ESPAÇO URBANO E CRIMINALIDADE – Lições da Escola de Chicago.
Wagner Cinelli de Paula Freitas
Editora Método
APRESENTAÇÃO
No Brasil vêem a Criminologia como um campo pertencente ao sociólogo, aproximando-se dela através do estudo do direito penal e processual penal. Estudam superficialmente a Escola Clássica, reconhecendo Cesare Beccaria e Jeremy Bentham como seus expoentes; a Escola Positiva, tendo como destaque principal Lombroso; com alguma sorte, terão ouvido falar de Durkheim e seu conceito de anomia e, talvez, Robert Merton com seu quadro referente aos modos de adaptação social. É como se a Criminologia tivesse parado em 1938, ano de edição da obra Social Structure and ‘anomie’, escrita por Merton, que é o mais novo dos cientistas sociais acima referidos. A bibliografia em português é bastante restrita, o que limita o acesso às obras mais atualizadas e que são publicadas em outros países.
A maior aproximação do sociólogo à Criminologia costuma ocorrer quando se interessa em estudar a violência, com ênfase nos direitos humanos.
É com o intuito de contribuir para o estudo e divulgação da Criminologia que escolhi explorar a relação entre espaço urbano e criminalidade, sob a ótica da Escola de Chicago, o que se deu por duas razões principais:
1) traz uma perspectiva criminológica que é desconhecida da massa de profissionais do direito e também cientistas sociais brasileiros em virtude de raramente ser mencionada nos respectivos cursos de graduação;
2) vivemos um momento em que o crime está na ordem do dia – e quando não esteve? – notadamente o tipo de criminalidade que tem por cenário o grande centro urbano, pelo qual o trabalho pioneiro da Escola de Chicago quanto ao tema, contribuem para uma melhor compreensão deste vasto e complexo universo que é a sociedade criminógena.
INTRODUÇÃO
A sociedade industrial moderna fez concentrar a população nas cidades. As mudanças não são apenas de ordem econômica, demográfica e espacial. Atingem os costumes, as interações sociais e as formas de controle social.
1 EFEITOS DA INDUSTRIALIZAÇÃO NAS CIDADES
1.1 Os Novos Citadinos
O crescimento acelerado de algumas cidades americanas contribuiu para tornar mais difíceis as condições de vida dos imigrantes e migrantes. Um dos problemas era a moradia.
(um dos problemas do crescimento acelerado das cidades, mesmo nos dias de hoje. Nota Wesley).
A grande cidade desta fase (1901/30), foi marcada por sérios problemas de infra-estrutura, agressões ao meio-ambiente e caos.
1.2 O Gueto
1.3 Cidade Grande, Mundo De Estranhos
O grande centro urbano se tornou palco de interações sociais que romperam com os instrumentos tradicionais de controle social.
Robert Park (PARK, 1925: traduzido por VELHO, O. O Fenômeno Urbano, 1979), já em 1915, constatava a ocorrência de modificações nas instituições que exerciam controle social em decorrência da urbanização: “A maioria de nossas instituições tradicionais, a igreja, a escola e a família, tem sido, sob as influências desintegrantes da vida citadina, grandemente modificada”, “...com o crescimento das grandes cidades, com a vasta divisão do trabalho que surgiu com a indústria mecanizada e com o movimento e a mudança decorrentes da multiplicação dos meios de transporte e comunicação, as velhas formas de controle social representadas pela família, vizinhança e comunidade local foram comprometidas e sua influência grandemente diminuída”.
Figueiredo Dias e Costa Andrade (1997), ao abordarem esse processo de urbanização: “Pelas suas dimensões sem precedentes, pela sua heterogeneidade étnica e cultural, pelo anonimato e atomismo da sua interação, a cidade moderna caracteriza-se pela ruptura dos mecanismos tradicionais de controle (família, vizinhança, religião, escola) e pela pluralidade, praticamente sem limites, das alternativas de conduta.”
O conceito de urbanismo como forma de vida baseia-se na idéia de que a vida na cidade combina impessoalidade com distância social.
A cidade grande é, como definiu Edward Krupat, um “mundo de estranhos”.
KRUPAT (1985): “...muitas pessoas que se vêem diariamente no ônibus ou na estação de trem, na lanchonete ou nos corredores do local de trabalho, nunca se tornam mais do que “estranhos familiares”.
É neste “mundo de estranhos” que surgem os primeiros conflitos do capital-trabalho.
1.4 Capital Versus Trabalho
1.5 As Novas Instituições De Controle Social
A impessoalidade e o anonimato marcaram a maioria das interações sociais que ocorreram no lócus urbano.
Com tantas e abruptas mudanças, as formas tradicionais de controle social se desvaneceram, passando este controle a ser exercido não mais na esfera privada, mas primordialmente na esfera pública. Os costumes perderam força coercitiva, que passou a ser exercida pela lei. O papel da família e da religião cedeu cada vez mais lugar à escola, pública em sua maioria, instrumento de reprodução da ordem social, e à polícia, instrumento de repressão aos que desafiassem esta ordem.
Há uma nova instituição que surgiu na cidade grande, especialmente entre os jovens das áreas ou classes menos favorecidas: a gangue.
