domingo, 13 de janeiro de 2013

Tirar arma de cidadão de bem não diminui violência no Brasil

Governo federal insiste em campanhas para desarmar a população. Valor de indenização, que era de 100 a 300 reais, passa para 200 a 450 reais, de acordo com o tipo de armamento

Desde 2005, quando foi derrotado nas urnas no referendo do de­sarmamento, o governo não desistiu da tentativa de diminuir ao máximo o número de armas de fogo nas mãos da população civil. Em novembro do ano passado, num ensaio de incentivar mais cidadãos a entregarem suas armas, agora todo cidadão que aderir à Campanha Nacional de Desar­mamento vai receber novos valores de indenização entre 200 a 450 reais de acordo com o tipo e calibre do armamento. Antes, os valores variavam de 100 a 300 reais.

Desde 2004, já foram entregues mais de 600 mil armas de fogo. Em 2012, o número ultrapassa 63 mil. Foram pagos em indenização mais de R$ 5 milhões. O Estatuto do Desarmamento — Lei nº 10.826 — entrou em vigor em 2003 e regulamenta o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição no Brasil. Com o estatuto, o país passou a ter critérios mais rigorosos para o controle de armas de fogo. A lei tornou mais difícil o acesso ao porte de arma e tenta estimular a população a se desarmar.

Foi o estatuto que instituiu as campanhas de desarmamento. A norma também readequou a legislação para punir mais efetivamente o comércio ilegal e o tráfico internacional de armas de fogo. Qualquer cidadão que queira entregar uma arma deve agora se dirigir a uma delegacia da Polícia Federal (PF). Mas, será essa a melhor saída para diminuir a violência no Brasil, país com taxas de homicídios superiores a 50 mil, acima, até mesmo de zonas declaradamente em guerra? Desarmar a população, deixando-a vulnerável, traria mais tranquilidade à sociedade? Essas premissas passam a ideia de que os cidadãos de bem são os responsáveis pelos morticínios alarmantes no Brasil.

Para essas e outras indagações acerca do tema, o advogado paulista Benedito Barbosa — mais conhecido como Bene Barbosa —, presidente da ONG Movimento Viva Brasil, tem respostas que contradizem a política governamental de desarmamento. De acordo com ele, a ineficácia do governo em proteger o cidadão levou ao crescimento do número de projetos relacionados ao estatuto. Ou seja, se o Estado reconhece a sua inoperância em deter o crescimento da violência urbana e no campo, o cidadão brasileiro que leva uma vida íntegra, longe do mundo do crime, é penalizado em detrimento dos criminosos que, em sua maioria, portam armamentos de calibre pesado, às vezes superior ao arsenal das polícias.

A entidade que Bene Barbosa preside defende os direitos “à legítima defesa” e se posiciona firmemente contra o desarmamento. A entidade civil sem fins lucrativos defende a tese de que a campanha não age no verdadeiro foco do problema, que é o abastecimento de criminosos com armas e munições, mas joga sobre o cidadão honesto a responsabilidade que não lhe cabe. Desta forma, não contribui em nada para a redução da criminalidade, e nem traz mais segurança para a população, pelo contrário.

O advogado explica que o governo também se equivoca ao negar o direito ao uso de armas de fogo a algumas categorias. “É inegável a necessidade de concessão de porte, como os oficiais de Justiça, guardas portuários, agentes penitenciários e de trânsito, que sofrem agressões e são vítimas de homicídio com frequência”, explica. Até mesmo dentro das polícias há restrição de porte de armas. Os oficiais das Polícias Militares estaduais e distrital, por exemplo, não podem portar pistolas calibre 9 mm como seus pares das Forças Armadas.

Só agora, após um lapso de bom senso perante os desafios hercúleos que a segurança pública no Brasil impõe, o governo liberou o uso de armas calibre .357 Magnum ou .45 ACP, antes impedidas de uso pelos policiais rodoviários e ferroviários federais, policiais civis e militares e bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal. A autorização foi dada por meio de portaria assinada pelo comandante do Exército Brasileiro, General Enzo Martins Peri — antes da publicação da portaria, o policial militar era limitado ao calibre .40. 

Ao considerar que a estimativa hoje no Brasil é de que haja 16 milhões de armas em circulação, nota-se que a Campanha Nacional de Desarmamento revelou-se um fiasco. Pior: não mudará de fato as estatísticas da criminalidade. Isso levando em consideração que a maior parte das armas entregues voluntariamente à polícia estava nas mãos de cidadãos sem vínculo com a atividade criminosa. A própria estatística do Ministério da Justiça demonstra que o problema não são as armas legais, e sim aquelas irregulares sem registros e de uso restrito que é contrabandeada de outros países, principalmente Pa­raguai e Bolívia.

Estima-se que atualmente haja pelo menos 8 milhões de armas ilegais no Brasil e que estariam em posse de criminosos.

