Este artigo trata de analisar as políticas de segurança pública no âmbito do Estado Constitucional
pós-1988 e da Constituição Federal que define o serviço de segurança pública e prevê as instituições diretamente responsáveis por sua promoção. O objetivo é fazer uma análise acerca das políticas públicas de modo conceitual geral e específico no âmbito da segurança pública no Brasil.
1. Sobre políticas públicas
Antes de se adentrar na análise operacional das políticas públicas de segurança faz-se necessário definir conceitualmente o que é política pública. Política pública, em linhas gerais, se adequa ao uso do termo em inglês policy como sendo programas de ações governamentais concretos, direcionados técnica e administrativamente com o objetivo de atender a uma demanda social existente. O estudo de uma política pública de segurança na perspectiva teórico-crítica implica o enfrentamento da tensão decorrente da necessidade de uma postura objetiva nas práticas investigativas, aliada a um comprometimento político com a luta pela construção de alternativas sociais significativas, que resultem na incolumidade física e na tranqüilidade das pessoas (BUCCI, 2001).
Partindo desses pressupostos, política pública pode ser entendida como: 1) algo que o governo opta em fazer ou não, em face de uma situação; 2) a forma de efetivar a ação do Estado por meio de investimentos de recursos do próprio Estado; 3) no caso de admitir delegar ao Estado a autoridade para unificar e articular a sociedade, as políticas públicas passam a ser um meio de dominação; e, 4) ao mesmo tempo em que uma política pública se constitui uma decisão também supõe certa ideologia da mudança social, esteja explícita na sua formulação ou não. Para que uma política pública alcance ao atendimento de uma demanda social ela precisa de planejamento desenvolvimento e fiscalização. Esta última deverá ser feita, sobretudo pelos Conselhos Comunitários de Segurança - CCS formados por membros da sociedade civil e o Ministério Público.
Sabe-se que num Estado Democrático de Direito ser cidadão significa gozar de todos os seus direitos previstos nos diversos dispositivos legais. Neste caso, a segurança pública está, indispensavelmente, incluída nesses direitos, conforme delineia a própria Constituição Federal – CF (Art. 6º), do País e faz parte da construção da cidadania A cidadania é o primeiro direito dos quais todos os outros se derivam. Não deve ser outorgada ou tutelada pelo Estado, mas conquistada dentro de um agir coletivo da sociedade por meio de reivindicações e exigências legais e legítimas perante o poder público. Neste caso, a cidadania faz parte, inexoravelmente, dos direitos fundamentais da pessoa humana (ARENDT, 1987). É através da efetivação de políticas públicas sociais que há a concretização desses direitos.
Com efeito, a política pública de segurança tem demonstrado que é ineficiente pelos inúmeros fatores acima elencados, deixando clara a necessidade de reformas nessa área e, concomitantemente em outras áreas de garantias sociais aos quais estão vinculadas à segurança pública. Todavia, não se coaduna com a política de segurança pública repressiva de combate a todo custo que, muitas vezes, é aplicada por ocasião de ocorrência do aumento da violência e da criminalidade que abalam a estrutura das elites brasileiras. É preciso reforma não só nos organismos policiais, mas no judiciário e, urgentemente, no sistema penitenciário brasileiro que é degradante, desumano e não cumpre a Lei de Execução Penal – LEP (LEI Nº. 7.210, de 11/07/1984).
Os Manuais de técnicas policiais e jurídicos definem segurança pública como uma condição concreta que o indivíduo alcança quando o Estado legal proporciona garantia e preservação de seus direitos e liberdades individuais, como o de propriedade, o de locomoção, o de proteção contra o crime em todas as suas formas. Esta é a parte operacional de proteção civil. Todavia, essa proteção civil somente ocorrerá se a proteção social como equilíbrio e segurança a comunidade, seguridade social, preservação do capital, do trabalho, enfim, realização concreta dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e coletivos também forem garantidos, efetivamente pelo Estado constituído (LAFER, 1998; BONAVIDES, 2000). Segurança pública nesse caso é um bem comunitário e também um direito social que tem um valor geral comum e vital as comunidades. É um anseio e uma aspiração de todos em sociedade viverem em segurança. No âmbito do aspecto jurídico, segurança pública é o afastamento, por meio de organizações próprias, de todo perigo, ou de todo mal que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade, ou dos direitos de propriedade do cidadão. É a garantia individual de que sua pessoa, seus bens e seus direitos não serão violados e, caso sejam, o Estado tem a responsabilidade de reparar todos os danos causados à pessoa na sua individualidade (CF, art. 5º e 6º).
As diferenças funcionais dos organismos policiais da segurança pública residem na finalidade e no objeto. Quanto à finalidade, a diferença está na repressão. No exercício de polícia administrativa, a repressão é feita a critério do poder executivo e no exercício de polícia judiciária, a repressão é do critério do Judiciário. Quanto ao objeto, a polícia administrativa atua sobre todos os aspectos da ordem pública, já a polícia judiciária atua sobre as pessoas, individualmente. A CF brasileira de 1988, no seu artigo 144, define as competências e atribuições de cada organismo policial. As atividades de polícia Judiciária (PF e PC) e as de polícia ostensivo-preventiva (PM) são atribuições distintas. A polícia ostensiva e de preservação da ordem e segurança públicas, a PM, realiza seu trabalho discricionariamente, bazilada pela lei. Em caso de excessos ou abusos cabe ao
Poder Executivo e ao MP o devido controle. À polícia judiciária (polícia civil) cabe realizar a atividade repressiva e de apuração de delitos criminais no âmbito estadual. Esta, estar sob o controle do Poder Judiciário e, também do MP. Embora distintos, e funcionando em poderes independentes, os sistemas são interligados e afins, pois ambos têm em vista o controle da criminalidade, a segurança, a incolumidade física das pessoas e a tranqüilidade pública.