O caminho à sua compreensão passa pelo estudo dos fenômenos urbano e industrial, bem como das interações e tensões sociais a envolver os que vêm a integrá-las.
1.6 Uma Cidade Nasce Das Fábricas
Manuel Castells (CASTELLS, 2002), diz que “é útil fixar os contornos históricos de um fenômeno antes de se iniciar a sua investigação”.
2 A CIDADE DE CHICAGO
2.1 Explosão Demográfica e Espacial
2.2 A Importância de Chicago
2.3 O Aumento da Criminalidade
Chicago, nesta fase de crescimento exponencial, enfrentava diversos problemas sociais: altas taxas de criminalidade e delinqüência, alcoolismo, prostituição e corrupção. A abrupta mistura de culturas aliada às péssimas condições de vida contribuíram para o aumento da criminalidade.
O aumento da criminalidade foi acompanhado por uma política pública de segurança voltada para a repressão, levada a cabo pelo aparelho policial.
Chicago se apresentou como paradigma de cidade americana a combinar explosão demográfica e heterogeneidade. Chicago, cidade dos imigrantes, dos migrantes, da indústria, das oportunidades, da diversidade e do caos. Chicago da rebeldia, das gangues, do crime organizado, de Al Capone, dos movimentos sociais, das greves, do Primeiro de Março.
3 A ESCOLA DE CHICAGO
3.1 Fundação da Universidade e do Departamento de Sociologia
A denominada “primeira Escola de Chicago” compreende o período de 1915 a 1940.
Quando nos referimos à Escola de Chicago, especialmente à sua primeira fase, estamos a falar de uma tradição marcada pelo pragmatismo filosófico, pela observação direta da experiência e pela análise de processos sociais urbanos.
A obra de seus sociólogos é caracterizada por três vertentes principais (MARSHALL, 1998):
1) o trabalho de campo e o estudo empírico;
2) o estudo da cidade, a envolver problemas relativos à imigração, delinqüência, crime e problemas sociais, o que se relaciona diretamente com a teoria ecológica, tendo Robert Park, Ernest Burgess e Roderick McKenzie seus maiores expoentes;
3) uma forma característica de psicologia social, oriunda principalmente do trabalho de George Herbert Mead, que veio a ser denominada interacionismo simbólico.
3.2 Os Sociólogos de Chicago e o Estudo da Criminalidade
As pesquisas conduzidas eram de um tipo geral, mas os estudiosos de Chicago estavam particularmente interessados em crime e delinquência no meio urbano.
Característica importante do trabalho dos sociólogos de Chicago foi a de terem reunido dados estatísticos e qualitativos que evidenciavam que o crime era um produto social do urbanismo, o que representou um novo enfoque teórico, pois, até então, as causas da criminalidade eram explicadas por diferenças individuais, biológicas (positivismo biológico) e psicológicas (positivismo psicológico).
O formalismo é um ramo da sociologia que tem por objetivo captar as formas subjacentes de relações sociais e, assim, fornecer uma espécie de geometria ou fórmula da vida social.
O pragmatismo é uma doutrina que toma por critério da verdade o valor prático. O pragmatismo rejeita a busca por uma verdade absoluta. Considera verdadeiro tudo o que pode ser feito com êxito.
3.4 A Cidade como Laboratório Social
Park pregava que a sociologia não estava interessada em fatos, mas em como as pessoas reagiam a eles. Este método é o da observação participante. Assim, o conhecimento tem por base não a experiência alheia, mas a própria experiência do pesquisador.
3.5 A Ecologia Humana
O ponto de partida da escola ecológica é que a criminalidade não é determinada pelas pessoas, mas pelo grupo a que pertencem.
Foi André-Michel Guerry quem apresentou o primeiro trabalho de ecologia social do crime através do uso de mapas para relacionar três elementos: crime, localidade e fatores sociais.
Estes pioneiros estudaram os efeitos de fatores demográficos, situacionais e ambientais sobre a criminalidade, tendo concluído que eram as condições da sociedade que causavam a criminalidade. (Einstadter & Henry, 1995).
A perspectiva ecológica considera que o comportamento humano é modelado pelas condições sociais presentes nos meios físico e social, condições estas que limitam o poder de escolha do indivíduo. Portanto a ecologia humana considera que a sociedade impõe limitações ao livre arbítrio.
A teoria ecológica se baseia na "perspectiva de vida coletiva como um processo adaptativo consistente de uma interação entre meio-ambiente, população e organização" (Hawley, 1986). Portanto, no estudo das causas da criminalidade, privilegia aspectos sociológicos ao invés de individuais. O comportamento humano é visto como sendo moldado por vetores sócio-ambientais. Assim, o crime não é considerado um fenômeno individual, mas ambiental, no sentido de que o ambiente compreende os aspectos físico, social e cultural da atividade humana. Daí muitos se referirem a esta corrente como positivismo sociológico. (Einstadter & Henry, 1995).
3.6 A Teoria das Zonas Concêntricas
Esta teoria é um diagrama da estrutura ecológica que "representa uma construção ideal das tendências de qualquer cidade a se expandir radialmente a partir de seu bairro comercial central" (Burges, 1925).
