários de outros países. A Itália e a Hungria, por exemplo, apoiaram nessa época os revolucionários croatas. Em 1920, um dos expoentes da revolução russa, Leon Trotski, preconizava que o terror era a "continuação natural da insurreição armada", e que a intimidação era o "mais poderoso meio de ação política”.

Depois da Segunda Guerra Mundial, particularmente a partir dos anos 60, o financiamento estrangeiro ao terrorismo tornou-se regra. União Soviética, Argélia e Líbia, entre outros, fomentaram o terrorismo no mundo, o qual, a partir dessa época fazia o "trabalho sujo" da política internacional.

A década de 70 foi a época do apogeu das grandes organizações terroristas de cunho eminentemente político, como as "Brigadas Vermelhas" na Itália, a "Ação Direta" na França, o "Baader Meinhof" na Alemanha. Seqüestros e grandes atentados à bomba foram a marca registrada desses grupos.

Nas décadas de 80 e 90 o terrorismo se disseminou em inúmeras organizações espalhadas pelo mundo, todas elas tendo como objetivo último a destruição. No próprio Oriente Médio, que sempre esteve mergulhado em violência e sangue desde o final da Segunda Guerra, os atos terroristas eram acontecimentos esporádicos durante as décadas de 50 e 60; porém, a partir da década de 80 o terrorismo se espalhou na região como um câncer incontrolável, atingindo tanto o bloco muçulmano como o israelita.

Há hoje várias dezenas, talvez centenas de grupos terroristas atuando em todos os cantos do planeta. Algumas dessas organizações ostentam nomes absurdos, incríveis mesmo, quando comparados às suas formas de ação e seus objetivos: Grupo Antiterrorista de Libertação (Espanha – anos 80), Partidários do Direito e da Liberdade (França – anos 80), Grupo da Justiça Internacional (Egito – 1995), Hezbollah — Partido de Deus (Israel – anos 80 e 90). Há também nomes esdrúxulos, como: Tigres da Libertação Tâmil, Células do Mártir Engenheiro, Frente Tigre de Libertação da Bodolândia.

Nos anos 90 a tônica dos atentados terroristas são os carros-bombas e os "mártires" suicidas, que com explosivos presos a seus corpos procuram causar o maior número possível de mortes e destruição, geralmente em locais com grande concentração de pessoas, como a saída de uma escola, um ônibus lotado, etc. Na França, chegou-se ao ponto de proibir os pais de acompanhar seus filhos até dentro das escolas, pois terroristas poderiam infiltrar-se entre eles e provocar uma tragédia. Em agosto de 95, a polícia francesa conseguiu desativar uma bomba que se verificou posteriormente estar cheias de parafusos e pregos, o que demonstrava a intenção de causar o maior número possível de vítimas fatais ou de feridos.

A Europa, aliás, é o campo preferido da atuação do terrorismo mundial. De acordo com o cômputo do Jane's Word Insurgency Terrorism, em 1996 houve 121 ações terroristas no continente europeu.

Mas as novidades no campo do terror não se restringem apenas à explosão de "idealistas kamikazes". Já há, pois, quem alerte contra possíveis atentados com armas nucleares e sabotagens cibernéticas. Em relação à primeira possibilidade, só podemos acrescentar que é cada vez maior o número de apreensões em vários países de material radioativo roubado (veja os últimos casos registrados no tópico Conflitos Bélicos). O general russo Alexander Lebed alertou o mundo que seu país produziu armas atômicas portáteis durante a guerra fria, chamadas de "maletas nucleares"; ele não tem certeza se todas elas estão sob controle do governo da Rússia, e manifestou preocupação ante a possibilidade de os cientistas que as construíram venderem seus conhecimentos para grupos terroristas.

Quanto à segunda possibilidade, só há conjecturas por enquanto. Imagina-se, por exemplo, que podem ser criadas armas de rádio-freqüência de alta energia, capazes de inutilizar um alvo eletrônico qualquer, como cabines de aviões ou controles de tanques e mísseis. "Bombas lógicas" poderiam paralisar os mercados financeiros e destruir os registros de transações... Ficção? Utopia? Todos nós esperamos que sim. Contudo, já vimos até aqui exemplos bastante concretos do que a índole do ser humano é capaz de realizar...

Sempre que uma tragédia humana atinge proporções inesperadas, os governos dos países se reúnem para tratar do assunto e tomar deliberações. Com o terrorismo não é diferente. Em março de 1996 teve lugar no Egito a "Conferência Internacional dos Pacificadores", reunindo 27 países. As resoluções da conferência, resumindo, foram: "repúdio ao terrorismo", "apoio às iniciativas de paz", "criação de uma comissão para preparar recomendações sobre a melhor maneira de por em prática as decisões tomadas". Um resultado tão pífio que mostra claramente, mais uma vez, a incapacidade de a humanidade se defender com êxito dos seus maus efeitos retroativos.

E acompanhando durante certo tempo as notícias sobre esse efeito retroativo tão sanguinário, pude constatar que a repercussão de um atentado depende mais do local onde ele é praticado do que dos danos que causa. A desativação de três bombas colocadas por terroristas argelinos em Paris teve muito mais espaço na mídia do que a notícia da explosão de um caminhão-bomba no Sri Lanka, que matou cerca de 500 pessoas segundo informações do governo local. A explosão de um carro-bomba na Croácia abalada pela guerra sequer foi noticiada pelos jornais.

Isso mostra duas coisas. Primeiro, que a violência terrorista praticada em regiões menos conhecidas do planeta é considerada como algo absolutamente corriqueiro, natural, típico dessas regiões ou de nossa época, não causando mais a menor comoção. Em algumas décadas passadas um desses atentados teria sido noticiado nas primeiras páginas dos jornais, seguidos de comentários indignados e cheios de perplexidade; hoje, quando muito, aparece perdido num canto de página, juntamente com outras notícias internacionais "comuns", como furacões e terremotos. Em segundo lugar, o desejo das pessoas de não querer ver ou de não querer saber sobre o aumento das tragédias em nosso tempo, reflete-se, muito naturalmente, na forma e disposição das notícias veiculadas pela imprensa. Em razão disso, essas notícias também não mostram a realidade dos fatos. Por isso, pode-se afirmar com segurança que, apesar de todo o horror mostrado pelas notícias sobre atentados terroristas, a situação real no mundo é muito pior.

A título de ilustração, indica-se abaixo os dados coletados de notícias efetivamente veiculadas pelos jornais durante um período de oito meses, abrangendo as ações terroristas de grande porte no mundo:
Atentado a gás: 1Atentados com cartas-bombas e pacotes-bombas: 3. Explosões detonadas por terroristas suicidas: 6. Atentados praticados com armas de fogo: 10. Explosões de bombas programadas: 18. Atentados com carros-bombas: 24TOTAL: 62

Países atingidos: 25. A maior parte dos atentados terroristas dos últimos anos foram praticados com carros-bombas ou caminhões-bombas, detonados por controle remoto, e também através de motoristas suicidas, como foi o atentado contra a força multinacional estacionada em Beirute em 1983 — o pior até hoje registrado (março de 1997) — onde morreram 241 americanos e 58 franceses. As embaixadas americanas nessa região do mundo são hoje verdadeiras fortalezas, com portas de aço de 30 cm de espessura e vidros à prova de bala.

Os atentados suicidas praticados com carros, e também aqueles onde o terrorista explode bombas presas em seu próprio corpo são, em sua quase totalidade, praticados por fanáticos religiosos. Esses extremistas acreditam estar participando de uma "guerra santa", e assim nada mais fazem senão executar uma determinação divina quando exterminam os infiéis, isto é, todos os que não professam a mesma crença. Um dirigente religioso egípcio chegou a afirmar: "Aqueles que não se engajam na violência em nome [da doutrina] não são [fiéis] e não representam [a doutrina], são criminosos que devem ser punidos."

Os extremistas muçulmanos que praticam atentados suicidas acreditam que suas ações lhes garantem o direito de ingressar no Paraíso, onde terão dezenas de virgens à sua disposição para satisfazê-los sexualmente. Também lhes é assegurado que suas famílias farão jus a vagas reservadas no Paraíso… Talvez seja por isso que a família de um terrorista suicida colocou na entrada da casa, para recepcionar as pessoas que foram oferecer condolências, pequenos cartazes com os dizeres: "Não aceitamos pêsames, e sim congratulações."

Na Argélia, o Grupo Islâmico Armado (GIA) — ala radical da insurreição islâmica especializada em terrorismo urbano — invoca a prática do Mut'a (casamento temporário), para abordar as famílias e exigir suas filhas. Às vezes, quando não as consegue, o grupo corta a garganta das moças em represália. Em seis anos, as ações terroristas do GIA deixaram o país mergulhado na guerra civil, com mais de 65 mil mortes. Os terroristas chegaram ao requinte de criar uma máquina de degolar: uma espécie de guilhotina rudimentar, transportada em caminhão e utilizada inclusive em mulheres e crianças. Em alguns casos, as mulheres têm o couro cabeludo arrancado e o ventre aberto a facadas antes de serem degoladas… Os ativistas do GIA degolam suas vítimas para que elas não possam gritar o nome de Alá, pois assim acreditam que elas ficarão impedidas de ingressar no Paraíso.

Todas as formas de ódio alimentadas continuamente pelos povos da região ajudam a manter o terrorismo sempre atuante. No mundo palestino, as letras de rock do grupo Hamas, incentivando à guerra santa e aos ataques suicidas contra os israelenses, vendem mais do que qualquer outro gênero nas lojas de disco. No Egito, mulheres muçulmanas que se convertem ao cristianismo são violentadas e os homens assassinados. O assassino do presidente egípcio Anuar Sadat foi homenageado com um selo postal e nome de rua no Irã.

Mas a insanidade religiosa, é bom esclarecer, utilizada como justificativa para atos terroristas, não é exclusividade de extremistas muçulmanos. Um rabino ultra-ortodoxo, assassinado em 1990 em Nova York, costumava ensinar a seus alunos que "a violência de judeus contra não judeus é sagrada…"

Em fevereiro de 1994, o extremista judeu Baruch Goldstein entrou na mesquita da cidade de Hebron, onde uma multidão de fiéis árabes estava reunida para a oração da sexta-feira, e disparou diversas rajadas de fuzil, matando 29 pessoas e deixando 125 feridas, antes de ser morto pelos sobreviventes. No túmulo desse terrorista sanguinário está escrito: "O santo Dr. Baruch Goldstein, morto quando santificava o nome de Deus". Sobre esse túmulo, um grupo de judeus radicais construiu uma espécie de templo.

Logo após o assassinato do primeiro ministro de Israel, Yitzhak Rabin, por um terrorista judeu em novembro de 1995, apareceram nos noticiários televisivos cenas inconcebíveis: extremistas judeus de um lado e extremistas árabes de outro festejando com o mesmo ardor aquele assassinato. Ambos os grupos estavam satisfeitos por poderem continuar com a sua justa "guerra santa". O jornalista Issa Goraieb comentou desta forma o espetáculo dantesco: "Os ‘ultras’ judeus e os ‘ultras’ muçulmanos celebrando com a mesma alegria o trágico acontecimento. (…) Os loucos de Jeová revelando-se aliados objetivos dos loucos de Alá, já que uns e outros se opõem violentamente a uma paz de compromisso e desejam perpetuar uma guerra que chamam de ‘santa’, convencidos de que ela é comandada de fato pelo Criador."

Mais alguns exemplos do grau de demência que os grupos terroristas lograram atingir: Depois um atentado suicida duplo num mercado de Jerusalém, a organização extremista Hamas expediu o seguinte comunicado: "Em nome e com a benção de Deus, a Unidade de Mártires das Brigadas do Qassam para libertação de prisioneiros declara sua responsabilidade pela operação de martírio em Jerusalém." Numa outra ocasião, depois que seu principal fabricante de bombas foi morto, a mesma organização divulgou um vídeo em que um de seus líderes afirmava: "Pelo mérito de nossa guerra santa e dos combatentes sagrados em nossas fileiras, levaremos tristeza e horror ao coração e à casa de todo sionista." Numa entrevista concedida a um jornal francês, um dos líderes do GIA afirmou que era irrelevante o fato de mulheres e crianças estarem sendo assassinadas pelo grupo na Argélia, pois segundo ele "Alá reconhece imediatamente os inocentes". Num outro comunicado, o GIA declarou: "Nós somos o grupo que mata, trucida, queima e pilha com a permissão de Deus."