Apesar de estarem bem nítidas as tarefas de cada Corporação Policial, ainda existem muitos conflitos de competências. Todas as polícias no mundo se organizam para cumprirem duas funções básicas: policiamento ostensivo-preventivo e investigativo-repressivo. A primeira função cabe à polícia fardada, no caso do Brasil, a Polícia Militar, a segunda função à PF e PC. Esses conflitos se dão, na sua grande maioria, entre as polícias estaduais onde, muitas vezes, a PM, através de seu Serviço Reservado – 2ª Seção de Companhias, Batalhões, Grandes Comandos (Comando de Policiamento do Interior – CPI e Comando de Policiamento da Capital – CPC) e do Estado Maior Geral – EMG, investiga e até viola locais de crimes. Por outro lado, a Polícia Civil faz diligências de investigação criminal em Viaturas caracterizadas. Muitas vezes a PC se dá ao direito de vestir coletes com a identificação de Polícia Civil para fazer Blitzs ostensivas.
A partir da CF de 1988, as guardas municipais são, pela primeira vez, mencionadas como organismos de vigilância patrimonial municipal, sem integrarem o conjunto dos órgãos da segurança pública das pessoas, ou seja, sem poder de polícia, mas de vigilância, do espaço municipal. Isto deve ser repensado, pois, como já foi frisado anteriormente as políticas públicas no âmbito dos municípios são mais diretas haja vista a maior proximidade com as pessoas e com os problemas sociais.
3. Da política criminal carcerária
A política criminal carcerária no Brasil sempre ocorreu de maneira descolada das políticas públicas de inclusão ou de ressocialização dos apenados. A história do tratamento desumano, degradante, criminalizador e fossilizador no sistema carcerário brasileiro vêm de longe. Sob as concepções do Direito Penal postivista-legalista, a política criminal e o Sistema Penal Brasileiro – SPB padece de políticas públicas voltadas para o respeito e a dignidade da pessoa humana.
Todavia, se vive atualmente, diante de duas questões cruciais no País com relação à violência criminal: a primeira diz respeito ao aumento descontrolado dessa violência em todos os espaços. A segunda questão que também é derivada da primeira paira na adoção de política criminal sempre mais dura aumentando cada vez mais a superlotação carcerária.
O modelo do novo sistema penitenciário surgiu na Europa no início do século XIX e serviu, entre outras coisas, como um laboratório para constituição de um corpo de saber sobre o criminoso e seus delitos. As prisões desse novo modelo carcerário são tecnologias políticas típicas do novo modelo de Sociedade: a Disciplinar, surgida no final do século XVIII, por ocasião da instalação do Estado-Nação (pós-Revoluções Americana e Francesa) em substituição a Sociedade de Soberania
do Estado Absolutista (FOUCAULT, 1991).
Inicialmente, as prisões foram criadas para vigiar, punir e registrar continuamente o indivíduo e sua conduta, limitar seus espaços e controlar o seu tempo. Para cumprir esse objetivo, as prisões necessitavam de um projeto arquitetônico elaborado em fins do século XVIII: Façamos uma breve revisão do funcionamento arquitetônico do panopticon. Ele consiste num amplo terreno com uma torre no centro e, em sua periferia, uma construção dividida em níveis e celas. Em cada cela, duas janelas que permitem a vigilância das celas. As celas são como ‘pequenos teatros’, onde cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O detento, deste modo, torna-se visível ao supervisor, porém apenas a este, ele é privado de qualquer contato com as celas contíguas. Ele é ‘objeto de uma informação, jamais sujeito numa comunicação’.... Foucault ressalta que isto se dava através da indução do detento a um estado de objetividade, de permanente visibilidade. O detento não pode ver se o guarda está ou não na torre, portanto, deve se comportar como se a vigilância fosse constante, infinita e absoluta. A perfeição arquitetônica é tal que, mesmo que o guarda não esteja presente, o aparelho de poder continua a funcionar (DREYFUS & RABINOW, 1995, p. 207).
Tudo isso tem faltado ao Sistema Penitenciário do Brasil. A indistinção de infrações penais: a falta de distribuição eqüitativa e justa e a falta de aproveitamento de infratores menos periculosos vem, ao longo do tempo, transformando o sistema penitenciário numa constante escola de aperfeiçoamento para violência criminal em todos seus aspectos. A prática indiscricionária de amontoar presos nas prisões no Brasil vem de longe. Na década de 1930 e durante o Regime Militar, por exemplo, o autoritarismo político dos governantes permitiu jogar nos cárceres pessoas que tinham ideologias partidárias (presos políticos) junto com os presos condenados por infrações penais ou presos comuns. O contato dos presos políticos com os condenados comuns contribuiu e muito para conscientização e reconhecimento de direitos sempre negados aos reclusos comuns.
Nesta ótica, as relações de poder operam de forma objetiva, intencional, estratégica, gradual, lógica e articulada. É desta forma que o panoptismo constitui-se numa forma geral e definidora das relações de poder com a vida cotidiana nas Instituições Disciplinares, especificamente nas prisões. Quando não se compreende e não se segue as normas de como o poder deve ser operado este pode causar grandes resistências, superiores as suportáveis e aí o exercício do poder não produz, mas provoca o caos. É nesse aspecto que o autoritarismo das leis e do poder público no Brasil tem proporcionado megarebeliões e motins constantes nas penitenciárias e cadeias por todo o País (FOUCAULT, 1991).
As cadeias públicas, que parecem mais verdadeiros calabouços, estão repletas de presos. As penitenciárias, presídios públicos ou terceirizados, casas de albergados e até as colônias agrícolas estão com excedentes de apenados. Segundo pesquisa divulgada pelo Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, no último ano do governo de FHC, 2002, o sistema carcerário brasileiro abrigava 239.345 pessoas, entre homens e mulheres. Em dezembro de 2006, o registro era de 401.236 apenados, entre homens e mulheres. Isto significa um aumento de 67% a mais de presos.
registrado, em média mensal, um excedente de 3.000 (três mil) presos no sistema carcerário.
Atualmente, em razão do aumento do fluxo carcerário, o sistema penitenciário do Brasil abriga 103.433 presos a mais do suportável (DIÁRIO DO NORDESTE, 27/03/2007, p. 16).
Apesar das garantias de proteção e respeito à pessoa humana relativa à população carcerária constar na CF (art. 5º), de 1988, incluindo respeito e proteção à integridade física e moral, na prática isto não ocorre. Bem antes da CF de 1988, o Código Penal Brasileiro, que é de 1940, em seu artigo 38 estabelece: “Aos presos serão assegurados todos os direitos não atingidos pela lei”.
