terça-feira, 1 de novembro de 2022

Conflitos...

 ... cada período do desenvolvimento humano apresentou seu próprio tipo particular de conflito - sua própria variedade de problema que, aparentemente, só podia ser resolvido pelo emprego da força. E, de modo bastante frustrante, em cada uma dessas ocasiões a força nunca chegou a resolver realmente o problema. Ao invés disso, persistiu através de uma série de conflitos e terminou por desaparecer, quase silenciosamente, à medida que o ambiente econômico e social se modificou. Então, novos problemas - e uma nova série de guerras. Aparentemente, um ciclo infinito.

* Isaac Asimov: Eu Robô

terça-feira, 18 de outubro de 2022

DURKHIM - Estudo da obra “O Suicídio”

 Autor: Wesley Marques

Contextualização geral do período

Émile Durkheim nasceu em Épinal, cidade situada no nordeste da França, em 1858. Nesse mesmo ano também nasceram Franz Boas, antropólogo alemão e Theodore Roosevelt, que foi presidente dos Estados Unidos de 1901 a 1909.

Esse século foi marcado por diversas guerras: Guerras Napoleónicas (1792-1815); Guerra Mexicano-Americana (1847-1848); Guerra da Crimeia (1854-1856); Guerra do Pacífico (século XIX) (1879–1884); Guerra Hispano-Americana (1898); Guerra Grande (1838-1851); Guerras do ópio (1839-1842), (1856-1860); Guerra de Secessão (1861-1865); Guerra dos Ducados do Elba (1864); Guerra do Paraguai (1865-1870); Guerra Austro-prussiana (1866); Guerra franco-prussiana (1870); Primeira Guerra de Independência Italiana (1848); Segunda Guerra de Independência Italiana (1859-61); Terceira Guerra de Independência Italiana (1866); Guerra de independência da Grécia (1821-1831); Comuna de Paris (1871); Independência da América Espanhola, Revolução de Maio, Revolução húngara de 1848, Revoluções de 1848, Revolução de 1868, Revoluções de 1830, Revolução liberal do Porto e Dissolução do Xogunato Tokugawa.

Alguns fatos importantes desse século tiveram início em 1800, quando a população mundial atingiu o primeiro bilhão de pessoas e em 1805, quando a Marinha francesa tentou invadir a Inglaterra, mas foi vencida pela esquadra inglesa do almirante Nelson, sendo que em 28 de Maio de 1804 Napoleão Bonaparte foi proclamado imperador da França. Já em 1807: tem início as Invasões Francesas: quando Napoleão dá ordem a Junot para entrar na Espanha. Em 29 de Novembro a família real portuguesa sai para o Brasil na sequência da invasão do país por tropas napoleónicas. Em 1812 Napoleão invade a Rússia e em 1814 foi promulgada a Constituição Francesa.

No ano de 1815 Napoleão foi definitivamente derrotado na Batalha de Waterloo. Sendo que depois desta derrota, abdicou e partiu para o exílio na Ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul.

Em 1846 Friedrich Engels e Karl Marx concluem a redação de A Ideologia Alemã. Já em 1848 foi publicado o Manifesto Comunista por Marx e Engels e, em Paris, iniciou-se a Revolução de 1848, que foram uma série de revoluções na Europa central e oriental que eclodiram em função de regimes governamentais autocráticos, de crises econômicas, de falta de representação política das classes médias e do nacionalismo despertado nas minorias da Europa central e oriental, que abalaram as monarquias da Europa, onde tinham fracassado as tentativas de reformas políticas e econômicas. Também chamada de Primavera dos Povos, este conjunto de revoluções, de caráter liberal, democrático e nacionalista, foi iniciado por membros da burguesia e da nobreza que exigiam governos constitucionais, e por trabalhadores e camponeses que se rebelaram contra os excessos e a difusão das práticas capitalistas. A partir de 1845, a situação política francesa foi profundamente agravada pela eclosão de uma crise do capitalismo. Essa crise acabaria se estendendo por todo o continente e estaria na origem das revoluções liberais que abalaram a Europa Centro-ocidental, no ano de 1848.

A revolução de 1848 irrompeu primeiramente na França, onde adeptos do sufrágio universal e uma minoria socialista, sob a liderança de Louis Blanc, conseguiram derrubar a monarquia de julho e criaram a Segunda República.

No dia 12 de abril de 1861 teve Início da Guerra Civil Americana, que durou até 1865.

Quanto a Revolução Industrial: esta alterou profundamente as condições de vida do trabalhador braçal, provocando profundas mudanças na economia e na tecnologia, além de gerar um intenso deslocamento da população rural para as cidades. Criando enormes concentrações urbanas; a população de Londres cresceu de 800 000 habitantes em 1780 para mais de 5 milhões em 1880. Os outros dois movimentos que a acompanham são a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa que, sob influência dos princípios iluministas, assinalam a transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea.

Com a evolução do processo, no plano das Relações Internacionais, o século XIX foi marcado pela hegemonia mundial britânica, um período de acelerado progresso econômico-tecnológico, de expansão colonialista e das primeiras lutas e conquistas dos trabalhadores.