De acordo com a teoria de zonas concêntricas, a cidade é dividida em cinco áreas:
A Zona I é o bairro central, com comércio, bancos, serviços, etc. Burges chamou este distrito de "loop". A Zona II é a área imediatamente em torno da Zona I e representa a transição do distrito comercial para as residências. Normalmente, é ocupada pelas pessoas mais pobres. É chamada "zona em transição" ou, ainda, "zona de transição", a Zona III contém residências de trabalhadores que conseguiram escapar das péssimas condições de vida da Zona II, sendo composta geralmente pela segunda geração de famílias imigrantes. A Zona IV, chamada de suburbia, é formada por bairros residenciais e é caracterizada por casas e apartamentos de luxo. É onde residem as classes média e alta. A Zona V, denominada exurbia, fica além dos limites da cidade e contém áreas suburbanas no centro e despendem um tempo razoável no trajeto entre casa e trabalho.
3.7 O Caráter Criminogênico da Zona II
A Zona II normalmente é marcada por casas em péssimo estado de manutenção, infra-estrutura deficiente, pobreza, doenças, alcoolismo, restaurantes baratos, pessoas ociosas, novos imigrantes e baixo controle social. É na "área natural" a ser ocupada pelo recém-chegado à cidade.
O morador da Zona II, não cria ou evita criar vínculos com a área, o que é fator a contribuir para o baixo controle social desta localidade.
Em razão destas características, a hipótese de Park e Burgess era que a Zona II era a área da cidade na qual o crime e o vício floresceriam.
O fato destas pessoas não terem vínculos com a área cria condições para o florescimento do crime e do vício. (Wesley)
"Mais genericamente, a desorganização social se refere uma situação em que há pouco ou nenhum sentimento de comunidade, relações são transitórias, níveis de vigilância da comunidade são baixos, instituições de controle informal são fracas e as organizações sociais ineficazes." (Lanier & Henry, 1998)
O entendimento dos sociólogos de Chicago de que a miséria, a doença e a criminalidade encontradas nas favelas urbanas seriam produtos da desorganização social e não de um determinismo biológico. (Faris, 1967)
A questão do crime e da delinquência se tornou de interesse crescente dos sociólogos nos anos 20, em razão da onda de crimes decorrentes da resistência à Lei Seca. (Hobbs, 1997)
3.8 A Gangue
Robert Park, no artigo Juvenile Delinquency, reconhece que a delinquência não é primariamente um problema do indivíduo, mas do grupo.
Como ele destaca, a formação da gangue reflete uma dinâmica social, como, por exemplo, a busca da identidade em razão da modificação da cidade.
Segundo Trasher (Trasher, 1963), diversas crianças ingressam na gangue com idade de até 7 ou 8 anos e, iniciada esta associação, vivenciam uma evolução dramática, que as transforma, inicialmente, em gazeteiros, depois em menores infratores, posteriormente em criminosos ocasionais e, caso nada intervenha, chegam à vida adulta como criminosos profissionais ou gangsters. A gangue, portanto, é a gênese de muitos adultos que desenvolvem uma carreira criminosa.
No Brasil não me parece que esse fenômeno se dê de tal forma, através das gangues. (Wesley)
Quanto aos centros de recuperação de menores infratores, tornam-se lugares conhecidos dos membros da gangue e, embora criados para "reformar" estes jovens, acabam muitas vezes acelerando o processo de delinquência.
Nisso a sim, uma similaridade com o Brasil. (Wesley)
3.9 Testando a Hipóstes de Park e Burgess
Algumas das conclusões de Shaw foram:
a) quanto mais perto do centro da cidade, maior a taxa de crime;
b) as taxas altas de crime eram verificadas em áreas caracterizadas por deterioração do espaço físico e população em declínio;
c) apesar da composição da população da Zona II ter se modificado significativamente ao longo de trinta anos, altas taxas de crime persistiam nesta área.
As observações de Shaw sugeriam que os níveis de criminalidade eram determinados pela natureza da vizinhança e não pela natureza dos indivíduos que lá viviam. Este é o motivo pelo qual esta perspectiva passou a ser chamada de determinismo ambiental. (Muncie, 1999).
3.10 A Teoria da Delinquência por Transmissão Cultural
Shaw e McKay, partindo da ideia de "área de delinquência", formularam a teoria da delinquência por transmissão cultural.
Eles relacionaram a delinquência juvenil à teoria de desorganização social. Afirmavam que havia uma probabilidade maior da prática de crime numa comunidade com ausência de suporte comunitário, havendo probabilidade menor de sua ocorrência se os adolescentes tivessem apoio de seus pais, escola e/ou igreja.
A alta mobilidade verificada na área central da cidade fazia com que os residentes tivessem uma tendência a não se interessarem pelo que ocorria à sua volta, já que não pretendiam ficar ali por muito tempo.
Como dito no livro "A violência desce para a escola". (Wesley)
Concluíram que a delinquência juvenil era determinada pela situação econômica e pelo local em que se vivia e não por características étnicas.
A Escola de Chicago, ao reconhecer a existência de um determinismo ambiental, admitiu que as infrações penais decorriam de uma imposição do ambiente físico e social. A diminuição da criminalidade dependeria da intervenção, a se dar por meio de políticas públicas preventivas. ("em sua forma extrema, a ecologia social pode se tornar determinismo ambiental porque nega a intervenção humana." Einstadter & Henry, 1998).