Constata-se de forma muito nítida que na década de 90 o terrorismo político foi sobrepujado pelo religioso. A diferença agora é que os crimes são cometidos sob a invocação do Criador, assim como já ocorrera na época da Inquisição. Esta circunstância bizarra não escapa ao questionamento de muitos, que não encontram resposta para uma tal inversão de conceitos e valores. Em novembro de 1995, o jornalista francês Gilles Lapouge perguntava perplexo: "Por qual aberração, sob o peso de qual fatalidade, as religiões do amor se transformam nesse formidável instrumento de assassinato, de negação do outro, de desprezo e ódio?"

A resposta para isso, assim como para todos os outros flagelos que castigam a humanidade nesse final de século é, como já foi dito, o efeito das irradiações julgadoras do Juízo Final que, ao forçar a exteriorização de tudo, de todo o mal, retribui a cada nação, a cada povo e a cada ser humano em particular, aquilo que foi gerado outrora. Quem em outras vidas provocou sofrimento, morte e destruição, não pode esperar nada de diferente agora, na época do acerto final de contas.

Não é possível descrever todo o horror que o terrorismo já proporcionou ao mundo neste nosso século. Uma breve sinopse de alguns fatos mais relevantes, porém, servem para dar uma idéia do ponto a que já chegou essa materialização do ódio humano:
·         Uma estatística demonstra que houve apenas um grande atentado no século XIX nos Estados Unidos, quando em 4 de maio de 1886 um grupo de anarquistas fez explodir uma bomba durante uma passeata de sindicalistas em Chicago, matando 11 pessoas e ferindo mais de cem. Já na segunda metade do século XX os atos terroristas foram se sucedendo ininterruptamente ao longo das décadas, e somente no período compreendido de 1989 a 1993 o FBI qualificou 32 atentados como sendo produtos do terrorismo em solo americano.
·         Nos Estados Unidos, um terrorista desconhecido enviou cartas-bombas pelo correio desde 1978, na tentativa de combater a "revolução industrial". Até agosto de 1995 ele já havia matado 3 pessoas e ferido outras 23.
·         Em 15 anos de atividades, o grupo terrorista peruano "Sendero Luminoso" provocou 25 mil mortes e danos de mais de 22 bilhões de dólares.
·         Em 1986, um terrorista árabe explodiu o Boeing em que viajava, matando 166 pessoas.
·         Em dezembro de 1988, uma bomba fez um avião explodir sobre a cidade escocesa de Lockerbie, matando 270 pessoas. O atentado foi atribuído a terroristas líbios.
·         Em julho de 1994, um carro-bomba destruiu o prédio de uma entidade israelita na Argentina, matando 98 pessoas.
·         Nos Estados Unidos, no ano de 1994, a Ku Klux Klan, uma das 17 mil organizações racistas atuantes no país, cometeu 18 assassinatos, 146 agressões, 228 atos de vandalismo e provocou 12 incêndios.
·         Em março de 1995, uma seita apocalíptica japonesa, intitulada "Ensino da Verdade Suprema" cometeu um atentado com gás venenoso no metrô de Tóquio, matando 12 pessoas e intoxicando cerca de cinco mil.
·         Em abril de 1995, um grupo terrorista americano de extrema direita destruiu com um carro-bomba um prédio federal na cidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, matando 168 pessoas e ferindo 460. O especialista em terrorismo, Laird Wilcox, declarou: "O estado geral das pessoas que costumam refletir sobre a realidade do país é de estarrecimento e confusão mental."
·         Mais de cem pessoas morreram em vários ataques suicidas em Israel, desde setembro de 1993, com explosões dentro de ônibus. Testemunhas falaram de cabeças e membros voando pelas janelas dos coletivos. Uma dessas explosões foi tão poderosa que restos humanos foram encontrados nos andares superiores de edifícios das redondezas. O Hamas prometeu suspender as ações contra Israel se o governo daquele país "parasse com o terrorismo contra o grupo".
·         Em setembro de 1995, as "Forças de Libertação do Calistão" explodiram duas bombas na Índia, ferindo 50 pessoas, com o objetivo manifesto de "por um fim às atrocidades cometidas pelas autoridades contra a minoria sikh".
·         De janeiro a julho de 1995 a Colômbia registrou 592 seqüestros, repartidos entre quatro organizações terroristas que atuam no país. Em dezembro de 1996, 600 municípios do país, de um total de 1024, haviam registrados ações terroristas, contra 173 municípios nesta situação em 1985.
·         Nos meses de setembro e outubro de 1995 a França sofreu seis atentados terroristas, um por semana.
·         Em janeiro de 1996, a explosão de uma bomba no prédio do Banco Central do Sri Lanka matou cem pessoas.
·         Em março de 1997, dois terroristas suicidas, cada qual transportando 10 quilos de TNT misturados com pregos, explodiram seus corpos num mercado de Jerusalém, matando 13 pessoas e ferindo 170. (De acordo com especialistas em explosivos, 100 gramas de TNT são suficientes para provocar a ruptura de uma tonelada de rocha).
·         Em abril de 1997, num massacre de 31 civis na Argélia, três mulheres grávidas tiveram o ventre aberto e os fetos arrancados.
·         Em agosto de 1997, na Argélia, entre 100 e 300 pessoas foram degoladas ou queimadas vivas pelo GIA.
·         Em setembro de 1997, um atentado suicida triplo matou quatro pessoas e feriu 192 em Jerusalém. Uma testemunha conta que a medula espinhal de um dos terroristas entrou dentro da sua loja e a cabeça parou diante da porta de entrada. Ainda em setembro, 252 pessoas foram degoladas ou executadas a tiros pelo GIA. Um repórter da agência France Presse descreveu dessa forma o local da tragédia: "É um cenário de horror. Corpos de adultos e crianças mutilados e carbonizados, casas fumegando... " O primeiro ataque ocorreu um dia depois de o chefe do governo argelino ter ocupado a televisão para anunciar que "o terrorismo residual estava praticamente extinto." Uma sobrevivente do segundo ataque contou que os terroristas jogavam bebês dos terraços das casas e os despedaçavam com machadadas. O mês terminou com os terroristas degolando 11 professoras de uma escola rural diante dos olhares apavorados dos alunos. Os que conseguiram escapar disseram que durante a ação os extremistas gritavam: "Sangue! Sangue! Destruição! Destruição!"
·         Em outubro de 1997, uma bomba matou 15 pessoas no Sri Lanka e feriu pelo menos 110, no que foi considerado "um dos mas graves episódios de violência nos 14 anos de guerra étnica."
·         Em novembro de 1997, um ataque de integristas islâmicos a um grupo de turistas no Egito deixou um saldo de 57 mortos. Uma sobrevivente disse que os terroristas dançavam entre os cadáveres gritando: "Alá! Alá!" O Ministro do Turismo, procurando minimizar o acontecimento declarou o seguinte: "É um fato da vida que estejamos num mundo violento."
·         O ano de 1998 começou com algumas centenas de argelinos queimados vivos e 117 degolados em mais dois ataques do GIA em janeiro.

"Estamos provavelmente à beira de um novo período da História. O maior trabalho dos governos ocidentais, nos próximos anos, deverá ser a luta sem piedade contra todas as formas imagináveis de terrorismo. Se perderem essa luta, nossa civilização corre o risco de sofrer ferimentos irreparáveis."

Esse desabafo de Gilles Lapouge, quase sem esperança, é compreensível em vista da situação caótica provocada pelo terrorismo no mundo. A solução, contudo, não está nas mãos dos homens. Nenhuma autoridade constituída tem o poder de eliminar essa doença do século XX, pois ela faz parte do processo de fermentação e depuração por que atravessa a humanidade. Como produto das trevas, o terrorismo só pode atingir as próprias trevas. Essas, porém, não poderão subsistir ao Juízo Final, apenas continuarão agindo ainda durante certo tempo, até se destruírem mutuamente de forma total. Mas, nessa ação de auto-aniquilamento, as trevas se comportam na verdade como instrumentos da Luz. Elas são obrigadas a servir a Luz durante o Juízo Final, ao terem de colaborar de forma ativa, compulsoriamente, para a limpeza na Criação.

Notas de Texto
1. A eclosão da Terceira Guerra Mundial é inevitável, por ser um retorno cármico coletivo da humanidade. Ver, a respeito, O Livro do Juízo Final, de Roselis von Sass.
2. Trotski foi assassinado no México em 1940, a mando de Stalin.
3. Não há menção sobre mortos e feridos por serem muito díspares as informações a respeito. O fundamental é considerar que cada ato terrorista tem o objetivo de causar o maior número possível de danos e vítimas.
4. Os 25 países atingidos naquele período (alguns por várias vezes) foram: Japão, Espanha, Estados Unidos, Peru, Iêmen, Colômbia, Portugal, Israel, França, Argélia, Sri Lanka, Canadá, Finlândia, Geórgia, Índia, Macedônia, Áustria, Arábia Saudita, Croácia, Azerbaijão, Iraque, Angola, Paquistão, Afeganistão e Egito.
5. O terrorista solitário, apelidado de "Unabomber", acabou sendo identificado e preso em 1996.
6. É realmente um escárnio das trevas que a palavra Verdade seja colocada no nome de uma agremiação como esta.

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Terrorismo...

Sempre que ouvimos falar em terrorismo, lembramos logo dos atentados a bomba, dos seqüestros de avião e de outras ações violentas praticadas por extremistas. E pensamos nas vítimas, em geral pessoas inocentes, muitas vezes mulheres e crianças, que apenas estavam no lugar errado na hora errada. O método básico do terrorismo é a destruição da vida humana, em nome de certos princípios ideológicos, políticos ou religiosos.

O terrorismo não surgiu em nosso século, mas seu auge aconteceu durante os anos da Guerra Fria, depois da Segunda Guerra Mundial. Não foi por acaso. A Guerra Fria pode ser descrita como um sistema de equilíbrio entre dois blocos inimigos que se baseava no terror. Afinal, o poder de destruição nuclear dos Estados Unidos e da União Soviética era tão grande que ninguém poderia iniciar uma guerra total. Seria o fim da espécie humana.

Essa mentalidade consagrou o terror como forma de relacionamento entre Estados. Nesse sentido, a chamada "cultura da Guerra Fria" foi o grande estímulo à multiplicação de grupos terroristas.

O que é terrorismo?

Formalmente, terrorismo é o uso da violência sistemática, com objetivos políticos, contra civis ou militares que não estão em operação de guerra. Existem muitas formas de terrorismo. Os terroristas religiosos praticam atentados em nome de Deus; já os mercenários recebem dinheiro por suas ações; os nacionalistas agem movidos por um ideal patriótico. Há ainda os ideólogos, que armam bombas motivados por uma determinada visão de mundo. E, muitas vezes, o que se vê é uma mistura de tudo isso com desespero e ódio.

Por outro lado, houve no século XX o crescimento do terrorismo de Estado, em que é adotada a política de eliminação física de minorias étnicas ou de adversários de um regime. Um exemplo é o regime racista da África do Sul, responsável por ações terroristas contra a maioria negra do país até o fim do apartheid, no início dos anos 90. Na América Latina, as ditaduras militares dos anos 60 e 70 promoveram o terrorismo de Estado contra seus opositores, torturando e matando milhares de pessoas. No Oriente Médio, os palestinos de cidadania israelense e os habitantes dos territórios de Gaza e Cisjordânia foram segregados e sofreram ataques das forças armadas de Israel, entre 1967 e 1993. O terrorismo de extremistas muçulmanos contra judeus de Israel, por sua vez, também aterrorizou e matou pessoas inocentes, principalmente a partir da década de 80.