O século se caracterizou também por romper definitivamente com a fusão entre História e literatura. Leopold von Ranke se compromete com a história crítica e cética. Se deixa influenciar pelas correntes filosóficas predominantes do momento, tais como o liberalismo e o nacionalismo chegando a cair inclusive no etnocentrismo, racismo e particularmente no eurocentrismo. As reflexões sobre a sociedade de Saint-Simon produziram as tendências que modificariam as tendências historiográficas: O Positivismo e o Materialismo histórico, também influenciado pela dialética hegeliana, Ambas entendem que o comportamento da história se encontra submetido a leis. A primeira concebe o desenvolvimento da história como processos ordenados, a segunda o concebe como resultado de estratos sociais.  O Positivismo surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (1789-1799). Em linhas gerais, ele propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica (embora incorporando-as em uma filosofia da história). Assim, o Positivismo associa uma interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana radical, desenvolvida na segunda fase da carreira de Comte.

As mudanças ocorridas com a revolução industrial não são apenas de ordem econômica, demográfica e espacial. Atingem os costumes, as interações sociais e as formas de controle social e é Interessante notar que no séc XIX há um relacionamento direto entre a medicina com a migração, superlotação das cidades e as precárias condições de vida da classe trabalhadora própria da Revolução Industrial. Foi também no séc XIX, em 1859, que surgiu a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin.

Durante seus estudos Durkheim teve contatos com as obras de August Comte e Herbert Spencer que o influenciaram significativamente na tentativa de buscar a cientificidade no estudo das humanidades. Como já foi dito em aulas anteriores, a tradição francesa ressaltava a importância da moral como pedra fundamental da justiça e paz social. Um aspecto fundamental do pensamento social francês do século XIX era a necessidade de uma moral integradora para complementar a vida econômica e Durkheim foi um dos herdeiros desse pensamento positivista. Suas principais obras são: Da divisão do trabalho social, As regras do método sociológico, O suicídio, Formas elementares da vida religiosa, Educação e sociologia, Sociologia e filosofia. Ele concluiu que os fatos sociais atingem toda a sociedade, o que só é possível se admitirmos que a sociedade é um todo integrado. Se tudo na sociedade está interligado, qualquer alteração afeta toda a sociedade, o que quer dizer que se algo não vai bem em algum setor da sociedade, toda ela sentirá o efeito. Partindo deste raciocínio ele desenvolveu dois dos seus principais conceitos: a Instituição social e Anomia.

Ele deixa bem claro em sua obra o quanto acredita que essas instituições são valorosas e parte em sua defesa, o que o deixou com uma certa reputação de conservador, que durante muitos anos causou antipatia a sua obra. Durkheim acredita que o ser humano necessita se sentir seguro, protegido e respaldado. Uma sociedade sem regras claras (num conceito do próprio Durkheim, "em estado de anomia"), sem valores, sem limites leva o ser humano ao desespero. Preocupado com esse desespero, Durkheim se dedicou ao estudo da criminalidade, do suicídio e da religião. Ele se preocupava, também, com fatores psicológicos, antes mesmo da existência da Psicologia. Seus estudos foram fundamentais para o desenvolvimento da obra de outro grande homem: Sigmund Freud, que em 1896 viria a apresentar a Teoria Psicoanalítica.

Neste trabalho iremos tratar mais especificamente sobre As regras do método sociológico e O suicídio.

 

O SUICÍDIO

 

O suicídio foi escrito por Durkheim em 1897, logo após ter escrito As regras do método sociológico. Um ano antes, Freud escrevera a Teoria Psicanalítica. No trabalho sobre O suicídio Durkheim trata de um assunto considerado psicológico abordando-o como fenômeno social, estudando as conexões entre os indivíduos e a sociedade.

Logo no início de seu trabalho, Durkheim, argumenta que a investigação científica só pode atingir o seu objetivo se se referir a fatos comparáveis e tem mais probabilidades de êxito se esta puder reunir o maior número possível de dados que puderem ser comparados. Para tanto, o investigador terá que construir os grupos que quer estudar, conferindo-lhes a homogeneidade e especificidade necessárias para poderem ser trabalhadas cientificamente.

A partir disso, ele procurará ver se, entre os diferentes tipos de mortes, existem algumas que têm em comum características suficientemente objetivas para poderem ser reconhecidas como “especiais” ou “diferentes” das encontradas em outros tipos, mas ao mesmo tempo, próximas dos que são geralmente qualificadas como suicídio, no sentido básico da palavra. Por exemplo, um homem que conscientemente se expõem a outro, sem saber o desfecho da situação e se esta lhe traz ou não a morte, não é, sem dúvida, um suicida (a meu ver o mesmo ocorre com soldados que vão para a guerra).

O que importa para Durkheim nessa investigação não é exprimir com um mínimo de precisão uma noção de suicídio, resultante de uma média de opiniões, mas constituir uma categoria de objetos que ao mesmo tempo que possam ser etiquetados sob o nome de suicídio, correspondam também a uma natureza determinada de coisas.

Assim, entre as diversas espécies de mortes, há as que apresentam um traço particular: o fato de serem obra da própria vítima, de resultarem de um ato de que o paciente é o autor, e, por outro lado, acontece que essa mesma característica se encontra na própria base da idéia que normalmente se tem de suicídio.

A natureza dos atos que produzem esse resultado, para Durkheim, não é muito importante. Para tanto, ele apresenta uma primeira fórmula, embora reconheça que seja uma definição incompleta, onde o suicídio é toda a morte que resulta mediata ou imediatamente de um ato positivo ou negativo, realizado pela própria vítima.