Para Clifford Shaw, o caminho para a redução da criminalidade era a organização da comunidade, ou seja, uma via que guarda semelhança com a ideia de Park de difusão de playgrounds administrados por instituições ou com a ideia de Trasher de reorientação da gangue para alguma atividade socialmente relevante para a comunidade.
Quadro sinóptico da perspectiva ecológica - tabela 5
Ideia básica: a compreensão da sociedade humana através de sua analogia com a ecologia, especialmente a vida vegetal.
Natureza humana: o ser humano faz escolhas racionais, mas seu livre arbítrio está limitado pelo ambiente físico e social, do qual ele faz parte.
Visão da sociedade: a sociedade é um conjunto de comunidades humanas; a sociedade se baseia no consenso.
Leis: são regras da cultura dominante da sociedade e que são formuladas por suas instituições políticas.
Crime: é definido por lei.
Causas da criminalidade: desorganização social; diversidade étnico-cultural; transmissão cultural da delinquência.
Resposta à criminalidade: intervenção pela prevenção; técnicas voltadas à alteração do ambiente físico e social; programas visando aumentar o controle social nas áreas afetadas pela desorganização social.
Esse quadro é interessante, mas será que funciona mesmo? certamente já foi testado, aplicado, e obteve resultados? se sim, por que ainda persiste o quadro de criminalidade crescente nos grandes centros? (Wesley)
O declínio da Escola de Chicago ao longo dos anos 30 é atribuído a diversos fatores, sendo o principal deles a ausência de Robert Park, que era considerado uma figura gregária. Park aposentou-se em 1934.
A teoria ecológica foi perdendo espaço nos estudos desenvolvidos a partir do final da década de 30, que passaram a adotar uma concepção sócio-econômica da cidade. Alguns dos novos estudos não são propriamente uma negação da perspectiva ecológica, mas seu aprofundamento, pois nela têm raízes.
4 TEORIAS SÓCIO-ECONÔMICAS DA CIDADE
O caso da análise dos padrões irregulares das áreas urbanas, apresentada por Maurice Davie, em 1937, que rejeitava a teoria das zonas concêntricas, propondo que as áreas naturais da cidade eram formadas de acordo com diversas categorias e critérios sociais como renda e nacionalidade, entre outros. A seu ver, qualquer que fosse o critério, jamais se chegaria a padrões de círculos concêntricos.
4.1 A Teoria dos Setores
Foi diretamente influenciada pela teoria das zonas concêntricas. Surgiu na monografia The Strucure and Growth of Residential Neighborhoods in American Cities (1939), do economista Home Hoyt.
Na perspectiva de Hoyt, a cidade não se desenvolvia em círculos concêntricos, mas em setores, sendo cada um caracterizado por uma atividade econômica diferente. Para Hoyt, o principal uso do solo a ser considerado em sua análise é o residencial, apresentando "a estrutura de áreas sociais da cidade através do critério da caracterização dos grupos sociais que as habitam pelas suas categorias de renda" (EUFRASIO, 1999).
4.2 A Teoria Multinuclear
A teoria Multinuclear ou Polinuclear, ou ainda, dos núcleos múltiplos (multiple nuclei theory) foi apresentada pelos geógrafos Chauncy D. Harris e Edward L. Ullman.
Esta teoria foi uma expansão da teoria das zonas concêntricas e da teoria dos setores e baseava-se na idéia de que a cidade não possuía um único centro comercial, mas vários minicentros. Entendiam que atividades similares localizavam-se em uma mesma área, com o que surgiam minicidades dentro da cidade.
4.3 A Ecologia Fatorial
Os sociólogos Eshref Shevky e Wendell Bell apresentaram no livro Social Area Analysis, publicado em 1995, onde há três fatores básicos e que estão presentes na estrutura de qualquer cidade, que são: status familiar, econômico e étnico.
A ecologia fatorial conseguiu conjugar três teorias: a ecológica, que serviu para explicar a distribuição da população na cidade de acordo com o status familiar; a dos setores, que explicou esta distribuição populacional conforme o status econômico; e a multinuclear, a dar conta da ocupação territorial da cidade consoante o status étnico.
Os idealizadores destas teorias não pertencem à Escola de Chicago, mas se valeram do trabalho de Burgess para desenvolverem suas próprias teorias.
5 TEORIA ECOLÓGICA VIDA APÓS A CRÍTICA
5.1 A Crítica
A Escola de Chicago foi pioneira na área de estudos urbanos e, com seu trabalho, abriu espaço para muitos estudos subsequentes sobre a relação entre crime e espaço urbano.
A ecologia humana de Park foi criticada por Milla Alihan (1938), que não concordou com o uso das metáforas com as plantas para se explicar a sociedade humana. A analogia com as plantas não levava em consideração elementos importantes como, por exemplo, tecnologia, classe e poder. Edward W. Soja, considera que o modelo ecológico da cidade ressente a falta do fator capital-trabalho.
"A ausência mais incrível nesta modelagem de espaço urbano foi a do progresso de industrialização e seu impacto formativo na geografia urbana..." (SOJA, 2000).