Muitos historiadores e intelectuais avaliam que as bombas atômicas jogadas pelos Estados Unidos sobre o Japão, em agosto de 45, foram o maior atentado terrorista já praticado até hoje. Mais de 170 mil civis perderam a vida num ataque que não tinha como objetivo vencer a guerra, mas fazer uma demonstração de força para a União Soviética.

Violência e terrorismo

Muitas vezes ouvimos dizer que todo ato de violência é terrorismo, mas isso é força de expressão. Nem sempre um ato de violência é terrorista, mesmo quando a vítima é uma personalidade política. A tentativa de assassinato do presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, em 1981, é um exemplo de violência sem conotação política. O autor dos disparos, John Hinckley Jr., agiu isoladamente, motivado por questões pessoais. Já o assassinato do premiê israelense Yitzhak Rabin por um extremista judeu, em 1995, este sim, foi um ato terrorista.

Hinckley: motivação pessoal

O atentado contra Reagan não teve o objetivo de fazer propaganda política ou ideológica, ao passo que a morte de Rabin fazia parte da estratégia política de uma organização radical. O objetivo era interromper o processo de paz no Oriente Médio. De qualquer modo, atentados contra chefes de Estado fazem parte de uma longa história de práticas terroristas mundo afora.

Terrorismo na era contemporânea

Na era contemporânea, a França conheceu o regime de terror implantado pelos jacobinos de Robespierre a partir de 1793, pouco depois da Revolução Francesa. Quase um século depois, em 1881, o czar Alexandre Segundo, da Rússia, foi assassinado pela organização terrorista "Vontade do Povo". E, no início do século XX, o estopim que deflagrou a Primeira Guerra Mundial foi o atentado contra o arquiduque austro-húngaro Francisco Ferdinando, em 1914. Ele foi morto pelo estudante Gavrilo Prinzip, do grupo terrorista sérvio "Mão Negra".

“Até os anos 20, o terrorismo era um fenômeno no tempo e no espaço, de dimensões relativamente pequenas, transitórias e restritas. Ele começou a ganhar maior abrangência e importância com o surgimento dos regimes totalitários de Josef Stalin e Adolf Hitler”.

“Já no final dos anos 20, Stalin enviava aos campos de concentração centenas de milhares de opositores ao seu regime, sem contar os treze milhões de camponeses executados por resistirem à coletivização de suas terras, entre 1929 e 1932. Na Alemanha dos anos 30, Hitler iniciou a perseguição aos comunistas, judeus, ciganos e outras minorias étnicas. Até o final da Segunda Guerra, em 1945, seriam assassinados seis milhões de seres humanos pela máquina nazista. Os dois regimes de terror tinham algumas características muito semelhantes: o culto à personalidade do dirigente, no caso Stalin e Hitler, e os poderes absolutos da polícia política, no caso a KGB e a GESTAPO."
José Arbex “jornalista”

Terrorismo e poderio nuclear

O desenvolvimento da tecnologia nuclear, a partir do fim da Segunda Guerra, causou uma importante mudança na mentalidade das pessoas, do ponto de vista psicológico e cultural. A morte deixou de ser uma conseqüência natural da vida para se tornar uma questão política. A preservação da espécie humana passou a depender da decisão das superpotências de iniciar ou não um confronto nuclear fatal para o planeta. O mundo dos anos 50 não apresentava perspectivas muito animadoras. Na primeira metade do século, guerras, revoluções e conflitos localizados haviam consumido a vida de pelo menos 150 milhões de pessoas. Além disso, a tragédia atômica em Hiroshima e Nagasaki havia colocado o mundo sob a sombra permanente de um holocausto nuclear.

Guerrilha e terrorismo: vertentes distintas

No final dos anos 50, o êxito da revolução cubana abriu novos horizontes para uma juventude desiludida. A vitória de Fidel Castro, contra uma ditadura corrupta sustentada pelos Estados Unidos, representou para muitos jovens a vitória do idealismo. Militantes de todo o mundo ganharam nova disposição de luta. Muitos jovens optaram pela vida clandestina, que oferece dois caminhos: a guerrilha e o terrorismo. A guerrilha, de um modo geral, realiza ataques contra objetivos militares e alvos estratégicos. Tenta conquistar a simpatia da população para formar seu próprio exército e, eventualmente, tomar o poder. Os grupos terroristas utilizam o método inverso, intimidando pessoas inocentes para alcançar seus objetivos.

Violência política na América Latina

No Brasil, a reação civil ao golpe militar de 64 desencadeou uma luta armada que faria muitas vítimas até o início de abertura política, em 1977. Muitos oposicionistas decidiram-se pela guerra de guerrilha, inspirados na revolução cubana. Um dos líderes mais célebres da luta armada nos anos 60 foi o ex-capitão do Exército Carlos Lamarca, da Vanguarda Popular Revolucionária, morto por soldados no interior da Bahia, em 1971.

Um ano especialmente conturbado foi o de 1968. Ações terroristas sacudiram o país. Grupos de extrema-direita atacaram artistas, lançaram bombas contra entidades civis e intimidaram personalidades de perfil humanista, como o arcebispo Dom Hélder Câmara, que teve sua casa metralhada em Recife, em outubro de 68.

Agentes dos órgãos de segurança e dos serviços de informação das Forças Armadas agiam à margem da lei com prisões arbitrárias, torturas e o assassinato de opositores do regime militar. Em contrapartida, os grupos clandestinos de esquerda financiavam suas atividades com dinheiro obtido em assaltos a banco e furtos de automóveis. E praticavam seqüestros de diplomatas para negociar sua libertação em troca de armas e da soltura de presos políticos.

Uma das ações mais espetaculares foi o seqüestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Elbrick, em setembro de 69. No início da década de 70, seriam seqüestrados também o cônsul do Japão em São Paulo, Nobuo Okuchi, e os embaixadores da Alemanha, Ehrenfried von Holleben, e da Suíça, Giovanni Bücher.

Processos semelhantes ao brasileiro aconteceram em toda a América Latina. No Chile, em 73, um golpe de Estado liderado pelo general Augusto Pinochet depôs o presidente eleito Salvador Allende, inaugurando uma sangrenta ditadura militar. Na Argentina, os militares implantaram a ditadura em 76, dando início a uma "guerra suja" contra os oposicionistas, com um saldo de 30 mil desaparecidos em sete anos.

Anos 60 e 70: desilusão

Em diversos países havia, além da repressão oficial, a tolerância dos regimes autoritários em relação às ações ilegais de grupos paramilitares. Por outro lado, nos anos 70 a atividade dos grupos terroristas atingia seu ponto máximo. Era uma época de questionamento dos valores tradicionais e do "velho modo" de fazer política, nos dois blocos. O escândalo de Watergate, em 72, e a derrota dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, reconhecida em 75, acentuaram a decadência da ordem política internacional.

Na África, a independência havia sido conquistada em diversos países. Inúmeras guerras tribais estimularam o tráfico de armas e a formação de grupos paramilitares. Na Europa, grupos separatistas, como o IRA e a ETA, radicalizavam as formas de luta. E no Oriente Médio o fervor religioso estimulava o surgimento de grupos extremistas.

Extremismo islâmico

Apesar da violência em comum, existem diferenças entre os grupos terroristas. O fundamentalismo islâmico, por exemplo, não tinha caráter terrorista na época em que surgiu. A Irmandade Muçulmana apareceu em 1929, no Egito, com preocupações sociais e propósitos religiosos. Mas a partir dos anos 30 foi perseguida pelo rei Fuad e por seu sucessor, o rei Faruk, favoráveis à dominação britânica. A Irmandade partiu para a radicalização e o terrorismo no início dos anos 50, com a ascensão do líder nacionalista Gamal Abdel Nasser, acusado de defender interesses ocidentais.

A ação mais espetacular da Irmandade Muçulmana foi o assassinato do presidente egípcio Anuar Sadat, em 1981. Sadat foi considerado traidor por ter assinado os acordos de Camp David, em 78, que reconheciam o direito de existência do Estado de Israel.

OLP x Israel

A crise no Oriente Médio também fez surgir, em 1964, a Organização Para a Libertação da Palestina, uma frente reunindo diversos grupos. A OLP, que tinha como base a Al Fatah, facção liderada por Yasser Arafat, foi criada em decorrência de um quadro político cada vez mais conturbado. Os ânimos na região estavam acirrados desde a criação de Israel, em 1948. Com o apoio político, econômico e militar de soviéticos e americanos, Israel promoveu guerras com alguns vizinhos árabes para expandir seu território. Centenas de milhares de palestinos foram expulsos de suas terras. Organizações terroristas judaicas, como a Irgun, a Stern e a Haganah tiveram um papel importante na intimidação da população palestina, chegando a massacrar aldeias inteiras.

O problema palestino era um distúrbio indesejável na Guerra Fria. O Oriente Médio, como quase todo o planeta, estava dividido em esferas de influência das superpotências. Israel e alguns países árabes passaram para a esfera dos Estados Unidos, enquanto outros países árabes ficaram sob influência soviética. A questão palestina não se encaixava bem nesse jogo de equilíbrio.

O isolamento dos palestinos no Ocidente e a hostilidade dos países árabes acabaram fortalecendo a OLP e a opção de grupos radicais pelo terrorismo. Mas nem todos os atos terroristas reivindicados pelos palestinos eram de autoria da OLP.

Terrorismo internacional

Um dos atentados mais violentos aconteceu em setembro de 72, durante os Jogos Olímpicos de Munique, na Alemanha. Nove atletas israelenses foram feitos reféns pela organização palestina "Setembro Negro". Os seqüestradores exigiam a libertação de cem palestinos presos em Israel e dos terroristas internacionais Andreas Baader e Ulrike Meinhoff, da Alemanha, e Kozo Okamoto, do Japão. Forças de segurança alemãs cercaram e mataram os seqüestradores.

Os atletas também foram todos mortos, o que deixou a opinião pública estarrecida. O episódio de Munique preocupou as autoridades, porque ficou evidente o vínculo entre diversas organizações clandestinas internacionais. Esse intercâmbio seria percebido novamente em 1976, com o seqüestro de um Boeing da Air France que fazia um vôo entre Tel Aviv e Paris. O avião, com 242 passageiros e 12 tripulantes, foi levado para Entebe, em Uganda, país africano que vivia sob a ditadura de Idi Amin Dada.

Os seqüestradores diziam pertencer à Frente Popular para a Libertação da Palestina, um dos grupos mais radicais da OLP. Mantendo como reféns somente os 93 passageiros judeus, os terroristas exigiam a libertação de 53 palestinos presos em Israel. O governo israelense ordenou uma operação de resgate, enviando a Uganda uma força de elite. Em menos de 15 minutos os terroristas foram mortos e os reféns, libertados.

Terrorismo na Europa

Outra organização que se especializou em ataques terroristas nos anos 70 foi o Exército Republicano Irlandês, o IRA. Ele foi formado em 1919 por grupos da minoria católica que lutavam pela união da Irlanda do Norte à República da Irlanda.

Na década de 60, os católicos foram às ruas pacificamente, contra leis discriminatórias impostas pela maioria protestante. Aproveitando o clima de insatisfação, um grupo de militantes relançou o IRA, dessa vez com um verniz ideológico marxista. A fase pacífica do movimento terminou num domingo de janeiro de 1972, quando tropas britânicas dispararam suas armas contra os manifestantes, matando 13 pessoas. O incidente, que passou à história como "Domingo Sangrento", desencadeou uma escalada do terrorismo. Durante os anos 70, mais de duas mil pessoas morreram e milhares ficaram feridas em atentados a bomba patrocinados pelo IRA e nos choques de rua entre manifestantes e forças de segurança.

Outros grupos surgiram com fins pacíficos e também foram empurrados para o terror. É o caso da ETA, organização que luta pela autonomia do País Basco em relação à Espanha.

ETA, no idioma basco, são as iniciais de "Pátria Basca e Liberdade". Criada em 1959 para difundir a cultura e os valores tradicionais do povo basco, a ETA foi perseguida pela ditadura de Francisco Franco e entrou para a clandestinidade e o terrorismo em 1966. O atentado mais ousado foi realizado em 73, quando a organização explodiu no centro de Madri o carro em que viajava o primeiro-ministro franquista Luís Carrero Blanco.