Algumas variedades de mortes voluntárias:

  • O alucinado que se precipita de uma janela alta, porque julga perto do solo e a do homem são de espírito que atenta contra a vida tendo consciência disso, caso do iconoclasta que para conquistar as palmas do martírio comete um crime que sabe que terá que pagar com a própria vida;
  • O soldado que corre para uma morte certa para salvar o seu pelotão mas que de fato, não quer perecer.

Durkheim questiona que se as causas da morte estão situadas fora de nós muito mais do que em nós e só nos atingem se nos aventurarmos a entrar na sua esfera de ação, então só haverá suicídio se o ato de que a morte resulta tiver sido realizado pela vítima tendo em vista esse resultado e que só se mata verdadeiramente aquele que se quis matar.

Particularmente penso que sim, mas para ele, se assim fosse, corresponderia a definir o suicídio através de uma característica que apesar do interesse e da importância que pudesse ter, possuiria a desvantagem de não ser facilmente reconhecível porque é difícil de observar. Pois ele não teria como saber o que determinou o agente a tomar sua resolução e se quando o fez ele desejava realmente por fim a sua vida.

Para Durkheim, a intenção é algo muito íntimo para poder ser atingida e entendida. Para ele, um ato não pode ser definido pelo fim que o agente prossegue, pois um mesmo sistema de movimentos, sem mudar de natureza, pode servir muitos fins diferentes.

Para ele, quer a morte seja aceita como uma condição lamentável mas inevitável, quer seja expressão desejada e procurada em si mesma, o sujeito renuncia à sua existência e as diferentes expressões desta renúncia não são senão modalidades de uma mesma classe. Há entre elas muitas semelhanças fundamentais para que não sejam reunidas sob a mesma expressão genérica.

A meu ver ele se contradiz em alguns pontos, por exemplo ao dizer que “sem dúvida, o suicídio é vulgarmente e antes de mais o ato de desespero de um indivíduo a quem a vida já não interessa.” E logo após diz que : “quando a dedicação por outrem vai até ao sacrifício consciente da vida, trata-se cientificamente de um suicídio”. Ao se sacrificar o indivíduo está abrindo mão de algo que lhe é muito caro, muito importante, daí a palavra sacrifício, quer dizer que sua vida lhe interessa sim, no entanto ele considera algo ainda mais valioso do que a própria vida, o que o leva ao sacrifício de tirar a própria vida.

Mas ele acreditava que poderia demonstrar o quanto um ato individual é o resultado do meio social que o cerca.

Ele fala superficialmente sobre o suicídio entre animais e que não há como distingui-lo nesse meio, pois não há como reconhecer a vontade do animal de tirar a própria vida de modo consciente.

Nesse ponto Durkheim levanta a seguinte questão: Mas tendo o fato sido definido, visto que o suicídio é um ato do indivíduo e que apenas afeta o indivíduo, ele interessará ao sociólogo? Nesse momento ele não aprofunda essa questão, mas a analisa sob outros aspectos, considerando o conjunto dos suicídios cometidos numa determinada sociedade durante um determinado período, por exemplo ao considerar a constância dos suicídios nos primeiros paises da Europa ele identifica que ao pegar um intervalo de tempo maior constata-se modificações graves, provando, portanto, que os caracteres constitucionais da sociedade sofreram no mesmo período transformações profundas.

Ele demonstra que a evolução do suicídio é assim composta por ondas de movimento, distintas e sucessivas, que se verificam em quase toda a Europa após os acontecimentos de 1848, por volta de 1850 e 1853. Cada sociedade tem, portanto, em cada momento da sua história, uma aptidão definida para o suicídio. Mas como se deram esses suicídios?, o que levou esses indivíduos a tirarem a própria vida?, fenômenos da natureza? Questões puramente individuais? Políticas? Econômicas? A meu ver isso deveria ter sido registrado e considerado nos dados coletados.

Durkheim apresenta ainda quadros comparativos de taxas dos suicídios por milhão de habitantes em diversos países da Europa e, ainda, entre a taxa de mortalidade-suicídio e da taxa de mortalidade geral, identificando que, ao longo dos períodos apresentados no quadro, o suicídio aumentou por toda a parte, mas, neste crescendo, os diversos povos mantiveram-se dentro dos seus respectivos limites. A conclusão a que chega é que a taxa de suicídios constitui uma ordem de fatos única e determinada.

Em suma, o que Durkheim nos diz é que o que estes dados estatísticos exprimem, é a tendência para o suicídio que afeta coletivamente cada sociedade está predisposta a fornecer um determinado contingente de mortos voluntários, e que esta predisposição pode ser objeto de um estudo especial e que se situa no domínio da sociologia. A intenção do sociólogo é procurar as condições de que dependem estes fatos distintos a que chama de taxa dos suicídios. O que ele procura são as causas através das quais é possível agir, não sobre os indivíduos isolados, mas sobre o grupo. Assim poderá precisar em que consiste o elemento social do suicídio, isto é, a tendência coletiva, quais são as suas relações com os outros fatos sociais e através de que meios é possí

Ele explora as diferentes taxas de suicídio entre protestantes, católicos e judeus, explicando que o forte controle social entre os católicos resultava em menores índices de suicídio. Apresentou também índices de suicídios entre homens e mulheres. Verificou ainda que o suicídio ocorria menos entre os indivíduos casados que entre solteiros situação que, segundo ele, se explicaria através da noção de integração familiar. Neste trabalho, notou ainda que a taxa de suicídios diminuía em períodos de grandes acontecimentos políticos, em que aumentava a coesão sócia-política em torno da idéia de nacionalidade. Nesta obra ele fez uso de dados estatísticos e analisou diferentes meios e tipos individuais para embasar suas teses, criou e desenvolveu conceitos como '"fato social", "anomia", "solidariedade", "coerção", entre outros.