Dificilmente, tal arsenal seria entregue de forma voluntária à polícia. Nesta lógica, essas seriam as responsáveis por mais de 35 mil mortes causadas anualmente por armas de fogo e não as que estariam sob domínio da população de bem. De acordo com um estudo recente da ONU (Glo­bal Study On Homicide), não há como se estabelecer cientificamente uma relação entre a quantidade de armas em circulação e o número de homicídio. Segundo o estudo, nos países onde há mais armas legais em circulação, menores são os índices de homicídio.

O Brasil, por exemplo, com números irrelevantes de armas de fogo em poder dos civis, é o país de maior incidência de homicídios no mundo, numa proporção de 40,9 a cada 100 mil habitantes a­nualmente. Em paradoxal situação, os países que apresentam as menores taxas de assassinatos causados por armas de fogo estão entre os mais armados do mundo, como a Suíça, Noruega, Finlândia, Canadá, França, Alemanha, Áustria e Nova Zelândia. Nota-se também que esses países apresentam elevados indicadores sociais e econômicos, com instituições fortes e respeitadas.

Passados sete anos do referendo que disse não à proibição de vendas de armas de fogo no Brasil, a vontade popular ainda é contrária às restrições impostas pelo governo. Mesmo nos órgãos que fazem campanha ao desarmamento, a população se mostra antipática à política proibitiva. Na própria página no Fa­cebook da Campanha Nacional de Desarmamento, há uma enquete em que os internautas votaram contrários à ideia de desarmar a população de bem. De acordo com Bene Barbosa, a percepção do direito de possuir uma arma de fogo para legítima defesa acabou aumentando ainda mais entre os brasileiros, principalmente devido à sensação de insegurança em que vive o país.

Atualmente, há uma nova campanha na mídia. Como sempre oriunda do Ministério da Justiça. Entretanto, o que se constata, segundo o advogado e líder da ONG Viva Brasil, é que tais medidas não ajudam a diminuir a violência. “O que se verifica é que eles mudam o mote da campanha, que é velha. Por­tanto não há nenhuma eficácia no combate a violência. Pelo contrário, isso traz uma simbologia ruim, que é a da rendição. Quando o cidadão honesto entrega sua arma, o bandido vê nisso uma sujeição. Mostra que a sociedade está rendida aos criminosos, que vêm se tornando cada vez mais ousados.”

Diferente dos criminosos que compram qualquer tipo de arma no mercado negro, o cidadão que quiser possuir uma arma por meios legais enfrentará um demorado e burocrático processo. Primeiramente, é necessário dirigir-se a uma unidade da Polícia Federal munido de cópias autenticadas de documentos pessoais. Provar por meio de certidão nenhum antecedente criminal e não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal. Além disso, é preciso passar por exames técnicos por instrutores credenciados além de laudos psicológicos.

A exigência é tão rigorosa e os trâmites são tão dispendiosos e demorados que também é uma forma encontrada pelo governo para desestimular a aquisição de armas no país. Ao incentivar que a população abaixe suas armas, a polícia vem notando que os criminosos não estão conhecendo limites. Nos assaltos verificados em Goiânia, nota-se uma imensa tranquilidade dos assaltantes, principalmente nos roubos de veículos. Nem mesmo autoridades estão imunes ao perigo. Em outubro do ano passado, o segurança — um sargento da Polícia Militar — do deputado Luiz Carlos do Carmo (PMDB) reagiu a uma tentativa de assalto, matando o criminoso que tentava roubar a caminhonete do parlamentar.

Na ação, o bandido estava tão tranquilo que deu as costas ao adentrar o veículo, abrindo brecha para reação bem sucedida do militar. O mesmo deputado, meses antes, teve uma filha assassinada no Setor No­va Suíça, em Goiânia. Também numa tentativa de assalto, a advogada Michelle Muniz do Carmo foi rendida por dois indivíduos que tentavam roubar o seu carro, um Honda Civic. A vítima reagiu e acabou sendo morta. Horas depois os criminosos foram presos pela Polícia Civil.

Bene Barbosa argumenta que as campanhas do desarmamento in­centivam a prática de crimes violentos. “Hoje o criminoso age na certeza de que não encontrará nenhum tipo de reação. Não só pelo estatuto do desarmamento, mas por essas campanhas que pedem para não reagir. Daí há justificativas para os criminosos agirem tranquilamente.”

Desinformação

Recentemente o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), declarou em Maceió que o número de assassinatos em Alagoas estava caindo para padrões suíços. A comparação demonstra desinformação por parte da principal autoridade do governo federal na área de segurança. A Suíça faz parte do grupo de países em que a população apresenta alto índice de posse de armas de fogo. Mais: no país europeu todo cidadão é um soldado. O sistema de exército de milícias permite aos suíços que estão em período de serviço militar o poder de levar para casa o próprio fuzil de assalto. Os oficiais têm a permissão de armazenar na própria residência munições e demais tipos de armamentos. Portanto comparar a Federação Helvética com o Estado de Alagoas do alto nível de criminalidade e homicídios é descabido.