Além desses instrumentos legais existe uma Lei específica destinada, exclusivamente, ao sistema carcerário, a Lei de Execução Penal. Esta Lei, em tese, é o guia essencial à Administração penal e regulamenta, normatiza e prevê direitos e deveres dos apenados e dá outras providências.
Em seu artigo 10, a LEP estabelece que a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. A LEP foi criada com o objetivo de proteger os direitos substantivos e processuais daqueles que estão no cárcere
cumprindo penas, garantindo-lhes, inclusive, assistência jurídica, de saúde, educacional, sóciocultural, religiosa, material e trabalhista. A assistência material prevista nos artigos 12 e 13 da LEP prevêem que ao preso e ao internado será fornecido alimentação, vestuário e instalações higiênicas e o cárcere disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração carcerária. Vale ressaltar que é assegurado ao detento, no artigo 28 da LEP, o trabalho remunerado, porém, este trabalho não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. As normas da LEP foram inspiradas no modelo das regras mínimas para o tratamento de prisioneiros estabelecido pela ONU.
Ao invés da construção de celas presidiárias individuais, com 6 (seis) metros quadrados, com pia, ventilação, acompanhamento individualizado do preso, parlatório e trabalho o cárcere no Brasil, em regra geral apresenta um flagrante quadro de violação dos direitos da pessoa humana. São celas esburacadas, úmidas, fedidas, sem qualquer higiene que comportam dezenas de seres humanos apenados, quando deveria comportar 4 (quatro) ou 5 (cinco) presos, no máximo. É possível dizer que o apenado no Brasil é punido duplamente: quando sua sentença é selada nos Tribunais extramuros, significa apenas A primeira porque a outra e mais cruel lhe aguarda nos intramuros dos famigerados cárceres de todo o País. Existem, em regra geral, 5 (cinco) problemas graves na situação carcerária no Brasil: superlotação, tratamento desumano, falta de trabalho, corrupção e Crime Organizado.
Induvidosamente, isto constituiu uma inqualificável violação dos Direitos Humanos, e o sistema penal, ao insistir com a pena, nada mais faz do que engrossar esse rol, e até leva o indivíduo à destruição (ZAFFARONI & PIRANGELI, 1997, p. 76).
Apesar da política criminal ter por objetivos: desenvolver efetiva política de promoção do homem no plano social; defender a instituição das penas alternativas; apoiar a descriminalização e a despenalização; atentar para as avançadas modalidades criminosas, como poluição sonora, do ar, das águas, crimes digitais e Crime Organizado; disciplinar eticamente os programas de televisão que banalizam a violência e o sexo; ampliar as vagas do sistema penitenciário, evitando o recolhimento de condenados e presos provisórios em delegacias policiais; construir mini-prisões para abrigar no máximo 300 reclusos; construir presídios de segurança máxima em regiões fronteiriças ou em zonas de grande concentração de criminalidade violenta; promover permanentemente assistência jurídica aos condenados, aos presos provisórios, aos internados e os egressos, através das Defensorias Públicas, dos Serviços de Assistência Judiciária mantidos pela OAB, assim como Escritórios de Prática Forense dos Cursos ou Faculdades de Direito; e outros, a realidade é justamente o contrário.
Os condicionamentos do Sistema Penal no Brasil, além de promover a destruição psíquica e física da pessoa humana, não somente sujeita-a a um processo de criminalização, mas, submete-a a um processo de fossilização. Isto é feito na medida em que esse sistema Se vale de uma seleção de pessoas dos setores mais humildes e, .... Este condicionamento, ainda muito pouco estudado, é, todavia, gravíssimo. Utiliza-se de um grupo de pessoas de baixa condição social, que perde o seu grupo de identificação originário e o leva à adoção de permanentes atitudes de desconfiança, que se corrompa, e essa corrupção o obrigue a uma solidariedade incondicional para com o grupo artificial e se veja submetido a um regime quase militar: e, conseqüentemente, à arbitrariedade em relação às condições e estabilidade laborativa, serve como “bode expiatório” para os excessos do sistema, e, por fim, torna-se mais exposto à violência física que esse mesmo sistema cria (ZAFFARONI & PIRANGELI, 1997, p. 76).
No Brasil, as prisões e as detenções, muitas vezes ilegais, apesar das restrições constitucionais, continuam ocorrendo banalmente contra a maioria da população trabalhadora, pobre e não branca (ADORNO, 1994). A forma indiscriminada de detenção e prisão que são realizadas no País configura-se um desrespeito deliberado, apesar do Estado Democrático de Direito, dos preceitos constitucionais e dos Direitos Humanos. Nas prisões, apesar de haver uma lei que regularmente a administração penal, a LEP, as atrocidades de violências continuam ocorrendo contra presos, sendo suprimido destes direitos e garantias constitucionais. Neste sentido a prisão no Brasil é uma instituição ineficiente, beligerante e degradante, com recursos mal administrados e dominados pela corrupção. Se os organismos policiais e o judiciário não sofreram reformas muito menos o sistema penitenciário.
É vergonhosa e lamentável a situação das prisões no país. Não se pode esquecer que a pena, para ser justa precisa ter apenas o grau de rigor suficiente para afastar o homem da vontade do impulso ao crime. É válido acreditar que não existe homem que em sua sã consciência hesite entre o crime, apesar das vantagens que este anseie, e o risco de perder para sempre a liberdade. Além disso, a crueldade das penas causa dois resultados desfavoráveis, contrários à finalidade do seu estabelecimento em tese, que é prevenir o delito. Em primeiro lugar, é muito difícil estabelecer uma proporção entre os delitos e as penas; porque, mesmo que um delito ignominioso tenha aumentado as espécies de sofrimentos nenhum tormento pode ir além da capacidade da resistência humana, limitada pela sensibilidade e a organização do corpo humano. Em segundo lugar, os castigos mais cruéis, podem provocar, às vezes, a impunidade. Espetáculos muito bárbaros são atinentes a furores passageiros de um tirano e são sustentados por um sistema constante de Leis. Se as leis são tão cruéis, correm o risco de serem modificadas rápido ou não poderão mais vigorar e punir o crime (BECCARIA, 1982).