Durkheim trata o suicídio de forma não psicológica, mas de forma social, buscando padrões empíricos em diversas sociedades e seguindo um método comparativo. É daí que Durkheim consegue definir os 4 tipos de suicídio do ponto de vista sociológico (egoísta, altruísta, anômico e fatalista - e suas combinações). O suicídio egoísta - que resulta de uma individualização excessiva e cujo grau de integração do indivíduo na sociedade não se apresenta suficientemente forte; o suicídio altruísta - que ao contrário resulta de uma individualização insuficiente e o suicídio anômico - que se relaciona com uma situação de desregramento, típica dos períodos de crise, que impede o indivíduo de encontrar uma solução bem definida para os seus problemas, situação que favorece um sucessivo acumular de fracassos e decepções propícias ao suicídio. sociedades tradicionais onde a solidariedade mecânica prevalece. O último tipo de suicídio é o suicídio fatalista, que não foi muito estudado por ele talvez por considera-lo de pouca relevância.

Ele relacionou sua explicação sobre o suicídio à idéia de solidariedade social e a dois tipos de laços dentro da sociedade - a integração social e a regulação social. Concluiu que o suicídio variava na razão inversa do grau de integração da sociedade religiosa, familiar e política.


Conclusão

Durkheim parece estar muito certo quanto à confiabilidade dos dados que utiliza, mas eles serem oficiais não implica, que sejam verídicos e caso não sejam, podem desconstruir sua teoria quase por completo. Por exemplo, sabe-se que naquele período muitos dos pacientes ditos “loucos”, na verdade eram internados por suas famílias por motivos os mais diversos e que nem sempre tinham fundamento de fato, como no caso das mulheres, que muitas vezes eram internadas por seus maridos ou pais.

Também é interessante a forma como ele utiliza de estatísticas, mapas e comparações, porque dão ao trabalho mais legitimidade. Entretanto, ele faz muitas deduções para sustentar sua tese, mas talvez seja um recurso utilizado de maneira um tanto incoerente e sem fundamento em alguns casos. Um exemplo se dá em sua explicação para fato de que as mulheres divorciadas se matam menos que os homens se dever a necessidades sexuais de caráter menos mental e afirmar que a vida mental da mulher é menos desenvolvida que a dos homens.

 

 

 

domingo, 16 de outubro de 2022

FICHAMENTO DA MONOGRAFIA: OS CONCEITOS ATUAIS DE LIBERDADE E DE PROPRIEDADE, FUNDAMENTADOS EM THOMAS HOBBES

Autor: José Carlos Orosco Roman

"... a partir do sistema construído por Hobbes, que fundamenta a essência do Estado moderno e do direito civil, é possível compreender a diferença que há entre as ideias de liberdade plena e liberdade relativa e também entre as ideias de propriedade e de permissão de uso." p2

CAPÍTULO 1 - p3

Contexto biográfico-teórico do pensamento de Thomas Hobbes

"Thomas Hobbes nasceu... ao sul da Inglaterra, no dia 05 de abril de 1588, durante o reinado de Elisabeth 1a, da casa de Tudor, filha de Henrique VIII e Ana Bolena." p3

"... a "Reforma Protestante destruiu o conceito de ordem mundial baseada nas duas espadas, do papado e do império" (Kissinger, 2015, p. 27)" p3

"Elizabeth I (também conhecida por Isabel) promoveu uma nova reforma, como resposta às divisões religiosas restabelecendo a "Igreja da Inglaterra" e assumindo nela o cargo de "Governador Supremo da Igreja", conforme o "Ato de Supremacia do Parlamento", em 1558." p3

A Igreja Anglicana, consolidada por ela, mantendo a doutrina católica e assumindo posturas do protestantismo, firmou-se, então, como uma via média entre as duas posições, característica que conserva até os dias de hoje." p4

"Seu lema "Vejo e nada digo!" (NEALE, 1954, p. 386), já evidenciava outro valor que ela defendia, e que Hobbes iria ressaltar posteriormente em seu trabalho, ou seja, a de que a propriedade pode ser adquirida pela força e pela astucia (como fruto de rapina) e mantida pela razão direta da capacidade individual de defendê-la." p4

"Esta posição que ela adotou ao longo de seus 44 anos de governo trouxe prosperidade à Inglaterra" p4

(A Magna Carta é um documento de 800 anos, que o Rei John (1166-1216) foi obrigado a assinar para pacificar o reino, que previa que os "homens livres" (somente os que recebiam terras do rei para cultivá-las e que, por isso deviam pagar impostos) não poderiam ser presos sem "julgamento justo). p4

"Elisabeth I morreu em 1603, sem herdeiros, e foi sucedida no trono pelo rei escocês Jaime VI que, ao assumir o trono inglês, tornou-se Jaime I, governando de 1603 até sua morte em 1625, quando foi sucedido por seu filho Carlos I." p5

"Jaime I escreveu "The True Law of Free Monarchies" (A Verdadeira Lei da Monarquia Livre) em 1598, discutindo a base teológica da monarquia, onde afirmava o "direito divino" e o porquê de os reis serem seres superiores aos outros homens, propondo uma teoria absolutista, na qual os reis poderiam impor novas leis pela prerrogativa real." p5