Na década de 70 houve também a ação de grupos terroristas sem vínculos com lutas democráticas ou de libertação nacional, como o grupo Baader-Meinhoff, na Alemanha, e as Brigadas Vermelhas, na Itália. Eram organizações formadas por intelectuais e universitários que adotaram a violência em nome de uma genérica "guerra contra a burguesia". Em setembro de 77, o Baader-Meinhoff ganhou as manchetes dos jornais com o seqüestro do industrial Hanss-Martin Schleyer, como pressão pela libertação de presos políticos.

Em março de 78, outra ação espetacular na Europa: o seqüestro do primeiro-ministro italiano Aldo Moro, uma ação audaciosa que surpreendeu o mundo. Moro acabou executado pelos terroristas, apesar dos apelos do Papa e da opinião pública internacional.

Terrorismo xiita

No final dos anos 70, o terrorismo ganhou um novo ingrediente religioso, com a ascensão dos muçulmanos xiitas no Irã, em janeiro de 79. Sob o comando do aiatolá Khomeini, os xiitas derrubaram a ditadura do xá Reza Pahlevi e implantaram um sistema que fugia à lógica dos dois blocos econômicos, liderados por Estados Unidos e União Soviética. A partir da revolução iraniana, foi implantado um sistema de governo guiado por convicções religiosas radicais e inflexíveis. Khomeini inaugurou a chamada "Jihad" em nossos dias, a Guerra Santa contra o Grande Satã, representado pelo mundo não xiita. Daí para a prática do terrorismo foi um passo. O inédito nessa história era o caráter oficial do terror, assumido claramente pelo regime dos aiatolás. A primeira demonstração radical de Khomeini foi em novembro de 79.

Com apoio do governo, estudantes iranianos invadiram a embaixada norte-americana em Teerã, fazendo 66 reféns. Eles queriam a extradição do xá Reza Pahlevi, em tratamento de saúde nos Estados Unidos. Foi o início de uma longa crise entre os dois países. Mesmo com a morte de Pahlevi em julho de 1980, vítima de câncer, os estudantes não desocuparam a embaixada. O impasse prejudicou a campanha de reeleição do presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, que acabou derrotado pelo candidato republicano Ronald Reagan. Foram 444 dias de expectativa. Em 20 de janeiro de 1981, dia da posse do novo presidente dos Estados Unidos, os iranianos finalmente libertaram os reféns norte-americanos. Até hoje são obscuras as condições sob as quais o presidente Reagan negociou o fim da crise.

Além da vitória de Khomeini no Irã, outro elemento viria a fortalecer a causa dos xiitas: a reação à invasão do Afeganistão pelos soviéticos, em dezembro de 79. Os afegãos, em sua maioria de fé muçulmana, sentiram sua religião ameaçada pela presença do exército soviético. Vários grupos guerrilheiros proclamaram uma 'guerra santa' contra o invasor.

Com a revolução no Irã e a resistência dos rebeldes afegãos, a "Jihad" ficou conhecida no Ocidente e ganhou força junto à população muçulmana de todo o mundo. O apelo foi reforçado, em fevereiro de 89, com a sentença de morte proferida por Khomeini contra o escritor anglo-indiano Salman Rushdie, autor do livro "Versos Satânicos", considerado blasfemo pelos aiatolás do Irã. Caçado pelos xiitas, Rushdie passou a viver escondido na Inglaterra, sob proteção da Scotland Yard.

Terrorismo no Líbano

No começo dos anos 80, o Líbano tornou-se palco de inúmeros atentados. Várias facções disputavam o poder apoiadas por países vizinhos, especialmente Síria e Israel. A existência de áreas de refugiados palestinos na capital Beirute aumentava a tensão e o clima de guerra civil. Uma das organizações acusadas com mais freqüência de terrorismo era a OLP. Na tentativa de capturar ou eliminar o líder Yasser Arafat e destruir bases militares palestinas, forças israelenses invadiram o Líbano, em junho de 82. Durante vários dias, a capital libanesa transformou-se num inferno. Milhares de civis foram mortos, entre eles mulheres, velhos e crianças. Os israelenses não encontraram Arafat, mas expulsaram a OLP e deixaram o Líbano em ruínas.

Em setembro de 82, falanges cristãs libanesas, apoiadas por Israel, atacaram os campos de refugiados de Sabra e Chatila, nos arredores de Beirute. Mais de 2.500 civis palestinos e libaneses desarmados foram mortos. O massacre chocou a opinião pública internacional. Foi nesse clima extremamente tenso que se multiplicaram os grupos terroristas no Líbano nos anos 80. A ação terrorista mais famosa dessa época aconteceu em 83, quando dois atentados simultâneos mataram mais de 250 fuzileiros navais americanos e mais de 50 soldados franceses, em Beirute. Mas os xiitas de Khomeini e os militantes de grupos fanáticos, como o Hamas e o Hezbollah, não limitaram seus ataques ao Oriente Médio: em nome da Guerra Santa, eles organizaram vários atentados na Europa e nos Estados Unidos.

Fim da Guerra Fria: o terrorismo reflui

No início dos anos 90, o fim da Guerra Fria e a abertura do diálogo no Oriente Médio e na Irlanda do Norte fizeram o terrorismo refluir um pouco, abrindo mais espaço para a negociação. Um sintoma dessa trégua foi a prisão, em 94, de Carlos, o Chacal, o terrorista mais procurado do mundo.

O venezuelano Ilitch Ramirez Sanchez, nome verdadeiro do Chacal, foi preso em agosto de 94 por agentes do serviço secreto francês. O terrorista, que agia por dinheiro, é acusado da morte de 93 pessoas e de ferimentos em outras duzentas, em 20 anos de atividades. Infelizmente, a prisão de terroristas famosos e até mesmo o término da Guerra Fria não puseram um fim ao terrorismo internacional, que continua transformando a vida de pessoas inocentes num pesadelo, em diversos lugares do mundo.

No Oriente Médio, extremistas matam e ferem para tentar atrapalhar as negociações de paz entre Israel e os palestinos. Na Grã-Bretanha, grupos radicais do IRA também apavoram inocentes, procurando reacender a violência dos anos 70. E aqui e ali, fanáticos religiosos passam dos limites em nome do apocalipse. Talvez a conclusão mais importante a que podemos chegar no final do programa de hoje é a de que o terror gera o terror. Muitas vezes os governos gostam de taxar seus inimigos de terroristas, mas se esquecem de suas próprias responsabilidades. O terror existe e cresce sempre que o diálogo é impossível. E nunca o diálogo foi tão sufocado como no período da Guerra Fria.

O Terrorismo

Sem entrar em uma discussão acadêmica, podemos dizer que o terrorismo é a utilização sistemática da violência imprevisível, contra regimes políticos, povos ou pessoas.

No século XX, o terrorismo foi visto e aprendido por nós como a atitude violenta de grupos com ideologia definida, com um objetivo político traçado, que muitas vezes envolveram questões religiosas ou étnicas.

Do ponto de vista político, organizações de “direita” ou de “esquerda” se utilizaram do terror como prática, no intuito de derrubar governos e chegarem ao poder, e de uma forma geral, assumiram seus atentados como forma de propagar seus ideais. Do ponto de vista religioso, nas últimas décadas se avolumaram atentados de grupos políticos muçulmanos, mas também de grupos políticos cristãos, como o IRA, na Irlanda. No caso da luta étnica destacou-se principalmente o ETA, na Espanha, ou a Ku Klux Klan nos EUA (desde o final do século XIX).

No entanto, apesar de todos terem se utilizado da violência, as motivações são diferentes e devem ser analisadas historicamente de forma individual, a partir de suas características, para podermos compreender os elementos que as engendraram.

A partir de uma visão massificada, considera-se que os árabes estão sempre propensos ao terrorismo. De fato, nas últimas décadas proliferaram os grupos político-religiosos que, no Oriente Médio, adotaram a pratica terrorista como meio de luta. A região é vista como um barril de pólvora, mas qual a razão? É o fato de ser muçulmano ou árabe que determina essa situação?

Na verdade a idéia do “barril de pólvora” aparece após a 1° Guerra Mundial, quando os territórios do Oriente Médio, até então parte do Império Turco, foram colocados sob a “proteção” da Liga das Nações, representando na prática, a dominação inglesa e francesa. A Mesopotâmia, a Palestina e a Jordânia ficaram submetidas à jurisdição inglesa enquanto Síria e Líbano, à jurisdição francesa. Dando continuidade às práticas anteriores a guerra, grandes empresas estrangeiras se instalaram nesses países, interessadas principalmente no petróleo, exerceram forte dominação econômica e política na região, muitas vezes com a colaboração das elites locais, beneficiadas com o ingresso de novos capitais.

Nesse período a Inglaterra já apoiava oficialmente o movimento sionista de colonização de terras na Palestina, sustentado por vários fundos internacionais, destacando-se o Barão de Rottschild, grande banqueiro inglês, de origem judaica.

Após a 2° Guerra Mundial, a situação tendeu a se agravar, principalmente com a criação do Estado de Israel e o desenvolvimento de uma política agressiva por parte de sionistas, amparados pelos EUA.

As pressões imperialistas e sionistas deixaram poucas opções aos povos dominados, levando uma parcela da sociedade a organizar grupos guerrilheiros e a promover o terrorismo.

Por suas conseqüências trágicas e seu grande apelo publicitário, o terrorismo é um dos temas favoritos da mídia. Por esse mesmo motivo a sua abordagem tem sido superficial, reforçando estereótipos e evitando a discussão sobre suas origens ou razões

O terrorismo de Estado

Ao longo da história percebemos que os Estados ou instituições com poder de Estado, se utilizaram do terrorismo. Mais interessante, é perceber como essas instituições de dominação, conseguiram contar com o apoio da maioria da sociedade nesses momentos.

Um dos grandes exemplos da história foi a Inquisição, praticada pela Igreja Católica na Idade Média e início da Idade Moderna. A maioria da população cristã da Europa sempre considerou justa e necessária a perseguição “às bruxas”.

O terror foi utilizado entre 1793 e 94 por Robespierre, líder da Revolução Francesa, como forma de preservar o poder e as conquistas populares e foi defendido por grande parcela da sociedade; foi praticado por Hitler e pelos nazistas contra os judeus, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, com o extermínio em massa de prisioneiros em campos de concentração. O terrorismo de Estado apareceu também com a idéia de limpeza étnica, posta em prática pelo ditador sérvio Milosevic, contra os habitantes da região do Kosovo.

O terror foi (e ainda é) utilizado pelos EUA, destacando-se principalmente o bombardeio de Hiroxima e Nagasaki no Japão, quando de uma Segunda Guerra Mundial praticamente já acabada, para mostrar ao mundo e a URSS, o poderio do “império americano”, não hesitaram em matar milhares de civis; ou ainda quando armam grupos guerrilheiros, como aconteceu no Irã, na Nicarágua ou mesmo no Paquistão e Afeganistão.

A partir de dezembro de 1979, o Paquistão tornou-se um aliado privilegiado dos EUA, pois o ditador Zia Ul Haq acolheu entre 3 e 5 milhões de refugiados afeganes depois da invasão soviética ao Afeganistão. Foi através do ditador paquistanês que os EUA passaram a dar ajuda financeira e militar à resistência no Afeganistão – a guerrilha mudjahidin – contra a ocupação soviética. É interessante lembrar que Zia Ul Haq tomou o poder em 1978 após um golpe militar, eliminou a frágil democracia no país e instaurou a Sharia – código islâmico que prevê o açoitamento, a amputação e o apedrejamento até a morte para os criminosos. Uma de suas primeiras vitimas foi o presidente “democrata” que ele havia deposto, enforcado em 1979.

O imperialismo

Enquanto a Igreja católica foi a “dona” do mundo (ocidental), durante o feudalismo, poucos ousaram questionar o seu poder e suas decisões. Aqueles que o fizessem, seriam também considerados hereges e teriam o um único destino, a fogueira.

Do mesmo modo, hoje poucos ousam dizer que os EUA “colhem os frutos da política que implantaram” ao longo do século. Os “senhores do mundo”, que se auto intitulam os “grandes defensores da liberdade” aparecem como vítimas de uma grande conspiração de forças malignas...afinal de contas, quem entre nós vai defender os atos praticados neste dia 11.