William Whyte (1943), sustenta que a comunidade italiana de um subúrbio de Boston seria desorganizada tomando-se por base o conceito de normalidade da sociedade americana, mas que aquela comunidade italiana também era organizada, consoante seus próprios padrões.
David Matza (1969), considerou que a Escola de Chicago escreveu sobre desorganização quando na verdade estava descrevendo diversidade (DOWNES & ROCK, 1998).Esta é a razão pela qual Matza e outros pesquisadores abandonaram o conceito de desorganização social em favor do conceito de diversidade cultural.
Outra crítica à Escola de Chicago foi a de que ela teria simultaneamente desenvolvido duas noções contraditórias de causa de crime. O comportamento individual determinado pela desorganização social, mas também como estando imbuído de um elemento de liberdade de ação.
Einstadter e Henry (1995) destacaram que uma das críticas mais cruciais ao conceito de desorganização social era a de ser ao mesmo tempo a descrição de uma condição e a causa desta mesma condição, isto é, o crime era produto da desorganização social. Como consequência, a explicação de desorganização social era "uma tautologia", ou seja, uma repetição inútil de uma mesma ideia em termos diferentes.
Uma crítica contundente à teoria ecológica foi a de que esta simplifica a análise etiológica da delinquência, pois não explica a criminalidade produzida fora das áreas consideradas delitivas e nem as condutas não-delitivas que ocorrem nestas áreas.
5.2 O Renascimento da Teoria Ecológica
A ecologia humana ganhou novo impulso na Inglaterra na década de 70 e nos Estados Unidos a partir dos anos 80, notadamente devido a dois fatores principais: a) a redescoberta do crime; e b) as estatísticas sobre criminosos.
Nos anos 70, diversas correntes criminológicas transferiram o foco do infrator para a infração penal. Esta mudança incluía pesquisas de vitimização de larga escala, assim como os primeiros trabalhos da unidade de pesquisa do governo britânico (Home Office Research Unity) sobre "crime como oportunidade" (crime as opportunity), que levaram à perspectiva criminológica denominada "prevenção situacional do crime" (situational crime prevention), desenvolvida por Ronald Clarke.
É uma teoria do controle baseada na ideia de que o crime pode ser melhor prevenido de duas formas: a) reduzindo-se as oportunidades de se cometer crime, e que estão disponíveis no ambiente; e b) aumentando-se os riscos da atividade criminosa.
Posteriormente (1985), Ronald Clarke, em conjunto com Derek Cornish, desenvolveu a "teoria da escolha racional", baseada na prevenção situacional do crime, partindo da ideia de Gary Becker de que as pessoas realizam decisões racionais, de natureza econômica, quando escolhem entre a prática ou não do crime.
O Segundo fator para o ressurgimento da teoria ecológica na década de 70 relaciona-se às estatísticas sobre criminosos. O precursor desta fase foi Terence Morris, 1957. Morris mostrou que o índice de residências de criminosos naquela região não se adequava bem à teoria de zonas concêntricas de Burgess em razão de Croydon ser predominantemente residencial.
Morris não concordou com a avaliação de Shaw e McKay de que áreas de alta taxa de crime continuavam a gerar crimes mesmo que houvesse alteração quanto aos seus habitantes. A conclusão de Morris foi de que não é apenas a área que leva alguém a cometer crime e que "os processos ecológicos naturais de seleção e que se manifestam no ciclo de invasão-dominação-sucessão estão sujeitos a serem severamente modificados por políticas sociais" (MORRIS, 1957).
John Baldwin e Anthony Bottoms, publicado em 1976 sob o título The Urban Criminal. Nesta pesquisa, constatou-se que, de fato, havia criminosos residentes na área central de Sheffield, porém, o modelo zonal de Chicago não se aplicava bem a esta cidade, eis que havia altas e baixas concentrações de residências de criminosos espalhadas pelas várias áreas da cidade. A área de residência do criminoso não seria necessariamente a área onde ocorria o crime.
Posteriormente, Bottoms conduziu em conjunto com Paul Wiles outra pesquisa influente, publicada em 1986 (Housing Tenure and Residential Community Crime Careers in Britain, in A.J. Reiss e M. Tonry, eds. (1986), Communities and Crime. Chicago, Illinois: University of Chicago.), tendo concluído que "na Grã-Bretanha, a chave para se entender as carreiras criminosas desenvolvidas nas comunidades residenciais está nas operações do mercado imobiliário". (BOTTOMS & WILES, 1997).
Susan Smith, seguindo a linha dos criminologistas britânicos, verificou haver uma concentração de criminosos residindo na área pobre adjacente ao centro da cidade, tendo concluído que a alta concentração de criminosos naquela área se dava em razão da distribuição desigual da riqueza e da oportunidade.
Esta mudança de perspectiva, transferindo-se o foco do criminoso para o crime, bem como a atribuição de importância ao mercado imobiliário, contribuiu para o ressurgimento da criminologia ambiental dos anos 70. Uma novidade neste renascimento da ecologia é que as revisões da teoria ecológica passam a levar em consideração a importância dos fatores político e econômico na análise sobre áreas criminogênicas.