"Os Reis, embora o grau mais alto de eminência e majestade, não se supõe fora da condição humana, como participes na divindade, reputam-se, todavia, delegados diretos e imediatos de Deus, recebendo deste a investidura para o exercício de um poder que por sua natureza se concebe como divino. (...) São os monarcas na Terra os executores irresistíveis da vontade de Deus. Cumpre aos povos prestar-lhes cega obediência dada a origem divina do poder. (...) Os monarcas são responsáveis unicamente perante Deus, jamais perante os homens. (VILLENEUVE, 1923, p. 27, apud BONAVIDES, 2015, p. 139)" p5

"Antes dele, Jean Bodin, um jurista francês, adepto da teoria do direito divino, do poder do homem sobre a mulher e da monarquia sobre a gerontocracia, simpático às teorias calvinista, escrevera "Os Seis Livros da República" (BODIN, 2011) publicado em 1576,... defendia que a soberania é um poder perpétuo e ilimitado. Para Bodin, o poder soberano só existiria quando o povo se despojasse do seu poder soberano e o transferisse inteiramente ao governante." p5

"Em sua obra "Nova Atlântida", publicada em 1624, Francis Bacon retratava a vida em uma ilha mítica, Bensalem, descoberta ao acaso por um navio europeu que se perdera nas águas do Pacífico, refutando, claramente, uma posição platônica que oscilava entre o amor pela fama ou pela sabedoria onde, o reconhecimento maior, por parte dos homens se dá, não àqueles que são heróis, e cujas façanhas se perdem no tempo, mas àqueles que mais contribuem para aliviar sua condição humana, com as invenções. (BACON, 1984). Admirador de Elisabeth I e de sua política imperialista naval, Bacon acreditava que os homens não se envergonhavam da usura e dos ganhos econômicos, sendo a sociedade sonhada por ele guiada por aqueles que almejavam se dar bem no mundo." p7

"... Giordano Bruno acreditava que para transcender as mudanças recorrentes, contingentes, das coisas humanas, seria necessário chocar os homens e destruir o poder aristotélico cristão que dominava as escolas." p7

"Já Maquiavel, em sua obra "O Príncipe (2004)", defendia a monarquia ou o principado como a forma de governo adequada ao momento da fundação de um novo Estado, que precisava da liderança de um governante firme e decidido para conduzir o povo. Para ele, a natureza humana seria essencialmente má e os seres humanos queriam, sempre, obter o máximo de ganhos a partir do menor esforço, praticando o bem apenas quando forçados a isto, ou quando lhes fosse vantajoso. Ao contrário do pensamento de Aristóteles que afirmava ser "o homem um animal social" (ARISTÓTELES, 2009, 1253a), Maquiavel o colocava com instintos naturalmente antissociais, egoístas e que praticava o bem apenas quando submetido à lei ou quando movido pela necessidade de sobrevivência. Em sua ética, Maquiavel defendia que o recurso do mal, da violência, da guerra, da tortura ou morte poderiam legitimar ações que visassem o bem-estar de uma parcela maior da sociedade." p7

"Hobbes, distanciando-se de Aristóteles e aproximando-se de Maquiavel, também afirmava, em sua obra "Do Cidadão", que o homem era naturalmente mau, valendo-se para defender seus argumentos do Gêneses, conforme a tradução literal da King James Version, de 1611 que explicitava "a imaginação do coração do homem é má desde a meninice"(Gn 8. 21). Por outro lado, Hobbes, na mesma obra, se distanciava de Maquiavel ao defender que os contratos e pactos firmados deveriam ser sempre honrados, ainda que violassem as leis da natureza, o que para Maquiavel ficaria sempre condicionado aos interesses do Príncipe." p7

"A França, era governada por Luis XIII, um rei fortemente influenciado pelo Cardeal Richelieu, o arquiteto do absolutismo francês, no período em que a Europa vivia a Guerra dos Trinta Anos. Luis XIII e o Cardeal Richelieu fundaram, em 1635, a Academia Francesa, uma instituição que inspirou a nossa Academia Brasileira de Letras." p9

"Ricehelieu inventou a ideia de que o Estado era uma entidade abstrata e permanente, existente em si. Suas necessidades não eram determinadas pela personalidade do governante, por interesses familiares ou pelos princípios universais da religião. Sua estrela-guia era o interesse nacional definido por princípios calculáveis - o que mais tarde veio a ser conhecido como raison d'État, ou razão de Estado. Seria esta, a unidade básica das relações internacionais, (...) Richilieu dizia que "o homem é imortal, usa salvação está no outro mundo; o Estado não dispõe de imortalidade, sua salvação se dá aqui ou nunca" (KINSSINGER, 2015, p. 29). p9

"Luis XIII, através do Cardeal Richilieu, diferentemente de Jaime I que se apoiava na nobreza, ao dar poder a uma classe de burocratas, em detrimento dos nobres, consolidava seu absolutismo como governante, já que os burocratas podiam ser substituídos a qualquer momento, segundo seu desejo, e os nobres não, pois estes possuíam um poder legitimado em suas províncias, criando e institucionalizando uma burocracia de Estado, que resiste até os nossos dias." p9