Muitos meios de comunicação reproduziram no dia seguinte (12 de setembro) uma frase proferida pelo presidente George W. Bush: "Hoje nossa nação viu o mal".

Se o atentado terrorista é o mal, quais são as forças malignas?

O poder da mídia fala mais alto. Os EUA aparecem como vítimas.

Notem, falamos dos EUA, não das pessoas que morreram nos atentados; essas, não há dúvidas, são vítimas, assim como foram os japoneses de Hiroxima, os judeus de Treblinka, os palestinos da Cisjordânia, os negros do Mississipi e muitos outros grupos ou mesmo povos.

Os EUA não, mas o povo norte-americano, de fato, nunca tinha visto o mal tão perto, pelo menos nessas proporções, neste último século. As grandes tragédias ocorreram fora do território norte-americano. Os EUA participaram das duas grandes guerras mundiais, porém em nenhuma delas houve bombardeio no país. A população dos EUA viu as grandes guerras pela imprensa, ao contrário dos diversos povos europeus e asiáticos. Quando participou efetivamente de uma outra guerra, no Vietnã, parte da população foi ganhando consciência do que ocorria e passou a se manifestar, contribuindo para a retirada dos exércitos norte-americanos da região

É interessante percebermos, como praticamente todos os professores de história, em vários momentos, se referem aos EUA como um país imperialista, e consequentemente, a maioria de nós, quando fomos alunos, ouvimos essas exposições e continuamos a ouvir em outros momentos de nossas vidas, mas mesmo assim, em momentos entendidos como “de comoção”, a grande maioria não consegue estabelecer uma relação entre as diversas situações.

O Preconceito

Preconceito é o conceito formado antecipadamente sem o conhecimento dos fatos. O preconceito é uma herança cultural por isso é impossível não ter preconceito algum. O etnocentrismo, é o pensamento que leva as sociedades a acharem que sua cultura é a única válida e por conseguinte desprezar e, de forma mais radical, eliminar outras culturas.

Costumamos dizer aos nossos alunos: “o preconceito é fruto da ignorância”. O preconceito é algo que esta enraizado em todas as sociedades, e que se apresenta das formas mais variadas. Cada um de nós esta sujeito a manifestar-se de forma preconceituosa devido a formação social que tivemos; mas é dever de cada um e do ensino, procurar entender suas origens e contribuir de forma decisiva para sua diminuição e eliminação.

Se devemos condenar o terrorismo praticado pelo ETA, devemos nos lembrar, que ninguém diz “terrorismo basco”, pois a maioria dos bascos não defende nem possuiu esta prática, sendo assim não devemos falar em “terrorismo árabe ou palestino”, como tornou-se comum na mídia e no cinema, principalmente depois que a “Guerra Fria” terminou.

Em 17 de julho de 1996, quando um avião da TWA caiu na costa de Nova York provocando a morte das 230 pessoas, as primeiras suspeitas recaíram sobre “algum árabe radical”. A idéia de atentado permeou o imaginário de milhões de norte-americanos, até ser comprovada a falha elétrica que causou a explosão do tanque de combustível.

O pior ataque terrorista sofrido pelos EUA em seu país até então havia sido a bomba colocada em frente a um prédio público em Oklahoma, em 1995, que provocou a morte de 168 pessoas. Novamente a idéia de terrorismo “árabe” foi propagada e, é interessante como a própria imprensa dos EUA apresentou a frustração do povo, quando foi preso o autor, um cidadão norte-americano, Timothy McVeigh, que foi condenado à pena de morte pelo crime e executado.

O atentado terrorista praticado no dia 11, nos EUA é repudiado por todos nós, que procuraremos utiliza-lo como exemplo para estimular a discussão sobre o significado do terrorismo e do preconceito.


ETA, o País Basco e a autodeterminação

Este texto traz um pequeno histórico do País Basco, da ETA e trata de algumas questões importantes que se referem a atuação dos movimentos pela independência e que não são retratados pela imprensa.

Introdução

Nas últimas três décadas a imprensa internacional têm dado grande destaque às atividades do grupo basco ETA (Euzkadi Ta Askatasuna), que através de vários atentados choca-se com a política do Estado espanhol, exigindo a independência de todo o País Basco.

Origem

A região ocupada pelos bascos situa-se no norte da Espanha e noroeste da França. Presume-se que o povo basco tenha ocupado a Península Ibérica por volta do ano 2000 a.C. e tenha resistido as constantes invasões sofridas pela região ao longo dos séculos. Apesar da dominação romana, os bascos mantiveram sua língua, costumes e tradições, num processo de constante resistência. A língua basca não tem parentesco com nenhuma outra no mundo e embora seja a língua mais antiga falada hoje na Europa, o vasconço somente constitui-se como língua escrita no século XVI e reforçou o sentimento de união do povo.

Entre os séculos XV e XVI a região foi submetida à Espanha, finalizando o processo de formação do Estado Monárquico, que havia sido iniciado com o casamento dos reis católicos Fernando e Izabel.

A Formação da ETA

Euzkadi Ta Askatana (ETA) significa na língua basca Pátria Basca e Liberdade. Essa organização nasceu como um movimento socialista fundado em 1959 a partir da atividade de vários grupos culturais e políticos que atuavam na sociedade.

O desenvolvimento de uma política socialista e ao mesmo tempo nacionalista esteve vinculada a história mais recente do povo basco: durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39) a maioria da população basca apoiou os republicanos, aliados naquele momento aos socialistas e anarquistas, provocando violentas represálias por parte dos fascistas, sendo que o episódio mais conhecido foi o bombardeio da cidade basca de Guernica no dia 26 de abril de 1937, quando a aviação da Alemanha nazista lançou bombas incendiárias, matando mais de 1000 pessoas. A ditadura fascista do general Franco reprimiu com grande violência todos os movimentos nacionalistas. No País Basco, o vasconço foi proibido assim como qualquer manifestação política ou cultural dos bascos. O Estatuto de Autonomia que havia sido aprovado pelas Cortes em 1936 foi suprimido. A repressão sobre os bascos contribuiu de decisivamente para o radicalismo no interior da ETA e na segunda metade dos anos 60 a organização passou a luta armada, tendo como alvo os membros do aparato de repressão. Sua ação mais espetacular foi o atentado que matou o Primeiro Ministro, Almirante Luiz Carrero Blanco, provável sucessor de Franco, em 1973. Durante a ditadura certos assassinatos políticos tiveram grande apoio popular.

A Redemocratização

Em 1975 terminou a ditadura franquista e iniciou-se o processo de redemocratização. No País Basco surgiram alguns partidos “nacionalistas”, com projetos diferenciados, dividindo os bascos quanto a luta pela autonomia. Com a elaboração de nova constituição, o Estado Espanhol propôs um Estatuto de Autonomia, aprovado em 1978, incluído na nova constituição no ano seguinte, com o apoio de parte da população e de alguns partidos. A ETA rejeitou o Estatuto, manteve a atividade militar e ao mesmo tempo passou a atuar politicamente com a fundação do Herri Batasuna ( Unidade Popular), agupamento político legalizado, cujos membros defendem as propostas da ETA.

Com o retorno à democracia a ETA tendeu a perder apoio popular, pois governantes, elite e imprensa passaram a considerar o “debate político” como única forma de atuação, condenando com maior veemência as ações do grupo armado, que até então eram vistas com simpatia por grande parte da sociedade, pois chocaram-se com as autoridades da ditadura. No entanto a grande campanha sobre a opinião pública do país e principalmente internacional, omite elementos importantes do conflito no período democrático:

1) Durante o governo de Felipe Gonzales ( Partido Socialista Operário Espanhol) formaram-se as GAL – Grupos Antiterroristas de Libertação – organização ilegal, responsável pela violenta repressão aos nacionalistas bascos, promovendo prisões arbitrárias, torturas e assassinatos. Apesar da condenação destas atividades por parte do governo, as GAL receberam apoio e financiamento de diversos setores da sociedade e mantiveram-se constantemente em ação;


2) A ETA e o Herri Batusuna formularam propostas políticas para acabar com os atentados e com a “Guerra suja” promovida pelos GAL. A Alternativa KAS era formada por cinco pontos principais: a formação de um Estado Basco, o reconhecimento internacional desse Estado, retirada das forças policiais espanholas, anistia aos presos políticos e à inclusão de Navarra ao País Basco;


3) A partir de 1995, o governo espanhol comandado por Felipe Gonzales, e a Esquerda Unida (IU) comandada pelo Partido Comunista recusaram-se a discutir nova proposta de paz da ETA, que tinha o objetivo de acabar com o conflito no País Basco. Podemos considerar a Alternativa Democrática, como uma adaptação da proposta anterior, tendo agora um conteúdo mais democrático, que enfatizava o papel da sociedade basca na organização de um País Basco independente. Desta forma a ETA e o Herri Batasuna “abandonam temporariamente” a defesa de seu “projeto socialista” e passam a defender que todos os bascos sejam os responsáveis pelos destinos do país. A Alternativa Democrática propunha: 1. Reconhecimento do direito á autodeterminação e à unidade territorial da País Basco e, em conseqüência, o compromisso de se respeitar a decisão do povo basco sobre o futuro do pais; 2. Mediante ampla discussão e participação, a sociedade basca decidirá qual o modelo de Estada que será criado. Este debate e esta decisão diz respeito única e exclusivamente ao povo basco; 3.Para que este processo resulte realmente democrático, se concederá uma anistia que permita a participação de todos prisioneiro políticos, refugiados e deportados; 4. ETA se compromete a suspender sua atividade armada assim que se consiga um acordo político sobre o conteúdo da proposta.


A Autodeterminação dos Povos

Em 1998 a ETA suspendeu a realização de atentados em busca de uma solução negociada. Porém o atual governo da Espanha, considerado como de centro direita, utiliza-se de argumento semelhante aos governos anteriores para aceitar as negociações: a desmobilização da ETA. A exigência de desarmamento da ETA serve, na verdade, como pretexto para a recusa em promover a discussão, pretendendo manter a idéia junto a opinião pública, de que as negociações não ocorrem por culpa da organização guerrilheira. Dessa maneira a discussão sobre o “direito de autodeterminação dos povos” é escamoteada. Esse direito consta do discurso de liberais e de vários grupos que se dizem de esquerda, porém, quando uma possibilidade real de coloca-lo em prática surge – A Alternativa Democrática e o fim dos atentados – os governantes aumentam suas exigências, como forma de não levar a discussão adiante ou ainda de promover a desorganização dos nacionalistas, impedindo-os de desenvolver seu projeto de independência.

Os nacionalistas revolucionários consideram que a independência do País Basco não é apenas uma reivindicação histórica, mas uma via necessária para garantir o desenvolvimento econômico, cultural e social do povo basco.

A Questão da Irlanda

O recente acordo celebrado na Irlanda do Norte pretende por fim à séculos de dominação inglesa e à décadas de terrorismo de guerrilheiros separatistas e de paramilitares protestantes.

O recente acordo celebrado na Irlanda do Norte pretende por fim à séculos de dominação inglesa e à décadas de terrorismo de guerrilheiros separatistas e de paramilitares protestantes.


Nas últimas décadas, as ações terroristas do IRA ( Exército Republicano Irlandês), organização “católica”, e da Força de Voluntários do Ulster, força paramilitar “protestante” foram responsáveis por dezenas de mortes e representaram o problema externo mais grave enfrentado pelos governantes da Inglaterra.


A história da Irlanda é totalmente desconhecida no ensino brasileiro, e o conhecimento da história da Inglaterra é superficial, em seus “grandes momentos”, como a formação da Monarquia, o absolutismo ou a Revolução Industrial e nunca faz referência ao domínio sobre a Irlanda. Então surge a pergunta: Por que a guerra entre católicos e protestantes? Se na maioria dos países ocidentais existem várias religiões convivendo pacificamente, por que isso não ocorre na Irlanda do Norte?