É oportuno citar o ex-presidiário e romancista russo Fiódor Dostoievski (2003), quando afirmava que é possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões. Com certeza, qualquer pessoa ao visitar uma das prisões brasileiras concluirá sem qualquer hesitação: o Brasil está mergulhado na mais profunda barbárie social.
4. Políticas públicas estratégicas de segurança
As políticas públicas de segurança devem prescindir objetivamente a identificação das causas e conseqüências do aumento da violência e da criminalidade. Desta forma é possível se avaliar a gravidade do problema que reivindica traçar estratégias e ações concretas visando alcançar o combate e o controle da violência criminal. Neste sentido, as políticas públicas de segurança pública necessitam Pautar-se por metas claras e definidas a serem alcançadas através de medidas confiáveis para avaliação desses objetivos e pelos meios disponíveis para sua realização de forma democrática. A condição desejável a ser perseguida pode consistir na redução de alguns tipos de crimes específicos a um custo razoável para sua implementação.... A formulação de problemas, alternativas, ações e resultados é essencialmente uma questão de natureza teórica, ao passo que a avaliação, monitoramento, recomendações e estruturações são questões de ordem técnica, envolvendo a utilização de modelos de custo/benefício, de efetividade, eficiência e de eqüidade (BEATO FILHO, 1999, p. 15).
Normalmente quando se fala em segurança pública pensa-se logo em mais polícia, viaturas, presídios, armas e a necessidade de se gastar muito mais dinheiro. Todavia, segurança pública envolve muito mais do que isso. Em entrevista à Revista Época, a socióloga holandesa Bernice van Bronkhorst, consultora do Banco Mundial para programas de prevenção de violência e criminalidade urbana, afirma que, muitas vezes, não é preciso se aplicar mais recursos, mas trabalhar melhor os que já são disponíveis. Reportando-se à questão da segurança pública no Brasil, a socióloga diz que muitos serviços do Estado podem ser utilizados como elementos básicos para estratégias de prevenção contra a violência e a criminalidade. Podem-se utilizar, por exemplo, dinheiro e programas do esporte, da cultura, da recreação, da ação social e aplicá-los em áreas específicas que necessitam de prevenção da violência e da criminalidade.
Há muitos programas exemplares no Brasil, feitos no limite dos orçamentos municipais, como os do Sou da Paz, em São Paulo, e o Fica Vivo, em Belo Horizonte. Muitos serviços prestados por eles já existiam. O trabalho envolveu mais coordenação que uso de mais recursos (ÉPOCA, 15/01/2007, p. 37).
Conforme Bronkhorst, a segurança pública no Brasil melhorará na medida em que haja mais esforços e trabalho conjunto dos governos federal, estadual e municipal, sobretudo o municipal que tem acesso mais direto aos problemas sociais comunitários. Para isso é preciso que os governos e sociedade trabalhem uma urbanização integrada, cuidando não somente da infra-estrutura, mas também de programas de geração de renda, microcrédito, treinamento profissionalizante nas várias áreas do esporte e cultura e, sobretudo, um investimento maciço na educação. Referindo-se às crianças de favelas que convivem desde cedo com a violência e a criminalidade e que ficam expostas ao recrutamento por parte de bandidos experientes, diz ser preciso possibilitar outras oportunidades e outros modelos de adultos bem sucedidos no esporte, na cultura, no mercado de trabalho. O bandido não pode ser o único exemplo de herói para esses jovens. É preciso haver investimento não somente para o jovem adolescente, mas esses programas devem ser iniciados desde a tenra idade, já no ensino infantil. É preciso priorizar definitivamente o trabalho preventivo com políticas públicas de inclusão social. A socióloga holandesa destaca a importância do trabalho preventivo citando o estudo feito pela professora Mônica Viegas, da Universidade Federal de Minas Gerais, quando detectou que cada real investido em prevenção evita mais crimes, em longo prazo, que o real gasto em policiamento. Segundo esse estudo, a prevenção do crime é tão significativa que a estimativa de gastos com a violência poderia ser reduzida de 10% para 2% e 3% do PIB do Brasil (ÉPOCA, 15/01/2007, p. 37).
Sobre políticas de segurança pública Bronkhorst cita o trabalho dos governos municipais de Diadema em São Paulo, de Nova York, nos EUA e de Bogotá, na Colômbia, salvaguardando as devidas diferenças. Em Diadema, a diferença na área da segurança pública com a redução dos homicídios deveu-se à suspensão da venda de bebidas alcoólicas depois das 23 horas. Em Nova York, além das forças policiais serem municipais, o sistema de informação e captação de imagens através de câmeras é sofisticado a ponto de mostrar, em tempo real, a parte da cidade afetada, quem é vítima e agressor. Isso facilita a utilização e aplicação dos recursos, da ação policial, de políticas sociais. Neste caso, é possível direcionar políticas de segurança pública com as devidas especificidades de cada bairro. Em Bogotá, a polícia foi melhor remunerada, modernizada, passando do modelo tradicional-reativo para um modelo preventivo-científico. Além disso, houve
muitos investimentos nos espaços públicos, na melhoria do transporte público entre os bairros periféricos da cidade e muito trabalho de prevenção social, no sentido de fomentar uma cultura de paz. Foi política governamental de consenso, responsável e contando com a integração de policiais, investigadores da procuradoria-geral, departamento de segurança nacional, comitês de direitos humanos, gente ligada à saúde, à educação, o Exército e os Conselhos de Segurança que proporcionaram as cidades de Bogotá e Medellín reduzir drasticamente os índices de homicídios de 80 para 16 – por cada 100 mil habitantes (ÉPOCA, 15/01/2007, p. 38).
Nesse prisma, Castel (2005) é convicto de que não há segurança pública – a que ele chama de proteção civil que garante as liberdades fundamentais e defende a segurança dos bens e das pessoas – no Estado de direito se não houver simultaneamente a segurança ou proteção social – a que se refere como sendo os programas de seguridade social de saúde, aposentadorias, de acidentes etc. A segurança civil e social são defendidas como condições sine qua non e como um programa ideal para se viver em sociedade que deve ser garantido pelo Estado.