5.3 Influenciando Outras Perspectivas
5.3.1 Teoria Estrutural-Fucionalista do Desvio e da Anomia.
A relação da Escola de Chicago com a teoria estrutural-funcionalista do desvio e da anomia (strain theory) está na gênese de ambas, posto que influenciadas pelo trabalho de Émile Durkheim. A ideia durkheimiana da anomia é a origem da concepção de desorganização social e que foi desenvolvida pelos sociólogos de Chicago, como também é a origem do conceito de patologia social.
A Escola de Chicago foi responsável por apresentar a ideia de crime como um fenômeno social - em contraposição à teoria clássica, ao positivismo biológico e ao positivismo psicológico.
5.3.2 Teoria da Associação diferencial
Desenvolvida por Edwin Sutherland (1913), para quem o crime não é causado nem por característica da personalidade do criminoso e nem pelo ambiente, mas decorre do aprendizado, ou seja, a conduta criminosa é aprendida assim como qualquer outro comportamento, aprendizado este que ocorre na interação com outras pessoas através de um processo de comunicação.
5.3.3 Teorias Culturais e Subculturais
5.3.4 Teoria do Aprendizado Cultural
Sustentam que o aprendizado também pode ocorrer através de interações diretas com o meio, independentemente de associações com outras pessoas. (VOLD, BERNARD & SNIPES, 1998)
5.3.5 Prevenção do Crime Através do Desenho Ambiental
Usualmente referida como CPTED - Crime Prevencion Through Environmental Design -, considera que o desenho arquitetônico de prédios e áreas públicas previne a ocorrência do delito, influindo no índice de criminalidade. Oscar Newman (1972) combinou noções de antropologia e arquitetura, associando-as ao conceito de vigilância. O espaço defensável se apoia na noção psicológica de territorialidade, noção esta que faz com que as pessoas desejem cuidar e guardar o que é seu (Rock, 1997), ou seja, a prevenção do crime se dá através do desenvolvimento de sentimentos de territorialidade entre residentes de uma mesma área através do autopoliciamento (Lanier & Henry, 1998).
5.3.6 Teorias do Controle
Têm por fundamento a ideia de que qualquer pessoa é um criminoso potencial, sendo a oportunidade da prática do crime a maior incentivadora da atividade criminosa. São as formas de controle que evitam que a maioria das pessoas cometa crime. Aqueles que praticam crime o fazem em virtude da fragilidade das forças de controle que estão em operação.
Diversas são as teorias do controle, que receberam influência da teoria ecológica. As teorias do controle consideram a variável "espaço". São elas:
a) teoria das atividades de rotina (1979), que entendem o crime como produto de três fatores conjuntos e que se aliam a certos momentos e lugares: um infrator motivado, uma vítima potencial e a ausência de um guardião capaz;
b) prevenção situacional do crime (1980) e teoria da escolha racional (1985);
c) a denominada tese das janelas quebradas (broken windows), de James Q. Wilson e George L. Kelling (1982), que, em síntese, preconiza que uma simples janela quebrada é um sinal de que ninguém se importa ou cuida daquele imóvel e isso leva a outros danos e que uma situação individual de desleixo pode contaminar toda uma área, que entra numa espiral de deterioração tanto física quanto das relações sociais de que é palco (O artigo Broken Windows foi publicado no Atlantic Monthly, março de 1982). A tese das janelas quebradas é o fundamento teórico da chamada política de tolerância zero, segundo a qual o combate às contravenções e aos delitos menores leva a uma redução substancial do nível de criminalidade. (Burke, 1998)
Outra teoria do controle (1985), as causas do crime dependem de três elementos, que são:
a) fatores constitucionais (idade, sexo, inteligência, tipo físico e personalidade);
b) presença ou ausência de controladores de comportamento (a influir na equação custo-benefício do crime);
c) natureza da consciência (a variar de acordo com a constituição individual e o processo de aprendizagem de cada um).
Wilson e Hernstein colocaram seu foco em explicações sociobiológicas da criminalidade, com ênfase em ser o crime um fenômeno urbano.
Estudos sobre a interação da vida nos bairros pobres, métodos inovadores de pesquisa sociológica, como, por exemplo, história de vida, observação participante, o conceito de desorganização social e o compromisso com o desenvolvimento de políticas sociais em relação ao crime e à delinquência são contribuições da Escola de Chicago que têm influenciado uma série de estudos urbanos empíricos e também perspectivas criminológicas. (Heidensohn, 1989).
Os estudos e pesquisas na área da Criminologia, apresentam fatos sobre o crime:
1) o crime é desproporcionalmente praticado por pessoas que moram nos grandes centros urbanos;
2) o crime é desproporcionalmente praticado por pessoas que experimentam alta mobilidade residencial e que residem em áreas assim caracterizadas;
3) pessoas jovens que se relacionam com delinquentes ou criminosos estão mais sujeitas a se envolverem com a prática de crime.
Os dois primeiros fatores reforçam a intensa relação entre o fenômeno urbano e a criminalidade, ou seja, o caráter criminógeno da cidade, que é a tese central da Escola de Chicago ((Figueiredo Dias & Costa Andrade, 1997). O terceiro achado encontra ressonância na ideia-base do interacionismo simbólico.