ORIGENS DO CONFLITO

Para compreendermos o problema, temos que buscar suas raízes no século XII, quando começou a conquista inglesa do território irlandês e a partir de então podemos perceber que o problema não é religioso, pois nesse período não havia “protestantes”. O que estava em jogo era o aumento do poder real, no contexto da crise feudal e do início do processo de formação da Monarquia Nacional. Para Henrique II, a conquista de territórios significava o aumento de seu poder, uma vez que, a nobreza irlandesa tornava-se vassala do rei e consequentemente passava a lhe dever benefícios, tanto em gêneros, como em tributos ou inclusive em homens para a formação de exércitos. Desde 1175 o rei impôs seu poder através da Tratado de Windsor, a partir do qual passaram a valer as leis inglesas para a Irlanda.

O domínio da Inglaterra retraiu-se durante os séculos XIV e XV, período de crise decorrente da Guerra dos Cem Anos (1337 - 1453) contra a França; e da Guerra das Duas Rosas (1455 - 85), que envolveu praticamente toda a Inglaterra, numa disputa entre as grandes famílias de nobres pelo poder. Após a Guerra das Duas Rosas iniciou-se a Dinastia Tudor, que centralizou o poder e, com Henrique VIII consolidou o absolutismo no país. O governo absolutista na Inglaterra teve como um de seus mais importantes alicerces a Igreja Anglicana, criada pelo próprio rei no contexto da Reforma Protestante, reconhecida pelo Parlamento como Igreja Oficial do Estado através do Ato de Supremacia (1534) Durante a Idade Moderna as igrejas européias, não só a Anglicana, foram utilizadas como instrumentos de poder, e não só na Inglaterra. A característica marcante do ponto de vista religioso foi a intolerância, praticada por reis e clérigos: Assim como os protestantes eram perseguidos nos países católicos, esses eram perseguidos nos países protestantes, como na Inglaterra a partir de Henrique VIII; foi assim que o conflito com a Irlanda passou a ter feições religiosas.

A imposição do poder absoluto inglês foi acompanhado da imposição da nova religião. Dessa maneira, a manutenção do catolicismo por parte dos irlandeses tornou-se uma forma de contestar o domínio inglês, além de preservar sua própria cultura.

A contestação ao domínio inglês representava a luta contra o poder político e religioso já que os dois estavam concentrados nas mãos do rei, principalmente durante o reinado de Elizabeth I, que impôs os Estatutos de Supremacia e Uniformidade, reafirmando a supremacia da Igreja e das leis inglesas sobre a Irlanda.

O SÉCULO XVII

Durante o reinado de Jaime I (1603-25), consolidou-se o controle das terras pelos ingleses, em especial na região do Ulster, onde foi instituído um sistema de colonização baseado na pequena propriedade, discriminando-se os irlandeses.

A situação de exploração e miséria, e de imposições político-religiosas determinou o início de uma grande rebelião em 1641, violentamente reprimida pelas tropas de Oliver Cromwell, líder da Revolução Puritana, fanático calvinista que havia deposto o rei e proclamado a República na Inglaterra, que derrotou completamente a rebelião em 1652, quando então, a maior parte das terras passaram para a mão dos ingleses.

Até o final do século os irlandeses rebelaram-se outras vezes e foram reprimidos, consolidando-se o poder inglês. Após a derrota de Jaime II em 1690os irlandeses viveram um período de miséria e de perseguições, responsável pelo desenvolvimento de um maior sentimento nacionalista e católico, uma vez que a repressão inglesa passou a estar associada à religião “protestante”.


A INDEPENDÊNCIA

A repressão inglesa e o sentimento nacionalista foram responsáveis pela eclosão de uma Revolução em 1798, dirigida por uma sociedade secreta denominada Irlandeses Unidos.

Em 1829, um movimento nacionalista e popular conquistou alguns direitos políticos e civis para os católicos, que poderiam ocupar a maior parte dos cargos públicos, apesar da manutenção do voto censitário.


Entre 1847-48 o país foi assolado pela fome (devido à praga na cultura de batata) e por uma epidemia de tifo, responsáveis pela morte de aproximadamente 800.000 pessoas, cerca de 10% da população total do País. Nas décadas seguintes a crise foi responsável pela grande imigração, principalmente para o norte dos EUA.

Em 1905 foi fundado o Sinn Féin (nós sozinhos) importante movimento nacionalista que se propunha a lutar pela soberania da Irlanda de forma legal e que, com grande apoio popular, elegeu em 1918 a maioria dos deputados irlandeses ao Parlamento Britânico. Fortalecido, o Sinn Féin proclamou unilateralmente a independência da Irlanda, provocando a reação inglesa e de grupos protestantes da região do Ulster (norte). Depois de dois anos de conflitos, em 6 de dezembro de 1921, foi assinado um tratado pelo qual a Irlanda ( com exceção do Ulster) tornou-se um Estado independente, porém considerado ainda como domínio da coroa inglesa, integrando a commonwelth.

A independência completa foi obtida a partir da Constituição de 1937, quando a Irlanda passou a denominar-se EIRE, desvinculando-se completamente da monarquia britânica; porém essa situação somente foi reconhecida pela Inglaterra em 1949, que concedeu autonomia ao Ulster, que passou a denominar-se Irlanda do Norte.


“IRA”

Fundado em 1919, o IRA (Irish Republican Army) passou a utilizar-se da guerrilha como forma de eliminar o domínio inglês e obter a independência da Irlanda, e posteriormente, pretendendo a unificação da Irlanda do Norte ao restante do país. Nas últimas três décadas as ações do IRA e dos grupos paramilitares ‘protestantes” intensificaram suas ações e foram responsáveis por vários atentados na Irlanda do Norte, principalmente na capital, Belfast.

A ascensão do Partido Trabalhista ao poder em 1997, a criação do Euro e a “nova ordem mundial” criaram novas condições de negociação política, tendo de um lado a Inglaterra uma nova preocupação, em fortalecer-se dentro da Europa e a própria elite irlandesa católica, preocupada em aproveitar as novas condições de desenvolvimento. A suspensão dos atentados por ambos os lados foi fundamental para que as negociações pudessem existir, criando condições concretas para a pacificação da região.


Terrorismo e Imperialismo

Artigo de Paulo Cézar Tiellet e Paulo Denisar Fraga** originalmente publicado na revista eletrônica Espaço Acadêmico
Publicado em 19/03/2004

Os últimos acontecimentos ocorridos nos EUA, com uma série de ataques terroristas, que redundaram como efeito prático na destruição de dois grandes símbolos do capitalismo (o World Trade Center e parte do Pentágono), precisam ser pensados à luz do contexto econômico-político das últimas décadas.

Os símbolos, como sustenta Mikhail Bakhtin, têm a sua base material na forma concreta como os homens organizam as suas relações econômicas, sociais e políticas. O WTC e o Pentágono, expressões máximas do centro do capital financeiro internacional e do poderio militar americano, edificaram-se sobre a miséria física e a opressão político-militar da maior parte do mundo. São ícones de uma hegemonia real, que se impôs historicamente e que hoje se consubstancia nas políticas neoliberais. Portanto, não é gratuito que os EUA tenham sido palco de tais eventos, embora a sua inesperada vulnerabilidade possa ser motivo de surpresa.

O alvo e a responsabilidade, neste caso, são indissociáveis. É insensatez teórica e política criticar o terrorismo sem criticar o imperialismo. A grande imprensa noticia a barbárie como se ela nascesse dos atos do terrorismo, mas esquece que esta é, também, como Rosa Luxemburg escreveu, produto da própria lógica da sociedade capitalista. No caso, o "absolutismo democrático" estadunidense ergueu o ódio à sua arrogância nos quatro cantos do mundo. Os milhões de vítimas do capitalismo tornam inaceitável que o terrorismo seja criticado unilateralmente, sem que se faça, do mesmo modo, uma crítica às responsabilidades do imperialismo norte-americano. Quem duvidar dessa tese terá a chance de se convencer quando acontecerem as retaliações.

Mas a mídia internacional que, por exemplo, apresentou como show o bombardeio a Bagdá, em 1991, não tem sensibilidade para considerar que a vida de um iraquiano merece a mesma comoção que a de um norte-americano. Não se deve esquecer, aliás, de que os EUA financiaram e armaram muitos dos que hoje praticam o terrorismo, porquanto, em determinados momentos, isso atendia aos interesses do capital. Ao longo da história moderna, todas as guerras e ataques militares promovidos pelos centros hegemônicos do capitalismo provocaram, infinitamente, mais mortes de civis do que todos os atos terroristas. Isso não justifica o terrorismo, mas desmascara a hipocrisia dos que ungem mortes com o bálsamo da democracia.

As piores horas são as mais necessárias para a razão. Por isso, é preciso, antes de qualquer discurso apressado ou emotivo, compreender para potencializar a crítica. O terrorismo internacional é, contemporaneamente, o filho bastardo do imperialismo. Parece ser a única forma que determinados grupos dissidentes do poder quase absoluto dos EUA encontram para enfrentá-lo no plano material, já que não têm condições de fazê-lo nem no plano político-diplomático, nem no econômico e, muito menos, no militar. O que faz ver, mais uma vez, guardadas as devidas proporções, que não é sustentável falar do terrorismo sem falar do imperialismo. Concorde-se ou não, o terrorismo internacional, na atual fase do imperialismo, apresenta-se como uma forma de luta diferente, uma determinada expressão da luta de classes.

A dimensão dos ataques não justifica a atitude dissimulada e oportunista - diante da presente desgraça humana - de esquecer o contexto que levou a eles. Bem compreendidos à luz do processo histórico contemporâneo, os dois - terrorismo e imperialismo - precisam ser duramente denunciados, sem que nisso se perca a dimensão racional da crítica.

* Artigo escrito em setembro de 2001 e publicado na revista eletrônica Espaço Acadêmico: www.espacoacademico.com.br
** Paulo Denisar Fraga, 36, é professor do Departamento de Filosofia e Psicologia da Unijuí (RS). Paulo Cézar Tiellet (1957-2003) foi professor do mesmo departamento.

Guerra, teoria de jogos e terrorismo

Isaac Epstein
"A guerra é a origem de todas as coisas. e de todas ela é soberana. A uns ela apresenta-os como deuses, a outros, como homens; de uns ela faz escravos de outros, homens livres."
HERÁCLITO, Frag.53, Hipólito

Os saberes sempre estiveram a serviço da guerra; seja desenvolvendo estratégias e táticas, seja inventando objetos e artefatos militares. Os espelhos com que o sábio Arquimedes, diz a história ou a lenda, queimou a frota romana, a "Nova Física" do século XVII, cuja influência da carência de métodos exatos de cálculo das trajetórias dos projéteis dos canhões é inegável, até o projeto Manhatan de construção da primeira bomba atômica, aconselhado por um sábio pacifista, Einstein, para deter a barbárie nazista, são apenas alguns dos inúmeros momentos históricos em que a guerra inspirou o desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

Bacon reconhecia na ciência um método de subjugar a natureza e também, em conseqüência, a subjugação do homem pelo homem. Neste sentido precedeu de alguns séculos os autores da Teoria Crítica, especificamente seu herdeiro, Herbert Marcuse.

Desde a antigüidade, muitos filósofos têm sido ambíguos na sua valorização da guerra: negativa, pelo sofrimento causado e positiva na celebração das virtudes marciais dela decorrentes. Apenas recentemente tem sido questionada concretamente a inevitabilidade da guerra e proposta a possibilidade de uma paz permanente.

O saber da guerra, das disputas, das batalhas, dos conflitos, dos enganos e astúcias da persuasão e dissuasão, se constitui historicamente num segmento à parte das grandes divisões tradicionais da filosofia e da ciência. No sentido Aristotélico, esse saber seria uma técnica e, como tal, algo superior à experiência, mas inferior à razão. Não obstante essa técnica, ou melhor, técnicas, foram sempre valorizadas estudadas e comentadas devido à freqûencia histórica dos conflitos, guerras e lutas pelas várias formas de hegemonia e domínio.

Com Maquiavel esse segmento da tecnologia do poder teve seu status recuperado a ponto de esse pensador ser considerado, por muitos, como o primeiro filósofo político da modernidade.