Além disso, numa prova de que o ministro está totalmente equivocado, Alagoas tem o maior índice de homicídios do País.

Para o Viva Brasil, essas cam­panhas de desarmamento organizadas pelo governo federal são fundamentadas em ques­tões subjetivas, pois manipulam números e visam so­mente ao convencimento do cidadão honesto em abrir mão de um direito individual garantido por lei. O Mapa da Vio­lência 2011, divulgado pelo governo federal deixou claro que a relação entre a quantidade de armas em circulação e a de assassinatos é imprópria, pois a região do país campeã em tais crimes é a mesma onde há menos armas: o Nordeste.

Outro agravante causado pelo estatuto do desarmamento é a vulnerabilidade das propriedades rurais em todo Brasil. Em particular em Goiás e nos ou­tros Estados do Centro-Oes­te, a questão vem preocupando as autoridades policiais. Em entrevista ao Jornal Op­ção, em dezembro do ano passado, o comandante da Polícia Militar, coronel Edson Araújo, admitiu que os cidadãos da zona rural estão totalmente desprotegidos. “Hoje o cidadão de bem foi desarmado. E quem a polícia prende armado ilegalmente e que sabemos que está se preparando para cometer um crime, vai à delegacia, paga uma fiança e é solto.”

Para contornar tal situação de insegurança no meio rural, a Polícia Militar goiana está reforçando o efetivo das unidades de patrulhas rurais e dotando-as com viaturas de tração 4x4 e equipadas com GPS. Entretanto, mesmo com o re­forço policial é humanamente impossível a polícia ostensiva atender de forma rápida todas as diligências na zona rural. Há um extenso número de fazendas e chácaras localizadas em regiões longínquas do Estado, vulneráveis a todo tipo de ameaça criminosa. O ideal seria armar o produtor rural e dar-lhe a mínima condição de se defender da disseminada violência no campo.

Outro problema que o estatuto do desarmamento vem implicando é o enfraquecimento e a estigmatização das organizações de praticantes do tiro prático esportivo. Há um projeto de lei, de autoria do deputado Dr. Rosinha (PT-PR), tramitando no Congresso Na­ci­o­nal, que prevê a proibição da prática do tiro esportivo para menores de 18 anos. Bene Barbosa, que também é adepto do esporte, classifica o projeto de lei como absurdo, pois a prática esportiva no Brasil tem toda uma história e disciplina, sendo dela a primeira medalha de ouro conquistada pelo país em jogos olímpicos. “Não há notícia de nenhum incidente com clubes de tiros. É um completo absurdo ainda mais para um país que receberá os Jogos Olímpicos.” 

Matança em Newtown e a disparada da venda de fuzis

Após mais uma tragédia nos Estados Unidos, com o assassino descontrolado abrindo fogo contra crianças na escola primária de Sandy Hook, na pacata New­town, em Connecticut, no dia 14 de dezembro, volta à tona a discussão sobre o controle de ar­mas naquele país e, por tabela, também no Brasil. Por lá, desta vez coube ao governador do Estado de Nova York puxar o coro por mais restrições ao acesso às armas. Por aqui também o governo aproveitou a deixa para endurecer as políticas restritivas ao acesso de armas.

Diante da possibilidade de uma lei por parte do governo americano que limite a posse de armas de grosso calibre — como fuzis —, as vendas desse tipo de armamento dispararam nos Estados Unidos. O campeão de vendas é o AR-15, fuzil semiautomático projetado em 1957 para o exército estadunidense, que foi largamente empregado no Vietnam. É a versão “civil” do M-16, o fuzil mais usado pelas tropas norte-americanas. E ao mesmo tempo em milhões de residências no país da América do Norte. No Brasil a arma é conhecida por ser a preferida dos traficantes dos morros cariocas. As Polícias Civis e Militares de vários Estados brasileiros também fazem seu uso.

O AR-15 foi a arma usada por Adam Lanza para executar 26 pessoas, entre elas 20 crianças, em Newtown. A discussão em decorrência do fato trágico, no entanto, é duramente criticada pelo ONG Movimento Viva Brasil. Seu presidente, Bene Barbosa, afirma que é impossível legislar sobre a loucura, parafraseando o primeiro-mi­nistro britânico, David Came­ron, quando ocorreu fato parecido no Reino Unido. “Uma lei mais dura nos EUA não impediria um lunático de fazer o que fez. O que se discute nos EUA é o fim das chamadas gun-free zones, que são locais onde ninguém poder entrar armado, e as escolas são esses locais. Há possibilidade quase certa que professores e diretores poderão portar armas dentro de suas instituições para se proteger de ataques.”

Fonte: Jornal Opção - Edição 1957 de 6 a 12 de janeiro de 2013
Matéria enviada por: SÍLVIO SALUSTIANO DOS SANTOS

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