6 ANÁLISE DAS CIDADES BRASILEIRAS PELA ÓTICA DOS SOCIÓLOGOS DE CHICAGO
6.1 Aplicação da Teoria das Zonas Concêntricas às Cidades Brasileiras - Dificuldades
Uma tentação para o pesquisador é buscar aplicar a teoria das zonas concêntricas às grandes cidades brasileiras. Entretanto, há dificuldades. A primeira delas é a diferença quanto a aspectos econômico-industriais.
Como industrialização e urbanização costumam caminhar juntas, a nossa diferença em relação aos EUA foi confirmada pelo fato da população brasileira concentrar seu maior número nas cidades apenas aproximadamente em meados de 1960, enquanto nos Estados Unidos este processo se verificou já em 1920.
Nossa urbanização, relativamente recente, tem número significativo da população em áreas rurais.
O Brasil, distintamente dos EUA e Europa, viveu um processo de industrialização desacompanhado de reforma agrária.
Outro fator a dificultar a aplicação da teoria das zonas concêntricas às cidades brasileiras decorre do subúrbio aqui, diversamente do que ocorre nos Estados Unidos, se tratar de área pobre. Quanto mais periférico o lugar, mais empobrecido. Logo, quanto mais distante o local, mais propício a se destinar às residências dos mais pobres, que estão afastados da base da pirâmide social, por serem mais baratas ou até mesmo gratuitas. As pessoas das classes média e alta, a seu turno, instalam suas residências levando em conta uma maior proximidade em relação ao centro comercial, local de trabalho da maioria delas.
Nas grandes cidades litorâneas, o centro se desenvolve a partir do litoral e, os mais favorecidos também residem nos bairros praianos próximos do centro. Esta diferença relativamente ao subúrbio inviabiliza a aplicação do modelo sazonal de Burgess à nossa realidade.
Uma terceira dificuldade está no fato de nossas maiores cidades não serem tão homogêneas entre si como o são algumas cidades americanas. No sentido de que comungavam dos seguintes fatores: industrialização, recebimento de grandes levas de imigrantes e crescimento acelerado da população e do espaço físico. As cidades brasileiras, à exceção de São Paulo e, em menor grau, do Rio de Janeiro, não vivenciaram tais eventos.
Brasília é uma cidade projetada e seus habitantes viveriam em moradias do mesmo tipo, as superquadras, de forma que, diversamente das outras cidades brasileiras, buscava-se evitar que as diferenças classistas se fizessem visíveis no espaço urbano, objetivo que não se atingiu se considerarmos a periferia de Brasília, composta por cidades satélites marcadas pela pobreza e, na linguagem dos sociólogos de Chicago, desorganização social. Outra característica única de Brasília é o fato de ter sido construída exclusivamente com verbas públicas (Brefe, 1995).
São Paulo tem características que a fazem única. É o principal centro industrial e financeiro. É a cidade brasileira que mais se aproxima das americanas quanto à reunião dos fatores imigração, industrialização e crescimento rápido.
Exemplo emblemático de cidade recheada de peculiaridades, especialmente quanto ao seu espaço é o Rio de Janeiro, que possui muitos morros. Residem nos morros ou o pobre ou o rico.
6.2 O Surgimento de Área Semelhante à Zona V do Modelo de Burgess nas Cidades Brasileiras
Uma tendência surgida há aproximadamente 25 anos é o deslocamento de número significativo de pessoas para condomínios de luxo situados em áreas distantes do centro comercial principal, condomínios estes que se assemelham a cidades. São cercados por muros e dotados de monitoramento de seus espaços por circuito de tv e vigilância permanente. É o caso, em São Paulo, de Alphaville e, no Rio de Janeiro, de condomínios situados na Barra da Tijuca.
Este tipo de condomínio pode ser encontrado a partir de meados da década de 70 se adequa á denominada área dos commuters da teoria das zonas concêntricas de Burgess, que é a Zona V. A solução para vencer a distância até o centro é a disponibilização de linhas de ônibus com ar-condicionado, exclusivas para os residentes destes condomínios.
Manuel Castells explica que o aumento das tensões sociais e a decadência da cidade são as causas que levam as elites a se agruparem em comunidades fechadas. Este emuralhamento dos mais favorecidos foi, no final dos anos 90, um fenômeno mundial (Zakabi, 2002).
A antropóloga Teresa Pires do Rio Caldeira, confirma o comentário de Castells e explica: "A violência e o medo combinam-se a processos de mudança social nas cidades contemporâneas, gerando novas formas de segregação espacial e discriminação social...".
Os discursos sobre o medo que simultaneamente legitimam essa retirada e ajudam a reproduzir o medo encontram diferentes referências. Também incorporam preocupações raciais e étnicas, preconceitos de classe e referências negativas aos pobres e marginalizados.
"... As formas de exclusão e encerramento sob as quais as atuais transformações espaciais ocorrem são tão generalizadas que se pode tratá-las como parte de uma fórmula que elites em todo o mundo vêm adotando para reconfigurar a segregação espacial de suas cidades" (Caldeira, 2000).