Mas se é verdade que a insegurança é consubstancial a uma sociedade de indivíduos, e que se deve combatê-la inevitavelmente, a fim que eles possam coexistir no seio de um mesmo conjunto, esta exigência implica também mobilizar uma combinação de meios, que não serão jamais anódinos, e cabe ao primeiro chefe instituir um Estado datado de um poder efetivo para desempenhar a função de prover as proteções e garantir a segurança (CASTEL, 2005, p. 17).
A redução da violência criminal nas duas principais cidades colombianas se deu a partir da ocupação pelo poder público dos espaços urbanos abandonados. As favelas e guetos de antes foram transformados em espaços culturais com bibliotecas, brinquedotecas, ginásios poliesportivo e bancos para microcréditos para atendimento local. Ao invés da isolação, o Estado aproximou-se desses locais efetuando políticas públicas de inclusão para jovens e adultos numa ação conjunta nas esferas governamentais da União, Estado e Município sem ideologia partidária para o combate à violência e à criminalidade.
O combate ao crime nas grandes cidades da Colômbia se desideologizou porque o governo federal de direita e as prefeituras de esquerda se uniram por um objetivo maior: libertar o cidadão, dar dignidade aos pobres.... Mais de 70% dos colombianos hoje vivem nos centros urbanos. Ali, quem manda são prefeitos de centro e de esquerda, comprometidos com programas contra a fome, recuperação de espaços degradados, urbanização de favelas, reintegração de jovens ligados a grupos armados, assistência aos camponeses expulsos de suas terras que chegam como refugiados internos. Luis Eduardo Garzon, em Bogotá, e Sergio Farjado, em Medellín, dão continuidade a processos de paz e reconciliação de administração passadas. Para quem é brasileiro, acostumado a escutar de presidentes e governadores um arsenal de desculpas esfarrapadas para deixar cidades como Rio e São Paulo à mercê de bandos de marginais e traficantes, é emocionante testemunhar o esforço dos colombianos (ÉPOCA, 19/02/2007, p. 27-28).
Chesnais (1999) sugere que os planejadores de políticas públicas governadores, prefeitos, empresários, líderes comunitários, ONGs, universidades etc. todos precisam se juntarem se quiserem ter algum êxito contra o aumento da violência e da criminalidade no País. Medidas em curto prazo podem ser efetivadas, tais como: a) identificação e ações concretas nas áreas geográficas sensíveis e de riscos; b) iluminação pública de melhor qualidade; c) urbanização de áreas abandonadas; d) construção de áreas esportivas; e) resolução dos conflitos fundiários; f) atribuição de poderes as mulheres e aos líderes comunitários; g) criação de organismos locais dedicados exclusivamente à prevenção do crime; e, h) o engajamento de todas as pessoas que tenham conhecimento, aptidão e prática na área da segurança pública como famílias, religiosos, policiais, médicos, funcionários, líderes juvenis masculinos e femininos, acadêmicos, pesquisadores, etc.
É inegável que no Brasil a partir do último governo de FHC, com a criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP e do Plano Nacional de Segurança Pública – PNSP a União passou a dispensar maior atenção para área da segurança pública começando pelo aprimoramento na aplicação dos Direitos Humanos por parte das autoridades policiais. No plano operacional técnico e logístico, os Estados passaram a receber verbas da União para aplicação na área da segurança pública. Instituído em 2001, o Fundo Nacional de Segurança Pública – FNSP tem auxiliado os Estados em programas destinados à redução da violência e da criminalidade.
Com a criação do Sistema Único de Segurança Pública – SUSP, em 2003, no governo Lula, os repasses do FNSP passaram a obedecer normas e critérios que valorizam ações como a reestruturação das polícias; da perícia criminal; e, valorização e padronização de equipamentos e meios operacionais.
De 2003 a 2005 foram contemplados 418 projetos, equivalente a um investimento de mais de R$ 800 milhões. No ano de 2006, o FNSP disponibilizou mais 302 milhões para contemplar os diversos governos estaduais (SENASP. RELATÓRIO DE ATIVIDADES, 2003, 2004, 2005).
No âmbito de investimento em pessoal de formação e valorização profissional foi disponibilizado recursos financeiros para a realização de dois projetos de pesquisa vencedores, inclusive, vencedores do Concurso Nacional de Pesquisas Aplicadas em Segurança Pública e Justiça Criminal; Implantação de dois tele-centros para a integração na Rede nacional de Ensino a Distância. Cada centro possui: 15 computadores, impressoras, mobiliário para o ensino, televisão e equipamentos eletrônicos para a recepção e transmissão do sinal; Capacitação de 60 profissionais de segurança pública em Direitos Humanos em parceria com a Cruz vermelha; Doação de cinco kits com 160 livros para as instituições de ensino policial; Capacitação de 1.397 profissionais de segurança pública por meio da execução de convênio com a SENASP; Implantação da Matriz Curricular Nacional para o Ensino Policial – distribuição da matriz e capacitação dos profissionais de segurança pública para sua efetivação; Capacitação de sete representantes de todas as organizações de segurança pública do Estado sobre prevenção, investigação e desarticulação de organizações criminosas relacionadas ao tráfico de seres humanos; Capacitação de policias civis e militares em segurança de dignitários; Capacitação de três representantes de todas as organizações de segurança pública do estado em Gestão em Segurança Pública; Capacitação de 189 profissionais na Força Nacional de Segurança Pública; e, capacitação de 6 supervisores de segurança portuária (SENASP. RELATÓRIO DE ATIVIDADES, 2003/2004/2005).
Outras providências como a criação e aprovação de algumas Leis visando combater e controlar a violência criminal são de suma importância no âmbito das políticas públicas. É o caso, por exemplo, da Lei Maria da Penha. Esta Lei é considerada um marco histórico no combate a violência criminal contra mulheres. Após muitos anos de luta, finalmente, o Estado brasileiro cria um dispositivo legal para enxergar a violência doméstica e familiar. São várias mudanças que essa Lei estabelece, tanto na tipificação criminal de violências contra mulheres, quanto nos procedimentos policiais e judiciais. Pela Lei Maria da Penha ocorrem, pelo menos, 22 inovações.
