Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o secretário fala de PCC, UPP e dos 6 anos à frente da Segurança do Rio.
Matéria disponibilizada dia 02 de dezembro de 2012
Por: Marcelo Beraba, Márcia Vieira, Marcelo Gomes / RIO - O Estado de S.Paulo
O secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, continua insatisfeito com o ritmo dos programas sociais e serviços públicos nas favelas das 28 Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). O balanço que faz dos quatro anos do programa - iniciado em dezembro de 2008 com a ocupação da Favela Dona Marta, na zona sul - é positivo, mas carregado de críticas e autocríticas. Ele reconhece que a prefeitura vem trabalhando, mas muito lentamente.
Beltrame não vê semelhanças entre a criminalidade no Rio e em São Paulo. As facções criminosas do Rio não têm a organização que ele percebeu no Primeiro Comando da Capital (PCC) nos tempos em que, como policial federal, investigou o grupo.
O secretário chama a atenção para um problema que parece fora de controle em várias cidades brasileiras: o crack. E diz não ter dúvidas de que a internação compulsória dos dependentes é necessária.
Gaúcho de Santa Maria, quando terminar o governo Sérgio Cabral vai continuar no Rio, onde casou e nasceu seu terceiro filho. Mas quer descansar do serviço público. Aos 55 anos - seis à frente da secretaria-, cogita experimentar a iniciativa privada. "Vocês não imaginam o que é a burrice do serviço público."
Na quarta-feira, ele conversou com o Estado em seu gabinete. No dia seguinte, deixou-se fotografar no Morro da Providência, primeira favela do Rio e em grande transformação desde que ganhou UPP.
O senhor vem batendo na tecla da velocidade diferente entre implantação das partes policial e social nas favelas pacificadas. O que está faltando?
Não é um problema fácil de resolver. As instituições me dizem que estão fazendo. Sei que eles têm de atender a cidade inteira. Mas onde se fez UPP tinha de ser prioridade. Porque você mostra ao morador que é melhor estar do lado do Estado que do traficante.
A 1ª UPP está completando quatro anos. Ainda é muito lenta a contrapartida da prefeitura?
Não tenha dúvida. A gente está entregando outra cidade para a cidade. Aquilo ali só existia para ir lá pedir voto e entregar cesta básica. Agora têm de ir lá fazer outras coisas.
Essa lentidão na prestação de serviços públicos é igual em todas as comunidades?
Mais ou menos em todas. Teve uma participação grande da prefeitura no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro. Não sei se pelo impacto na mídia. Eles estão fazendo, mas é muito lento. A figura do comandante (da UPP) passou a ser a figura do prefeito. E eu não quero isso. O morador fala para ele de lixo, água, som alto. E não é papel dele. O papel dele é a garantia da paz e liberdade de ir e vir das pessoas.
A meta segue sendo 40 UPPs até 2014?
Vai dar para fazer um pouquinho mais. A gente agora vai pegar a Avenida Brasil (principal eixo do centro à zona oeste) e ir até Campo Grande. Tenho de fazer (Vila) Kennedy, Dezoito, Lagartixa, Vila Vintém.
Moradores da Baixada reclamam da migração de bandidos de favelas com UPPs. Como o senhor vê isso?
A gente sabe. Também vamos chegar à Baixada. As pessoas perguntam: "E aí secretário? O que vai fazer?". O que vou fazer - e entendo que seja perene - é a ocupação. Precisamos nos preparar (para novas ocupações). Tem migração? Tem, mas não é significativa. Consequentemente, o impacto na criminalidade não é significativo. Mas por que ocorre (sensação de insegurança)? Na minha concepção, porque PM e Polícia Civil não estão trabalhando bem. Falta supervisão, leitura de mancha criminal, estudar melhor a colocação do policiamento
O tipo de facção que existe no Rio é mais fácil de combater que o PCC?
Primeiro, eu tenho problema de sobra aqui no Rio para falar de São Paulo. Do Rio, dá para eu falar. Aqui temos três facções criminosas, que não têm boa organização. O que de certa forma permite algumas ações com bons resultados da polícia. Eu sempre disse que o crime organizado no Rio não está no tráfico de drogas e armas. Está na milícia e no crime financeiro. Não temos aqui algo cartelizado, como no sistema mexicano, em que as pessoas sentam, conversam e usam territórios. O que eu sei do PCC é da época em que trabalhei em Porto Alegre, quando eles tentaram assaltar uma agência do Banco do Brasil. Eram muito organizados. Hoje não sei como está. Porque o que tem aqui já toma o meu tempo, né?