"Hobbes escreveu os "Elementos da lei", no ano de 1640." p10

"Em Elementos da Lei Natural e Política, Hobbes volta-se contra diversas correntes teóricas de algum modo comprometidas de que a liberdade dos súditos é uma espécie de função da forma de governo. (...) Hobbes emprenha-se sobretudo em refutar o que há em comum entre elas: a ideia de que a liberdade é uma função da norma de governo. O ataque de Hobbes parte da premissa de que a liberdade esta associada à condição natural dos indivíduos. Ou seja, só há liberdade no Estado de natureza, e no momento em que os indivíduos pactuam para a instituição do Soberano, eles abandonam sua liberdade natural para ingressar na condição de súditos. (...) Os indivíduos na condição de súditos de um poder soberano, seriam tão destituídos de liberdade numa democracia como numa monarquia, não fazendo qualquer diferença se a monarquia é regia ou senhorial, como queria Bodin." (SKINNER, 2008, apud SILVA, 2013, p. 178) p10

"Os franceses fizeram mais do que qualquer outro país para transformar seus aristocratas em animais de estimação do rei. Em todo o mundo, porém, reforçava-se a tendência de que os reis promovessem burocratas poderosos (Thomas Cromwell, na Inglaterra, Cardeal Richelieu, na França; o Conde-Duque de Olivares, na Espanha), que expandiam o poder do governo central desenvolvendo máquinas arrecadadoras mais eficientes e racionalizando o emaranhado de tributos, regulamentos e restrições locais que caracterizavam a Europa medieval. (MICKLETHWAIT, 2015, p.42)" p11

"O período filosófico de Hobbes" p12

"Os ingleses constituíram a maioria das primeiras sociedades limitadas (graças às suas ligações com a família Cavendish, Hobbes era membro de duas delas, a Virgínia Company e a Somer Islands Company) (Ib., p. 44)" p12

"(...) em 1651, na vigência da Commonwealth, ano em qeu publicou sua obra mais famosa, "O Leviatã", onde, além de reforçar os pontos chaves explicitados em seu trabalho anterior, "De Cive", acrescentou, na terceira parte do livro, intitulada "Do Estado Cristão" e na quarta parte do livro, intitulada "Do Reino das Trevas", uma argumentação que promovia um ataque à Igreja e à forma como ela interpretava as Escrituras." p12

"Thomas Hobbes morreu no dia 3 de dezembro de 1679, aos 91 anos de idade" p13

"A obra de Thomas Hobbes" p13

""Epístola Dedicatória", de seu livro "Do Cidadão", escrita em 1642" p13

"Milorde (...) Dizia o povo de Roma (...) que todos os reis deviam ser incluídos entre os animais de rapina. Mas o próprio povo romano, que com suas águias conquistadoras espalhou seus altivos troféus por todo o vasto e remoto mundo, impondo aos africanos, asiáticos, macedônios, aqueus e muitas outras nações conquistadas uma especiosa servidão, a pretexto de fazer deles súditos romanos, não era ele igualmente uma fera igualmente rapace? De modo que, se Catão era sábio no que dizia, não menos sábio era Pôncio Telesino, que gritava para todas as companhias de seu exército, na famosa batalha que travou com Sila, que a própria Roma devia ser arrasada juntamente com Sila, porque sempre haverá lobos e predadores da liberdade, a menos que pela raiz se extirpasse a floresta que os abrigava. Para ser imparcial, ambos os ditos são certos, que "homo homini deus (o homem é um deus para o homem), e que "homo homini lúpus" (o homem é o lobo do homem). (HOBBES, 2002, p. 3)" p14

"(...) os homens, movidos por interesses particulares, criticam as atitudes dos soberanos, ainda que, hipocritamente, tentem reproduzi-las em escala menor." p14

"Hobbes defende, (...) que seria possível estabelecer regras mínimas de convivência onde, em um contrato feito por um indivíduo com todos os demais homens, seria possível respeitar as leis da natureza, as quais ele compreendia serem o sustentáculo do direito natural:" p14

"Hobbes, (...) negava que o homem fosse, por natureza, um ser social e político, alegando que o motivos dessa negativa estavam evidenciados pela teoria do estado de natureza, deduzida a partir de suas paixões, que serviriam para determinar os motivos, as finalidades ou metas pelas quais os homens constituem sociedades políticas." p 15

"Hobbes também mostrava um certo ceticismo ao afirmar que as pessoas menos esclarecidas se deixavam influenciar e valorizavam mais o interlocutor do que as palavras proferidas por ele: 
Os sábios usam as palavras para efetuar seus cálculos e raciocinam por intermédio delas; porém, há uma multidão de loucos que as avaliam pela autoridade de um Aristóteles, de um Cícero ou de um Tomás, ou de outro qualquer, definitivamente homens. (Id., 2009, p. 37)" p15

"(...) Hobbes denominava moção à ação ou consequência de mover ou mover-se; aquilo que denota movimento." p 15

"(...) lendo a "História da Filosofia Política" de STRAUS (2013), para Hobbes, o sadismo de autoproclamar-se superior diante de uma deformidade ou deficiência percebida em outros, seria, também, motivo de prazer e de glorificação no homem." p17

"Como consequência, as três causas naturais citadas por Hobbes em sua obra: a competição, a desconfiança e o desejo de glória seriam as grandes responsáveis por transformar o estado de natureza em um permanente estado de guerra: "Bellum Omnium Contra Omnes" (Uma guerra de todos contra todos) (HOBBES, 2009, p. 104)." p17

"(...) para Hobbes, as leis existentes derivam apenas da vontade do soberano, do Estado, e não da verdade da razão natural, ou seja, são positivas, postas ou positivadas pela vontade do Estado, tendo o poder de impor-se, já que são criadas segundo sua vontade e reforçadas pela "espada estatal" (GUANABARA, 2013, p. 65)". p18