Dentre essas inovações: Estabelece as formas da violência doméstica contra a mulher como física,
psicológica, sexual, patrimonial e moral; Determina que a mulher somente poderá renunciar à denúncia perante o juiz; ficam proibidas as penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas básicas); Retira dos juizados especiais criminais (LEI Nº 9.099/95) a competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher; Altera o código de processo penal para possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher; Prevê um capítulo específico (o capítulo III) para o atendimento pela autoridade policial para os casos de violência doméstica contra a mulher; Permite a autoridade policial prender o agressor em flagrante sempre que houver qualquer das formas de violência doméstica contra mulher; O juiz poderá conceder, no prazo de 48 horas, medidas protetivas de urgência (suspensão do porte de arma do agressor, afastamento do agressor do lar, distanciamento da vítima, dentre outras, dependendo da situação; O MP apresentará denúncia ao juiz e poderá propor penas de 3 meses a 3 anos de detenção, cabendo ao juiz a decisão e a sentença final, etc.
Outra medida significativa foi a criação e aprovação da Lei Nº. 11.343, de 23 de Agosto de 2006. Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão a produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. As novidades dessa nova Lei contra as Drogas é que o dependente ou viciado dentro das regulamentações não deve ser preso, mas, dependendo do caso, o juiz pode determinar ao poder público providências no sentido de seu internamento.
Em razão do pouco tempo em vigor esses dois dispositivos legais, ainda, estão em caráter experimental quanto aos seus efeitos e conseqüências. Entretanto, apesar desses investimentos e avanços significarem um marco nas políticas públicas de segurança, a violência e a criminalidade não pararam de ser praticadas. Esses avanços são alguns dos prismas pelos quais se pode pensar e repensar a segurança pública dentro de um redimensionamento pluralista de idéias e discussões. A questão da segurança pública não pode ser mecanizada e tomada apenas como algo positivista onde se traça um planejamento unilateral de cima para baixo e se aplica a fórmula mágica para se resolver o problema do aumento da violência e da criminalidade. É preciso haver articulação dos governantes em todas as esferas e a participação efetiva da sociedade para um consenso geral de tomadas de decisões.
Qualquer programa, planejamento ou plano de governo que vise o desenvolvimento para resolução de certo problema ou desequilíbrio social necessita pautar-se em pelo menos quatro qualidades políticas indispensáveis: Representatividade; Legitimidade; Participação da Base; e Planejamento participativo auto-sustentado. A Representatividade deve ser entendida como defensora das reivindicações e demandas sociais do povo que elegeu seu representante.
A Legitimidade deve ser compreendida como processo participativo fundado no Estado de Direito, de forma democrática e comunitária respeitando as regras do jogo em comum. A participação de base é a medula do processo, porque participação autêntica é a da Base. É participação de baixo para cima, do local para o Regional do Regional para o Nacional. Não havendo essa participação não há consolidação democrática. O povo não pode servir apenas como massa de manobra, matéria de exploração ou exército de reserva sem participação nas decisões políticas governamentais. Por último, o Planejamento participativo auto-sustentado composto por três componentes básicos: capacidade de realizar o autodiagnóstico, ou seja, entender com consciência crítica e autocrítica os problemas a partir da participação comunitária; formulação de estratégias de enfrentamento dos problemas detectados, no sentido de unir teoria à prática: saber para resolver e organização necessária.
Planejamento participativo é a organização política competente de uma comunidade com vistas a descobrir criticamente os problemas que afetam e a formular conjuntamente estratégias de solução, despertando para a iniciativa própria e criando soluções possíveis (DEMO, 1994, p. 54).
Um dos desafios que continua posto com relação às políticas de segurança pública é a falta da participação ativa da sociedade civil para as devidas mudanças. Os Conselhos, como o Conselho Comunitário de Defesa Social – CCDS participam apenas como reclamantes e denunciantes da situação de segurança pública de certo bairro, localidade ou município. São vetadas ao CCDS as proposituras de anseios populares para aplicação de políticas públicas de segurança pública. Parece que uma das razões do fracasso e da inexistência de políticas nessa área reside num plano puramente cognitivo. A proposição de políticas públicas de segurança, no Brasil, consiste num movimento pendular, oscilando entre a reforma social e a dissuasão individual. A idéia da reforma decorre da crença de que o crime resulta de fatores socioeconômicos que bloqueiam o acesso a meios legítimos de se ganhar a vida (BEATO FILHO, 1999, p. 24).
A problemática de se aplicar políticas públicas de segurança de maneira séria, no Brasil, não é nova. Interesses privados da classe dominante ou mesmo de governantes municipais, estaduais e
federais sempre estiveram relacionados estreitamente com essa pasta. A história demonstra que o serviço de segurança pública no Brasil, em tese, nunca foi realmente público. A persistente política oligárquica de concentração de poderes sempre manteve seus interesses clientelísticos com base nesse setor. Durante o período Republicano até 1930 a segurança pública no Brasil esteve sempre a serviço de interesses dos poderosos da política ou dos grandes latifundiários (coronéis), os quais, muitas vezes, eram nomeados promiscuamente Chefes de Polícias de uma determinada região ou localidade dependendo do interesse por votos da autoridade política ‘representante’ dessa região.
Da década de 1930 aos dias atuais, os organismos de Segurança Pública não mudaram muita coisa não. Esses organismos estão a atender efetivamente não ao público que realmente precisa, mas estão pré-determinados a atenderem aos interesses de uma classe elitista coletiva da zona sul ou a interesses privados individuais de autoridades política (FERNANDES, 1974).
Para se confirmar esse argumento basta-se avaliar a questão da valorização do crime. Isto ocorre toda vez que é praticado um delito na zona sul (zona sul referindo-se às capitais do Nordeste significa zona de maior poder aquisitivo e/ou turística) dos centros urbanos que tenha repercussão e mexa com as estruturas da classe média alta. É ... um aspecto dramático do problema do crime no Brasil que ele venha a ser objeto da atenção de nossos governantes somente quando ultrapassar os limites estruturais aos quais está tradicionalmente confinado. Quando estende-se à classe média e a zona sul, imediatamente soam os alarmes da mídia e a indignação das elites. Nesse momento, as pessoas põem a especular a respeito das causas da criminalidade a fim de combatê-la (BEATO FILHO, 1999, p. 14).