O livro clássico Da Guerra (Von Kriege) de Clausewitz (CLAUSEWITZ, 1968) exerceu enorme influência no pensamento militar e político durante e após o século XIX. Clausewitz definia a guerra como "um ato de violência cuja intenção é compelir nosso oponente a realizar nosso desejo". Dentro desta lógica decorria logicamente que cada guerra deveria terminar com a completa vitória de um lado sobre o outro e que a "moderação na guerra é um absurdo" desde que a falha em utilizar toda a força de que se dispõe contradiz o objetivo da guerra.

A importância da obra de Clausewitz é ressaltada no denso estudo que lhe dedica Raymond Aron (ARON, R., 1986). Atualmente muitos autores sublinham a importância das aplicações das novas tecnologias à problemática das estratégias, aspectos psicológicos das estratégias dos conflitos, etc (FAYARD, P., 2000).

Em termos de Teoria de Jogos a guerra seria então um jogo "soma zero", isto é aquele, no qual o que uma parte ganha é precisamente o que a outra perde e vice versa. A Teoria de Jogos, desenvolvida por Von Neumann e Morgenstern (VON NEUMANN, J & MORGENSTERN, O, 1944) para dar conta de problemas econômicos, cedo tornou-se paradigmática para determinadas situações de conflito militar.

A produção de milhares de ogivas nucleares pelas duas superpotências mudou o paradigma clássico da guerra descrito por Clausewitz. Se os dois lados possuem meios, cada qual de liquidar o oponente simultânea e reciprocamente, instala-se uma conjuntura formalmente semelhante à uma situação paradoxal descrita ainda pela Teoria de Jogos com o nome de Dilema do Prisioneiro (EPSTEIN,I, 1995).

A corrida armamentista nuclear, ao contrário de uma corrida armamentista tradicional, não poderia causar a vitória de qualquer das partes, mas a destruição de ambas. Rapoport (RAPOPORT, A., 1969), em plena guerra fria, assume duas alternativas estratégicas para as duas potências que se enfrentavam: a alternativa do desarmamento (X) ou do armamento crescente (Y). A estratégia Y é determinada pelo interesse de cada parte visto o "jogo" como de soma zero e a estratégia X pelo interesse comum. Esta última demanda um fator novo que não existe nos jogos de soma zero: a confiança mútua. Haverá uma possibilidade de se racionalizar a escolha cooperativa? Em outras palavras, é possível racionalizar a confiança mútua? Confiar no oponente significa supor que ele não escolherá a estratégia (Y) e isto é o mesmo que lhe negar a racionalidade da estratégia dos jogos soma zero. De outro lado ser digno de confiança significa descartar a estratégia (Y) em favor da estratégia (X), o que, por sua vez não é um desempenho racional à luz de um jogo de soma zero. O último tratado de desarmamento entre os Estados Unidos e Rússia parece ter mostrado a decisão de ambos os países em dar mais um passo para para superar o dilema do prisioneiro em que estavam envolvidos no momento em que um novo e ameaçador inimigo instaurava um novo tipo de guerra: o terrorismo.

O chamado terrorismo tem se revelado uma técnica de combate eficiente e barata. O atentado às torres de Nova York que causou um prejuízo de cerca de bilhões de dólares custou algumas centenas de milhares de dólares (RUTHVEN, M., 2001). A forte orientação religiosa dos seguidores de Bin Laden, aliada à sua estrutura difusa, torna a organização Al Queda difícil de ser penetrada. A importância do fator religioso como motivação de seus seguidores tem sido ignorada (WILCOX, P.C., 2001). Al Queda tem uma rede organizacional semelhante a uma multinacional cujos braços vão das Filipinas até os Estados Unidos. Um grupo central móvel presidido por Bin Laden formula a política geral e outros comitês subordinados respondem por ações terroristas, interesses comerciais consultoria legal etc. Os seguidores mais pedestres das ordens as seguem cegamente sem mesmo saber como elas se enquadram na estratégia mais global. O ataque de Nova York foi executado com grande proficiência técnica (MAKIYA, M. & MNEIMNEH, H., 2002).

O terrorismo, por sua vez, tem raízes estratégicas numa modalidade de guerra que tem uma longa tradição histórica, a guerrilha (CHALIAND,C., 1990).

A guerrilha opõe a exércitos regulares bem armados e equipados, com uma direção central, grupos dispersos, extremamente móveis e altamente motivados. Esta motivação pode ser a de libertação nacional contra o dominador estrangeiro como ocorreu com os resistentes da segunda guerra mundial, com os vitoriosos vietcongs, com os combatentes da guerra de libertação da Algéria e tantos outros. Os guerrilheiros podem estar também motivados na luta contra governos nacionais ditatoriais, como ocorreu em Cuba, em 1959. Um dos comandantes da guerrilha cubana, Che Guevara, chegou a escrever um livro sobre este tema (GUEVARA, E.C., 1989). Diz Guevara que "frente à rigidez dos métodos clássicos de guerrear, o guerrilheiro inventa sua própria tática e surprende constantemente o inimigo". À enorme superioridade hard (armamento e efetivos) do exército regular, a guerrilha opõe recursos soft de astúcia, uma enorme mobilidade e pequenos efetivos altamente motivados. Antonio Conselheiro, o comandante fanático da guerra dos Canudos, é um belo exemplo dos métodos da guerrilha na descrição dos Sertões de Euclides da Cunha.

O terror desencadeou uma reação mundial e uma dispendiosa operação militar americana no Afganistão de eficácia ainda a comprovar. A contínua ação dos homens (e mulheres) bomba no Estado de Israel parecem comprovar, até o momento, a ineficácia da imensa superioridade armada de Israel sobre os palestinos, na supressão dos homens-bomba. Uma estranha aliança entre o pré moderno das crenças religiosas, em matiz fundamentalista, a extrema juventude ou a formação em disciplinas técnicas, engenheiros e técnicos dos engajados nos atos terroristas compõe a personalidade destes cognominados de "mártires" por um lado e abomináveis "terroristas" por outro. Para se compreender um pouco estas mentes será necessário fugir deste maniqueísmo.

O discurso do presidente Bush, em setembro de 2001, anunciou que os Estados Unidos "não distinguiriam entre os terroristas que cometeram o atentado e os países que os acolheram". Esta declaração que preparava a invasão do Afeganistão vinha em oposição às normas aprovadas pelas Nações Unidas que, no caso de uma agressão, o Conselho de Segurança precisaria autorizar uma resposta armada de uma ou mais nações. As leis de guerra, tradicionalmente sancionadas por convenções internacionais proíbem danos à não combatentes em caso de ações militares. A confusão entre a ação de polícia contra criminosos comuns e o combate militar entre nações inimigas provoca inevitavelmente mortes e danos a civis não combatentes. Foi o que ocorreu no Afganistão e na invasão de Janin na faixa ocidental.

O fanatismo e o ódio suicida dos terroristas islâmicos e sua crença no martírio e até no prêmio divino tornam as ações de retaliação em massa pouco efetivas. O que é capaz de intimidar ou deter um homem-bomba?

As teorias tradicionais das estratégias e táticas dos combates militares têm pouco a dizer ao que parece constituir a principal preocupação militar do século XXI, o terrorismo. O que se necessita com urgência são teorias compreensivas do fenômeno do terror suicida e os fatores que o propiciam. Ainda mais, quando se pensa que cada vez mais é viável a sua posse dos meios de destruição em massa.

* Isaac Epstein é engenheiro e pesquisador em filosofia, comunicação e linguagem. É professor do Programa de Pós-graudação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo.

Notas

1. Platão, por exemplo, via os dois lados da guerra se bem que não lhes dava o mesmo peso. Kant, embora vendo a paz permanente como o ideal e objetivo da lei moral, isto não o impedia de dizer que "a paz prolongada favorece o predomínio de um espírito meramente comercial e com isto o desenvolvimento do egoísmo e a covardia cuja tendência seria a degradação da nação". Hegel não era nem ambivalente, pois considerava a guerra como um corretivo para a corrosiva influência da paz.

2. Foi necessária a primeira guerra mundial, com seus milhões de mortos, aleijados e feridos para que a humanidade despertasse em direção a um projeto capaz de dirimir os conflitos, evitando as guerras: a Liga das Nações. Sabe-mos dos resultados de sua ineficácia: uma guerra ainda mais feroz e sangrenta. Mais uma tentativa, a Organização das Nações Unidas cuja eficácia se limita, quando muito, a guerras locais. A terceira guerra mundial, afinal, só foi evitada devido ao enorme poder de aniquilação de cada super potência.

Bibliografia:
?  ARON, R. (1986). Pensar a Guerra, Clausewitz. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, Volumes 71 e 72.
?  CHALIAND,G. (org.) (1990). Anthologie Mondiale de la Stratégie, Paris: Robert Laffont.
?  CLAUSEWITZ, C.V. (1968). On War, New York: Penguin Books.
?  EPSTEIN, I. (1995). O dilema do prisioneiro e a ética, Estudos Avançados, 9 (23),149-163.
?  FAYARD, P. (2000). O Jogo da Interação, Caxias do Sul-RS: EDUCS, 2000.
?  GUEVARA, E.C. (1989). La Guerra de Gerrillas, La Habana: Ed. De Ciências Sociales.
?  MAKIYA, M. & MNEIMNEIH,H. (2002, November 17). Manual for a Raid, The New York Review,18-31.
?  RAPOPORT (1969). A Strategy and Conscience, New York: Schocken Books.
?  RUTHVEN, M. (2001, December). Singposts on the road (The terror business). The Times Literary Supplement, 7, 3-4.
?  VON NEUMANN, J. & MORGENSTERN, O. (1944). Theory of Games and Economic Behavior. John Wiley & Sons.
?  WILCOX, P. C. Jr (2001 September 19). The Terror, The New York Review, 4.


O Terrorismo, o Nacionalismo e a Mente Humana

 

Marco Montarroyos Calegaro, MSc


O terror nos E.U.A. deixou o mundo perplexo, despertando uma enxurrada de análises políticas e econômicas, embora muito pouco de satisfatório tenha sido dito sobre as motivações humanas subjacentes a este episódio. Neste ensaio, pretendo enfocar as forças psicológicas motivacionais envolvidas em dois importantes ingredientes desta lamentável página da história que estamos vivenciando: a questão dos ataques terroristas suicidas e a reação nacionalista norte-americana. Argumento que os dois fenômenos de comportamento repousam em raízes evolucionárias semelhantes, cuja compreensão demanda apoio em um modelo da arquitetura da mente humana.

O naturalista inglês Charles Darwin causou um impacto tremendo no pensamento contemporâneo com a teoria da seleção natural. Esta teoria permite compreender não só a evolução da vida no aspecto anatômico e fisiológico –o desenho em diferentes espécies de órgãos adaptados ao ambiente (pulmão, asas, braços, etc) -como também do comportamento e processos mentais –o impulso para a guerra ou o sentimento de vingança. A idéia central é bastante simples, mas de profundas implicações, ainda não bem compreendidas. Darwin percebeu que, a partir da descendência com modificações, a seleção natural separa, a cada geração, aqueles que conseguiram sobreviver e se reproduzir, deixando para trás as criaturas que não conseguiram passar seus genes às futuras gerações. O comportamento dos seres vivos modernos foi esculpido, geração após geração, por uma longa história evolutiva, onde a capacidade de deixar o maior número de descendentes selecionou as características atualmente presentes.

Bem, mas como poderíamos explicar a evolução da tendência a um comportamento como uma ação terrorista suicida? Um suicida não está justamente eliminando suas possibilidades de ter seus genes representados nas futuras gerações? Isto parece contrariar a lógica da evolução.

A chave para compreender esta aparente contradição está na cultura em que os suicidas são criados, e na forma como esta interage com o desenho de nosso cérebro, um órgão também talhado pela seleção natural. A cultura fornece informação sobre os valores e o cérebro processa estas informações movendo o comportamento na direção destes valores – embora as disposições da mente humana tenham firmes alicerces biológicos, é somente com base no aprendizado do meio sociocultural que é possível imprimir direção ao comportamento. Em outras palavras, nossa mente está estruturada para perseguir os valores do grupo ao qual pertencemos, mas o que é especificamente valorado depende dos costumes experienciados em cada cultura.