CAPÍTULO 2

"A LIBERDADE" p20

"(...) o conceito de liberdade que tomamos por certo hoje em dia, esta baseado muito mais no senso comum do que em um sentido mais estrito, ou seja, pretendemos demonstrar que na realidade gozamos apenas de uma liberdade parcial, relativa, característica da vida em sociedade que se desenvolve sob a tutela da Lei e do Estado, tal qual descrita por Hobbes quatro séculos atrás." p20

"(...) todos nós gozamos apenas de liberdades limitadas, autorizadas e fiscalizadas pelo Estado. O próprio voto, como expressão livre e soberana do desejo individual do cidadão, na verdade só reproduz o modelo censor do Estado, quando este determina os candidatos que podem ser eleitos, segundo os partidos políticos, liberados por ele para concorrer." p20

"(...) podemos afirmar que a liberdade de escolha individual não é condição necessária nem suficiente da liberdade social, que se dá apenas por meio de convenção e se respalda pela lei." p20

"No exemplo citado por Bolbbio (...) o desemprego em período de recessão econômica caracteriza-se pela ausência da liberdade de escolha, não de liberdade social, a não ser que a recessão tenha uma relação causal, como seria caso de uma determinada política governamental." p21

"(...) argumento neoliberal defendido por Herbert Spencer (1820-1903), segundo o qual o estado tem o direito de limitar a liberdade de alguém "unicamente quando for necessário para proteger os direitos fundamentais de outro", (...) o estado do bem-estar-social, pregando a defesa da vida, extrapola este critério e o corrompe, subvertendo sua ideia e caminhando, na prática, em sentido contrário." p21

"No capítulo XIV do Leviatã, que trata das leis da natureza e dos contratos, Hobbes situa o direito natural como sendo a liberdade que cada homem tem de utilizar seu poder como bem lhe aprouver, segundo seu julgamento e razão, para preservar sua vida. Ressalta, também, que o direito é a liberdade de agir ou omitir, diferentemente da lei, que obriga a agir ou omitir." p21

"Renunciar ao direito a algo é o mesmo que se privar da liberdade de negar a outro homem o benefício de seu direito à mesma coisa (...) Mas, no momento que alguém abandona ou renuncia a seu direito, fica obrigado ou forçado a não impedir aqueles a quem o direito tenha sido cedido de gozarem do respectivo benefício. (HOBBES, 2009, pp. 108-109)." p21

"(...) o conceito de liberdade pautada no direito natural esta condicionado à interpretação da lei, o que reforça a posição defendida por Hobbes, de uma liberdade negativa, aquela em que o homem pode fazer, segundo sua vontade, tudo aquilo que não é proibido pela lei escrita." p22

"O significado da palavra liberdade, em seu sentido próprio, é a ausência de oposição (entendendo por oposição os impedimentos externos ao movimento), e esse termo se aplica tanto às criaturas racionais como às irracionais e inanimadas (...). De acordo com esse genuíno e comum significado, um homem livre é aquele que não é impedido de fazer as coisas de que tem vontade e que as faz graças à sua força e engenho. (Ibid., pp. 169-170)" p22

"(...). A grande questão que se coloca, então, é, na atualidade, tentar definir como e o que vem a ser esta liberdade e em que grau podemos usufruir dela." p23

"Em uma espécie de síntese Hegeliana, François Charles Louis Comte (1872), político e jurisconsulto francês, já em 1834, afirmava que a liberdade é a condição essencial do exercício de todo direito e o cumprimento de todo dever, designando simplesmente o estado de uma pessoa que não encontra, entre seus semelhantes, nenhum obstáculo ao seu desenvolvimento ou ao exercício inocente de suas faculdades. Um princípio pelo qual nenhum homem pode ser possuído legitimamente por outro, assim com o fruto de seu trabalho não pode, igualmente, ser apropriado por outro, de maneira compulsória. Neste contexto, ressalta que a sujeição de um homem à vontade de outro, mediante justa paga, previamente acordada entre as partes, não fere este princípio, já que elas, livremente, concordaram em assinar o contrato. Assim, em um estado de liberdade, o homem que tem, por ele mesmo, o poder de senhor, livre da violência ou da extorsão, esta protegido pelas leis da sociedade. Essa era a proposta hobbesiana para a superação do estado de natureza e do estado de guerra de todos contra todos. Como diria Kant, ser um homem livre porque livremente escolhe cumprir o contrato que firmou, obedecendo às leis do Estado (do soberano) e tendo suas ações julgadas por ele, aprovadas ou condenadas, segundo seu resultado, consideradas boas ou más, para o conjunto da sociedade. (Cf. VAZ, 2012)" p23

"(...) o poder de um Estado que, a cada dia se mostra mais desconectado do governante eleito, e da população, entendida por todos os indivíduos (natos ou estrangeiros) que pertencem e estão subordinados ao seu território, e que é constituído por uma máquina pública, amparada por estabilidade funcional e protegida por um forte corporativismo sindical, que se mantém, mesmo diante da contingência do poder soberano eleito pelo povo, entendido aqui como "o conjunto de pessoas que pertencem ao Estado pela relação de cidadania (OSPITALITI, 1966, apud BONAVIDES, 2015, p. 81)." p24