Com efeito, quando ocorre um crime entre as pessoas de bairros pobres ou periféricos dos grandes centros urbanos, a primeira medida a ser tomada pelas autoridades e divulgada pela imprensa é se a vítima e acusado possuem antecedentes criminais, no caso de possuírem, quase sempre, são esquecidos os fatores causadores da violência criminal com uma simples expressão; “foi acerto de contas”, seja por dívidas de entorpecentes, por rixa ou algo similar. Neste sentido, Nunca houve no Brasil nenhuma política criminal global séria e responsável em matéria de prevenção da delinqüência. Nada ou praticamente nada foi feito para evitar a catástrofe (anunciada) e o caos (antevisto). Muito pelo contrário, centenas de fatores criminógenos foram incrementados (falta de educação, analfabetismo, desemprego, baixos salários, escassa qualidade de vida, desagregação familiar, “lei de Gérson” etc. (GOMES & CERVINI, 1997, p. 46).
Nessa linha de raciocínio, acredita-se que enquanto os organismos responsáveis pela promoção da ordem e da segurança pública não forem coordenados e fiscalizados em consenso com a sociedade civil e não mantiverem um elo de integração permanente com os Conselhos Comunitários locais não se terá êxito no controle da violência e da criminalidade. Para esse fim é necessário que o policiamento comunitário, participativo signifique uma meta ideológica a ser alcançada por todos os envolvidos.
Policiamento comunitário é uma filosofia e uma estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa de que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar, e resolver problemas contemporâneos tais como crime, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade geral da vida na área. O policiamento comunitário exige um comprometimento de cada um dos policiais e funcionários civis do departamento policial com a filosofia do policiamento comunitário. Ele também desafia todo o pessoal a encontrar meios de expressar esta nova filosofia nos seus trabalhos, compensando assim a necessidade de manter uma resposta imediata e efetiva aos incidentes criminosos individuais e às emergências, com o objetivo de explorar novas iniciativas preventivas, visando a resolução de problemas antes que eles ocorram ou se tornem graves. O policiamento comunitário baseia-se também no estabelecime3nto dos policiais como “mini-chefes” de polícia descentralizados em patrulhas constantes, onde eles gozam da autonomia e da liberdade de trabalhar como solucionadores locais dos problemas da comunidade, trabalhando em contato permanente com a comunidade – tornando as suas comunidades locais melhores para morar e trabalhar (TROJANOWICZ & BUCQUEROX, 1994, p. 5-6)
Não resta dúvida de que as políticas públicas de segurança tem demonstrado que é ineficiente pelos inúmeros fatores acima elencados, deixando clara a necessidade de mais reformas nessa área e concomitantemente em outras áreas de garantias sociais que estão vinculadas direta ou indiretamente à segurança pública. Entretanto, não se coaduna com a política em segurança pública repressiva de combate a todo custo que muitas vezes é aplicada por ocasião de ocorrência do aumento da violência e da criminalidade que abalam a estrutura das elites brasileiras. É preciso reforma não só nos organismos policiais, mas no judiciário e, urgentemente, no sistema penitenciário brasileiro.
Sob outro prisma, é viável dizer que não se espera a possibilidade de uma segurança plena em todos os aspectos. O que se defende é a possibilidade do Estado Democrático de Direito conseguir junto à sociedade civil executar políticas públicas de segurança com eficiência e eficácia no controle da violência criminal que no Brasil tem chegado a índices não aceitáveis, socialmente.
A segurança civil e social é um programa ideal no Estado Democrático de Direito, porém, esse programa não é capaz de erradicar totalmente a insegurança porque, para fazê-lo, seria necessário o Estado constituído controlar todas as possibilidades, individuais e/ou coletivas, de transgredir. Isto significa dizer que a questão da segurança e da insegurança segue o paradigma proposto por a total segurança somente é possível se o Estado for Absoluto, ou seja, se ele tem o direito e o poder de extinguir irrestritamente todas as veleidades que atentem contra a segurança das pessoas e de seus bens (CASTEL, 2005).
Entretanto, caso o Estado se torne mais ou menos democrático colocando, conseqüentemente, limites ao seu irrestrito poder, evitando o despotismo e o totalitarismo, as liberdades individuais e coletivas de seus membros infringirão a ordem social e a segurança jamais será plena no âmbito público. Isto significa dizer que um Estado Democrático de Direito é impedido de ser protetor a qualquer preço, pois, caso o seja, esse Estado não é mais Democrático, mas, passa a ser Absolutista. A existência de princípios constitucionais, a institucionalização da separação dos poderes, o dever de se respeitar o direito no uso da força, incluindo a força pública, põe tantos outros limites ao exercício de um poder absoluto e criam, indireta, mas necessariamente, as condições de uma certa insegurança. É o caso do controle do MP e do poder judiciário sobre a polícia que se enquadra nas formas de intervenção das forças da ordem e limitam suas liberdades de ação, o que também é necessário para um Estado Democrático de Direito (CASTEL, 2005).
Outro fator que favorece a insegurança, mas que é necessário tê-lo no Estado Democrático de Direito é a possibilidade de o delinqüente tirar vantagem do cuidado de se cumprir às formas legais e da impunidade da qual se beneficiam alguns delitos. Neste sentido, vale dizer que quanto mais um Estado se afasta do modelo absolutista e amplia seus princípios democráticos, desenvolvendo uma aparelhagem jurídica complexa, mais corre o risco de ludibriar a exigência de assegurar a proteção absoluta de seus membros. Por outro lado, a segurança civil e social somente poderia ser plena se todos os cidadãos no Estado Democrático de Direito fossem virtuosos como ressaltava. Como isso não acontece, a plena segurança civil e social no Estado Democrático de Direito é apenas uma quimera anelada por todos. Neste sentido, as políticas públicas de segurança devem ser priorizadas por ações governamentais concretas focando o controle da violência criminal no âmbito do aceitável, socialmente (XAVIER, 2007, 2008).