Quais são os valores na cultura dos homens-bomba? Candidatar-se a suicida pela causa do grupo garante um lugar privilegiado e elevado prestígio extensivo a parentes, alem de recompensas espirituais depois da morte. É um gesto percebido como honrado e altruísta nesta cultura. Nossa mente foi desenhada para buscar ascensão social, e esta busca deve ser orientada pelas peculiaridades do que é valorizado em cada ambiente. Os pilotos suicidas Kamikases também agem com o que é percebido pelos japoneses como elevado senso moral, sacrificando sua vida em prol do bem do grupo em disputa com o inimigo. É um gesto interpretado como nobre e digno, merecedor de aprovação social e contemplado com respeito e consideração.

O impulso de subir na hierarquia social não é uma exclusividade humana. De modo geral, em animais sociais observa-se prêmios darwinistas (maior número de descendentes) para aqueles com maior status. Os animais socialmente dominantes tem maior acesso sexual as fêmeas, obtém mais recursos territoriais e alimentares, e acabam ganhando a corrida evolutiva passando maior número de genes às futuras gerações. Em seres humanos, existe um forte impulso motivacional em direção à ascensão social. Nas culturas que estimulam o suicídio em prol de uma causa, este impulso ganha proporções distorcidas quando impele seu portador à própria destruição. O suicídio terrorista seria explicado, nesta ótica, como uma aberração da tendência de ser valorizado pelos membros do grupo. O mesmo ímpeto que é visto, em todas as épocas e lugares, nos jovens que orgulham-se ao defender a pátria na guerra, impulsiona da mesma forma o gesto de dar a vida em ato suicida.

Se adicionarmos a esta equação o componente que os cientistas de comportamento chamam de “aptidão inclusiva”, a psicologia desta conduta fica mais clara. A partir da década de 60, percebeu-se que um comportamento altruísta pode evoluir por favorecer a sobrevivência e reprodução não só do indivíduo, mas também do seus familiares e parentes. Estes partilham um percentual  dos genes do sujeito –cerca de metade para irmãos, filhos, pais, um quarto para sobrinhos, tios, avós, etc. Ou seja, arriscar-se para garantir a sobrevivência de parentes, especialmente os filhos, tem sentido na lógica da seleção natural, pois os genes acabam sendo repassados às futuras gerações por um caminho indireto. Vale lembrar que é exatamente este tipo de efeito que ocorre com os familiares dos suicidas, que são beneficiados socialmente de várias formas, inclusive financeiramente.

A essência da guerra, segundo o austríaco Konrad Lorenz, bi-laureado com o prêmio Nobel, é o que este autor chama de “entusiasmo coletivamente agressivo”, um padrão comportamental disparado por situações sociais que ameaçam os valores do grupo, mobilizando forte ímpeto de defesa. Quais valores são defendidos depende do que é aprendido na cultura em questão. Podemos sentir a profundidade deste impulso humano na união em torno da defesa de um valor grupal mesmo em se tratando de algo abstrato e arbitrário, como torcer por um time de futebol. Quando uma nação se une contra um inimigo, forças psicológicas poderosas e muito antigas na evolução são mobilizadas de forma intensa; os sujeitos são tomados pela sensação subjetiva de elevação e jogam tudo para o alto para obedecer ao “dever sagrado” (jihad, em árabe).

A reação norte-americana também se baseia nestas forças propulsoras, só que incrementadas por outro curioso legado de nossa evolução: o impulso de retribuição ou sentimento de vingança. Nas interações que estabelecemos, podemos ser altruístas, cooperando, ou egoístas, enganando e trapaceando competitivamente.

Alguns cientistas sociais estudam a evolução da cooperação e da competição através de simulações computadorizadas, onde criam programas que tentam sobreviver e se reproduzir o mais possível, a semelhança da vida animal. Nestas simulações, o programa vencedor, após milhares de gerações simuladas em computador, foi o chamado “olho por olho” (tit for tat), cuja regra básica é, depois de interagir com outro programa em uma primeira rodada, retribuir generosidade com cooperação, e exploração com vingança na próxima rodada. Segundo este argumento, a evolução teria selecionado o impulso de se vingar devido a funcionalidade deste padrão em promover a reprodução de nossos antepassados, pois assim evitaríamos ser trapaceados duas vezes, uma vez que, a partir de uma interação negativa, passaríamos a retribuir, nos protegendo e defendendo. No entanto, manteríamos alianças com aqueles suficientemente colaborativos –“olho por olho, dente por dente”.

O sentimento de vingança parece ser um universal humano. O nacionalismo norte-americano é exacerbado com o impulso vingativo, surgindo uma tremenda coesão interna face a ameaça do inimigo –partidos que se digladiavam aprovaram rápida e consensualmente decisões orçamentárias, políticas e militares a este respeito.

Segundo a visão maniqueísta do governo dos EUA, a retaliação americana aos ataques terroristas é uma luta da “liberdade” contra o mal - os discursos de Bush lembram a cena de “Independence Day” onde o presidente (do filme) arranca aplausos entusiásticos da multidão com todo aquele nacionalismo inflado piegas norte-americano. Desta vez não são extraterrestres que ameaçam a humanidade, mas sim psicopatas barbudos. Será mesmo que os norte-americanos são os mocinhos e os terroristas os bandidos?

Em essência, tanto o patriotismo norte-americano e o sentimento de vingança que toma conta da nação como o terrorismo suicida são fenômenos aparentados, que estão fundados no mesmo mecanismo da mente humana que garantiu aos nossos antepassados a continuidade evolutiva. Fomos programados para defender nosso território e a cultuar os valores de nosso grupo social, reagindo com indignação e contra-atacando ao que é percebido como ameaça. O que ocorre com os terroristas suicidas é uma profunda lavagem cerebral que usa técnicas sofisticadas de doutrinação muitas vezes desde a infância (ver o editorial “A mente do terrorista suicida” para uma excelente análise destas técnicas de condicionamento) para convencer o sujeito de que está do lado do bem, e o inimigo, do mal. Deste modo, na lógica do terrorista, suas ações são justificadas.
O perfil psicológico de um terrorista nada tem a ver com o estereótipo de um psicopata. Aliás, não existe um perfil psicológico claro, pois terroristas não tem distúrbios mentais –são pessoas comuns, em geral jovens inseguros com forte desejo de afiliação a um grupo. Um psicopata não trabalha em equipe e não tem lealdade aos valores de seu grupo social, sua motivação é intrinsecamente egocêntrica. Já para um terrorista suicida, a motivação é altruística - o gesto de dar a vida pela causa do grupo a que pertence é valorizado na cultura dos homens-bomba. Em outras palavras, os terroristas estão convictos de que estão do lado do bem ao atacar o “grande Satã”. O Islamismo tem orientação pacifista e não respalda a violência, e a barbárie dos atentados só é passível de justificativa através de um processo de deformação, feitas por segmentos fanáticos, nos preceitos desta religião.

 O mesmo impulso que leva um jovem criado em uma cultura de fanatismo religioso a defender os valores que aprendeu desde pequeno também propulsiona um soldado norte-americano a  disparar armas “inteligentes” (será alguma arma inteligente?) contra algumas barracas miseráveis para defender a “liberdade”. Experimentos clássicos de psicólogos sociais como Milgran, Asch e Zimbardo apontaram para a extrema facilidade de manipulação do comportamento humano, demonstrando que pessoas comuns podem agir de forma cruel e desumana se submetidas a pressões para conformidade com  as normas do grupo ou figuras de autoridade. Nesta guerra não existem mocinhos nem bandidos, somente seres humanos defendendo seus valores e suas crenças.

O desequilíbrio entre ricos e pobres em nível mundial poderia ser dramaticamente reduzido com medidas cooperativas e a injeção dos mesmos recursos destinados atualmente para consertar os efeitos deste desequilíbrio. Seria mais barato e inteligente evitar o “efeito bumerangue” e buscar uma lógica de desenvolvimento global com justiça social, onde os interesses das nações fossem administrados pela comunidade internacional de forma a viabilizar o crescimento conjunto. No entanto, o sonho de um desarmamento gradual e da extinção progressiva dos conflitos armados foi desmanchado com a seqüência de acontecimentos cercando os ataques terroristas. O mundo mergulha em sombria incerteza quanto ao futuro, enquanto enorme volume de energia e recursos são canalizados para os conflitos.

A arquitetura da mente humana é imperfeita e herda de nosso passado evolucionário como legado as disposições para a guerra e a vingança, o fanatismo suicida e o nacionalismo, com o agravante de que não manipulamos mais paus e pedras, mas sim armas atômicas, químicas e biológicas. Sabemos que poderíamos solucionar os problemas sociais do mundo se os recursos destinados a indústria bélica fossem remanejados dentro de uma ética de maior eqüidade, mas lamentavelmente, apesar de todo avanço científico e tecnológico, somos ainda conduzidos por impulsos primitivos e nos comportamos como primatas.

Resta a esperança no predomínio da capacidade de reflexão, também produto da evolução, só que muito mais recente e característica da linhagem hominídea. Assim como abrigamos nas profundezas de nossa mente tendências destrutivas, temos também o potencial de refletir e gerenciar nosso comportamento imprimindo a direção que se afigura como eticamente mais desejável. A irracionalidade dos impulsos discutidos pode ser cerceada pela análise reflexiva das conseqüências de ações extremadas. O futuro indicará se as contradições na estrutura mental humana nos conduzirão à ruína ou se a capacidade de refletir e avaliar o impacto de nossas decisões, uma aquisição evolucionária recente e ainda tênue frente ao vigor das disposições mais primitivas, sobrepujará os viéses de agressão e vingança que herdamos de nossos antepassados. Não somos inerentemente egoístas ou altruístas; temos o potencial para a destruição, mas também carregamos o instrumental para a grandeza.

Prof. Marco M. Calegaro, M.Sc. - Psicólogo Mestre em Neurociências - UFSC 1998 - Professor da Universidade Regional de Blumenau - Email: marcalegaro@terra.com.br

Ulemás redigem definição de terrorismo


Ulemás reunidos há seis dias em Meca (oeste da Arábia Saudita) deram hoje uma definição do "terrorismo", destacando que o Islã rejeita este fenômeno, com o qual é associado no Ocidente desde os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos. Em um comunicado ao término de sua reunião, os ulemás da Liga do Mundo Islâmico definiram o terrorismo como "toda agressão injustificável de indivíduos, grupos ou Estado contra um ser humano".

Esta definição engloba os atentados contra "a religião, a vida, o espírito, o dinheiro e a honra" do ser humano. Os ulemás afirmaram que a definição do terrorismo inclui "todo ato de violência ou de ameaça destinado a aterrorizar o povo ou à colocar sua vida ou sua segurança em perigo". "Prejudicar o meio ambiente, pôr em risco as instalações públicas ou privadas, ou os recursos naturais" também é considerado uma forma de terrorismo, segundo o comunicado que cita também "o assassinato e o vandalismo".

Eles afirmaram que a "jihad" (guerra santa) não pode ser associada ao terrorismo. Neste sentido, destacaram que o Islã legitimou "a luta contra a ocupação e a colonização e contra quem ajuda" os ocupantes. Os ulemás acreditam, além disso, que a luta contra "quem impede os muçulmanos de promover pacificamente sua religião" é uma forma de jihad.

No entanto, lembraram que as regras da jihad "proíbem o assassinatos de pessoas que não participem no combate, os velhos, as mulheres e as crianças inocentes, assim como os combatentes que se entreguam e os prisioneiros". Em sua opinião, as regras da jihad proíbem também os ataques contra "as instalações, as áreas e os imóveis que não estão relacionados à luta".

Além disso, os ulemás chamaram as minorias muçulmanas a "aceitarem as regras de sua casa e de cidadania destes países e a respeitar suas respectivas ordens públicas". Após os atentados de 11 de setembro, vários países árabes e islâmicos pediram à ONU para definir o termo "terrorimo" para evitar uma extensão da campanha antiterrorista aos grupos que lutam contra Israel.

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