Condomínios fechados:
1) são propriedade privada para uso coletivo;
2) enfatizam o valor do que é privado e restrito ao mesmo tempo em que desvalorizam o que é público e aberto na cidade;
3) são fisicamente demarcados por muros, grades, espaços vazios e detalhes arquitetônicos;
4) são voltados para o interior e não em direção à rua;
5) são controlados por guardas armados e sistemas de segurança, a impor regras de inclusão e exclusão;
6) são flexíveis, podendo se situar praticamente em qualquer lugar, em razão de sua autonomia e independência em relação ao seu entorno (Caldeira, 2000).
Ao mesmo tempo em que se multiplicam estas formas de enclaves fortificados, as grandes cidades brasileiras vêm apresentando um aumento no número de favelados, o que evidencia o aumento da distância social entre as classes que as habitam.
O grupo dos residentes em favelas, a despeito de toda ordem de problemas que vivenciam, o que envolve infra-estrutura precária e escassez de serviços, está melhor situado na estrutura urbana do que as populações chamadas de rua, tais como os sem-teto, mendigos e meninos e adolescentes de rua. Quando um morador de favela é desalojado de sua casa, perde um aspecto relevante de sua identidade e posição sociais, perde seu local de referência.
Os mais favorecidos se isolam dos demais através de uma fragmentação do espaço social. Esta polarização faz aumentar a distância social entre os dois grupos e, como adverte o criminologista Nils Christie, é a distância social que aumenta a tendência de que certas condutas sejam criminalizadas (Christie, 1994), o que se explica pelo fato da polarização social fazer aumentar o desconhecimento sobre "o ooutro".
Segundo a socióloga Saskia Sassen (2001), vivemos uma época de valorização de trabalhadores altamente especializados e que, portanto, recebem altos salários e, de outro lado, há uma desvalorização de outras atividades e respectivos trabalhadores.
6.3 Observando Processos: A Privatização do Espaço Público, um Fenômeno Crescente
Diversas ruas vêm sendo "fechadas" por seus moradores, especialmente as do tipo "sem saída", através da colocação de guarita e vigia particular para controlar entrada e saída das pessoas naqueles trechos. Moradores contratam vigias para suas ruas. Multiplicam-se as empresas de segurança privada.
No Brasil, muitos dos vigias de rua e vigilantes de empresas privadas, de segurança ou não, são policiais, civis e militares, que têm nesta atividade particular o seu segundo emprego.
Este quadro de envolvimento de policiais com esta atividade coloca em xeque um aspecto ético profissional que ultrapassa a problemática do público-privado, que é a seguinte questão: até que ponto sua baixa eficiência no serviço público garante mais mercado e melhores rendimentos à sua atividade privada?
Ainda sobre a privatização do controle social, registra-se que cresce em escala global um movimento de privatização das prisões, iniciado nos Estados Unidos em 1976.
A Wackenhut Corrections Corporation, em seu relatório anual de 1994, faz referência ao desenvolvimento, na América do Sul, de um mercado favorável às prisões privadas (Nathan, 1995).
Neste processo de privatização sobra para os mais pobres um sistema de saúde e previdência que os demais já substituíram por planos de saúde privados e previdência privada, que são muito superiores em qualidade e vantagens. Também sobra para os mais pobres uma escola pública deteriorada pela falta de professores e de investimento. A classe média, que no passado tinha seus filhos ocupando as carteiras da escola pública, hoje se vale do ensino privado, reconhecidamente de melhor qualidade. Os menos favorecidos têm à sua disposição áreas públicas para seu lazer que, além de não serem muitas, pouco oferecem, ao contrário dos clubes, dentro ou fora de condomínios, parques temáticos e outras formas de lazer pago que estão disponíveis aos que estão melhor situados na escala social e econômica.
Vê-se, assim, que a forma de ocupação dos espaços da cidade está diretamente relacionada às interações sociais.
Ainda que se encontre restrição à utilização da teoria ecológica às cidades brasileiras, a reflexão sobre o tema certamente haverá de contribuir para se conhecer melhor o fenômeno urbano, seja através do estudo da Escola de Chicago pelo viés da ecologia humana, que foi o principal foco de atenção deste trabalho, seja pelas suas duas outras linhas importantes, que são as ideias de Louis Wirth sobre urbanismo como forma de vida e o interacionismo simbólico.
7 CONCLUSÃO
A Escola de Chicago, em razão de suas contribuições para a compreensão da criminalidade e especialmente da relação desta com o espaço urbano, ocupa posição de destaque na história da sociologia do crime, da delinquência e do controle social.
O importante é contribuir para o entendimento deste pedaço tão intrincado e precioso da realidade social que é o crime.
A criminalidade que eflui com maior vigor de uma sociedade onde os laços sociais estão menos coesos e suas instituições contam com baixo índice de credibilidade junto à população.
A melhor compreensão do fenômeno urbano torna possível o desenvolvimento de políticas públicas de forma que o Poder Público chegue, como lhe compete, à totalidade dos espaços da cidade, diminuindo, com isso, a exclusão social e, consequentemente, a criminalidade dela decorrente e que com frequência vitima estes próprios excluídos. Com uma cidade mais urbana, planejada, pensada e repensada, bem como portadora de maior diversidade e com menor segregação, a consequência será uma população mais feliz.
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