Mas há sinais do PCC no Rio?
Em documentos de inteligência tem isso, mas não como alguma coisa substanciosa.
Salvador, Florianópolis e São Paulo têm vivido situação conturbada. O senhor vê conexão com o Rio?
Não. Para mim, são ações diferentes. Florianópolis entrou na oportunidade. Em São Paulo, tenho certeza de que eles sabem direitinho o que vão fazer. A polícia é bem estruturada. São Paulo não tem os problemas de infraestrutura da polícia que nós temos. Aqui temos de pegar o dinheiro, investir em infraestrutura e ainda desenvolver a polícia.
E o crack?
É um problema em que a União tem de entrar de cabeça. As pessoas não têm a dimensão do que significa. A Prefeitura do Rio vem fazendo um trabalho muito bom.
Quando o senhor chegou ao Rio já tinha muito crack?
Não dessa maneira. Mas passaram a vender droga casada. Você quer 5 quilos de cocaína, tem de levar 1 quilo de crack. Ele passou a ser consumido na favela. O viciado em crack é totalmente diferente do viciado em cocaína e maconha, que vai a Ipanema, cheira, depois vai dormir, tomar banho, beber copo de leite... O viciado em crack na quarta vez (que consome) não vai mais embora, já fica perto da boca. Por isso se vê uma legião - não gosto do nome - de cracudo. Mas não se vê legião de cheirador de cocaína nem de maconheiro. Isso já está de Norte a Sul. E vamos ter legiões de pessoas em alto nível de dependência. Essas pessoas em determinados lugares convivem com ratos, baratas. Não é questão de ser maior ou menor (de idade). É questão de direitos humanos e de cidadania.
O que cabe à polícia nesse caso?
À polícia cabe combater o fornecedor.
O senhor é a favor da internação compulsória de adultos?
Sou. Porque temos um preceito de cidadania, de direitos humanos, maior do que uma lei. A Constituição diz que é um direito do cara viver uma vida saudável.
O que aconteceu em São Paulo nessas últimas semanas é semelhante ao ocorreu no Rio há quatro, cinco anos?
É um pouco diferente. O Rio é muito peculiar. A história da segurança no Rio não é boa. Diria que não tem nada no mundo como o Rio. A topografia, a questão das pessoas segregadas economicamente. Onde é que tem armas longas no Brasil (como no Rio)? Não tem. Enquanto a gente tiver rédea, a gente vai. É importante prender, mas tem de tirar o poder que essa pessoa tinha financeira e territorialmente. O poder territorial acabou. E o poder financeiro? As pessoas cobram isso. Mas os traficantes não têm dinheiro no banco. Você não pega como pegou esse pessoal do mensalão. Vou pedir ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) a conta do FB (bandido que dominava a Vila Cruzeiro)? Não vai achar (risos). Esses caras usam mala, saco de dinheiro.
O senhor já transferiu seu título de eleitor para o Rio?
Está dormindo em Santa Maria (RS), em berço esplêndido (risos). Tá mofadinho. Deixa quieto lá.
Mas dá tempo ainda de transferir para o Rio e se candidatar na eleição para governador em 2014.
Tempo, tem. Deixa ele lá.
A pressão é muito grande para o senhor se candidatar...
É boa a pressão. Mas não dá, não é para mim. Sem condições.
Já que o senhor não quer se candidatar, o que pretende fazer?
Não sei. Tenho curiosidade de tentar algo na iniciativa privada. O serviço público é uma coisa que cansa tanto! Vocês não imaginam o que é a burrice, a burocracia do serviço público. E essa questão de a gente ser vigiado. Não que a gente não tenha de ser. Mas eu preferiria prestar contas semanalmente a um tribunal a ficar respondendo "por que essa mesa tem de ser marrom?", achando que todo mundo é ladrão e o menor preço é a melhor coisa da face da Terra. Eu tinha vontade de fazer alguma coisa onde o que a gente pensa pudesse se realizar na prática de uma maneira mais rápida. Existe isso? Ano que vem, vou fazer o curso para classe especial de delegado da PF, depois me aposento. Aí vou cuidar da vida.
O senhor continuaria na Secretaria de Segurança caso o governador Sérgio Cabral (PMDB) faça de seu vice, Luiz Fernando Pezão, sucessor?
Acho que todos nós temos um prazo de validade.
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