6. Considerações finais
Não resta dúvida de que as políticas públicas de segurança têm demonstrado que são ineficientes pelos inúmeros fatores acima elencados, deixando clara a necessidade de mais reformas nessa área e concomitantemente em outras áreas de garantias sociais que estão vinculadas direta ou indiretamente à segurança pública. Entretanto, não se coaduna com a política em segurança pública repressiva de combate a todo custo que muitas vezes é aplicada por ocasião do aumento da violência e da criminalidade que abalam a estrutura das elites brasileiras. É preciso reforma não só nos organismos policiais, mas no judiciário e, urgentemente, no sistema penitenciário brasileiro.
Existem duas vias de políticas criminais para o combate e controle da violência e da criminalidade: a via repressiva (post factum), quando o crime já está instalado e precisa ser combatido e a via preventiva (ante factum), antes que o crime ocorra. No Brasil é consenso geral que a via repressiva já demonstrou ser ineficiente haja vista que a criminalidade comum e organizada têm estado sempre numa escalada crescente, sobretudo nos grandes centros urbanos.
Diante da escalada crescente da violência e da criminalidade criou-se no Brasil uma forte demanda por políticas criminais duras que exigem do poder do Estado respostas cada vez mais repressivas, criminalizadoras e penalizadoras. A partir, sobretudo da década de 1990, essas políticas criminais duras passaram a ser efetivadas com mais intensidade. Primeiro foi com a tentativa de combater os crimes hediondos com a Lei Nº. 8.072/90 e em seguida com a Lei de Combate ao Crime Organizado – LCCO (9.034/95). Esse modelo tradicional repressor já demonstrou que não funciona e tem, ilusoriamente, transmitido a idéia de que o Estado com políticas criminais repressivas pode erradicar do seio da sociedade toda espécie de delitos penais por meio do combate.
A ciência da criminologia atual aponta três modelos de políticas criminais de prevenção à violência comum e ao Crime Organizado: a primária, a secundária e a terciária. A primária tem por objetivo atacar as causas iniciais da delinqüência, ou seja, procura ir às raízes do conflito criminal.
É política social de médio e longo prazo e exige melhoramentos profundos em serviços sociais como educação, moradia, emprego, bem-estar, saúde, qualidade de vida, planejamento familiar etc.; é a forma de prevenção mais demorada, porém, é a mais apropriada política de prevenção à violência e à criminalidade (GOMES & CERVINI, 1997).
A segunda política de prevenção criminal é a do tipo de política obstaculizadora ao criminoso, isto, consiste em aplicar mais recursos humanos, técnicos e logísticos na área de segurança. Isto significa aumentar o efetivo policial, mais armamentos e equipamentos, mais viaturas e motocicletas; mais prisões etc. Esse tipo de modelo político-criminal não objetiva detectar as causas ou raízes da delinqüência, mas procura dificultar a execução do crime.
Isoladamente, essa política criminal não é ideal para combater a violência e a criminalidade, pois, seu resultado será sempre o deslocamento do crime, ou seja, a mudança de lugar. Isto já ficou evidente por ocasião das diversas operações militares, sobretudo no Estado do Rio de Janeiro. As
experiências dessas operações militares têm como efeito deslocar o crime que sai do morro e desce para o asfalto, sai de um Estado e passa para outro, sai da capital e vai para o interior etc.
Essa é o tipo de política criminal simbólica que confia na lei abstratamente severa. O problema é que, cientificamente, como demonstra a criminologia atual, quase nada dessa política criminal ‘simbólica’ serve para atenuar o gravíssimo problema da violência e da criminalidade (GOMES &
CERVINI, 1997).
O terceiro tipo de política criminal visa evitar a reincidência do criminoso. Este tipo de política também não se preocupa com as causas da delinqüência e tem por objetivo evitar a não reiteração delitiva. Essa política criminal não deve ser a primeira interessante para a sociedade, pois, ela é de caráter tardio e somente atua após o crime ter acontecido. É apenas de caráter repressivo (GOMES & CERVINI, 1997).
Dos três tipos de modelos político-criminais o mais apropriado, induvidosamente, é o primeiro, ou seja, a prevenção primária. Entretanto, esse tipo de política criminal não é preferível para os governantes por dois motivos principais: o primeiro é porque esse modelo exige, num primeiro plano, uma política econômica menos injusta, ou seja, faz-se necessário uma melhor redistribuição de renda e exige maior vontade política para sua efetivação. O segundo motivo é porque essa política criminal é de médio e longo prazos, contrário aos anseios de todos que sempre primam por soluções imediatas. Todavia, não se pode esquecer que em virtude de se primar por demandas de soluções imediatas ou emergenciais (que não são adequadas), a violência e a criminalidade no Brasil vêm numa escalada ascendente e preocupante (GOMES & CERVINI, 1997).
A história aponta que na década de 1960, o aumento da criminalidade nos centros urbanos se deu por conta do enorme êxodo rural. Na década de 1970-80, em conseqüência desse êxodo rural sem planejamento, o aumento da criminalidade no Brasil, em função do inchaço demográfico nos grandes centros urbanos, despontou como uma problemática muita séria. Nessa década, inclusive, se formaram as primeiras organizações criminosas consideradas clássicas que comandariam dentro e fora dos presídios, ações criminosas organizadas, como foi o caso do Comando Vermelho, no Rio de Janeiro. Foi também nessa década que o País enfrentou uma enorme e abominável violência institucionalizada provocada pelo Regime Militar. Em seguida, na década de 1990, com a inserção definitiva do País na globalização e na política mercadológica sem fronteira, o neoliberalismo, além do aumento da criminalidade convencional ou comum, o Brasil entrou na era do Crime Organizado, tecnológico de caráter transnacional, que se expande vorazmente e continua sendo um enigma diante das leis penais brasileiras. A proposta é que as ações objetivas de contenção da violência criminal comum e organizada estejam articuladas com as ações subjetivas entre a sociedade política e sociedade civil.
*Antonio Roberto Xavier - SGT da PMCE; Mestre em Políticas Públicas e Mestre em Planejamento ambos pela UECE; Especialista em História e Sociologia pela URCA e Graduado em História pela UECE.
Nenhum comentário:
Postar um comentário