"Um Estado que se vale do poder de coação para impor suas leis, elaboradas pelos ditos "representantes do povo", que foram eleitos por "cartas marcadas" e que é necessário para fazer justo um homem (...) onde o amor à liberdade, segundo Hobbes, acaba por ser apenas uma máscara para o desejo de louvor, para a vaidade" (STRAUS, 2013, p. 362)." p24

"John Locke, tomando uma posição contrária a Hobbes, por acreditar que os homens são naturalmente bons e que existe uma lei natural qu eos impede de prejudicar o outro, (...) afirmava que "o objetivo da lei não consiste em abolir ou restringir, mas em preservar e ampliar a liberdade" (LOCKE, 2011, parág. 57, p. 45), (...) uma posição utópica, (...). Locke, afirmando que o homem ao nascer seria como uma "tábua rasa", acreditava que ele poderia ser educado para a prática do bem e da tolerância," p25

"Antônio Gramsci em seus Cadernos do Cárcere (1975), abordou bem este aspecto do controle hegemônico imposto pelos mais fortes aos mais fracos, o que se mostrou na prática, uma política de Estado, imposta primeiramente pelos detentores do capital, financiador do Estado e que gradativamente vem sendo substituída, cedendo espaço, por uma participação autônoma da máquina pública, pelo Leviatã moderno, que nos impõe a manutenção do seu status quo." p25

"(...) os homens (...) tornaram-se reféns de um Estado asfixiante, cada vez maior e que cada vez mais requer ser sustentado pelos impostos que há muito superaram o "quinto" e a "derrama", transformando a todos em servos e tornando o conceito de liberdade e sua compreensão, refém do senso comum, em uma mera abstração." p26

"CAPÍTULO 3"

"A PROPRIEDADE" p26

"(...) tal qual o conceito de liberdade, o conceito de propriedade é tomado pela maioria das pessoas segundo o senso comum, (...) onde (...) ela somente ocorre quando é amparada pelo poder militar capaz de assegurá-la, o que, em princípio, é prerrogativa exclusiva do Estado, o único que pode ser proprietário de algo, cabendo-nos apenas, como membros da sociedade, contentarmo-nos com uma "permissão de uso" oferecida por ele." p 26

"Segundo Bobbio, o substantivo propriedade deriva do adjetivo latino "proprius" e significa: "que é de um indivíduo específico". p26

"(...) é "objeto que pertence a alguém de modo exclusivo", seguido da implicação jurídica: "direito de possuir alguma coisa", ou seja, "de dispor de alguma coisa de modo pleno, sem limites"." p27

"Na propriedade fica a coisa substancialmente submetida à vontade do proprietário, que sobre ela se exerce de três momentos essenciais: a) pela exclusão dos demais ao gozo da coisa; b) pela admissão do titular a esse gozo da coisa; c) pela segurança de que a fruição da coisa não será turbada por terceiros. (BONAVIDES, 2015, p. 109)." p27

"(...) Uma casa (...) para edificá-la, vendê-la ou derrubá-la, precisa-se, antes, da autorização do Estado." p27

"Se o ar e a água não fossem de natureza fugitiva, teriam sido apropriados. (...) Ora se o uso da água, do ar e do fogo exclui a propriedade deve-se passar o mesmo quanto ao uso do solo: esse encadear de consequências parece ter sido pressentido por Charles Comte, no seu Traité de La Proprieté. A água, o ar e a luz são coisas comuns não porque são inextinguíveis, mas porque indispensáveis... Paralelamente a terra é uma coisa indispensável à nossa conservação, por consequência, coisa comum, por consequência coisa não suscetível de apropriação, mas a terra é muito menos extensa que os outros elementos, portanto seu uso deve ser regulado não em benefício de alguns, mas no interesse e para a segurança de todos. (PROUDHON, 1975, pp. 78-79)." p 28

"Proudhon, nesse trecho de sua obra, defendendo que a propriedade não pode existir de fato, acaba por se valer do pensamento de São Tomás de Aquino quando este coloca, como direito natural, o seu "princípio de conservação do ser" (S.Th.I-II, q. 94, a II, resposta)" p28

"(...) Hobbes fala sobre justiça distributiva." p28

"A equidade, ou (como já foi dito) justiça distributiva, é gerada pela observância da lei que determina que seja distribuído equitativamente a cada homem o que lhe cabe, segundo a razão. (...) Dela deriva uma outra lei: que as coisas que não podem ser divididas sejam desfrutadas por todos, na medida do possível, e, se a quantidade da coisa o permitir, sem limites; se assim não for possível, que a coisa seja desfrutada, proporcionalmente entre aqueles que a ela tem direito. (Id., 2009, p. 127)." p28

"Hobbes, preferindo o excesso de autoridade ao excesso liberal, fundamentou a desigualdade entre os homens como uma convenção entre o soberano e seus súditos e, ao contrário de Locke, defendeu que a propriedade não era um direito natural e que ela só nascia com o Estado. Hobbes "identificou a necessidade de um pacto entre os homens e defendeu a substituição da igualdade natural entre os homens por outra forma de igualdade: a igualdade civil" (BUSSINGER, 1997). Loke, por sua vez, acreditava que o povo é sempre soberano, transferindo apenas alguns de seus direitos de natureza em confiança ao poder legislativo, o poder supremo entre os poderes." p29

"(...) Hobbes em sua obra não tem uma visão pessimista do homem, mas uma visão realista" p29

"(...) a lei, de modo geral, não é um conselho, mas uma ordem. (...) dada por aquele que se dirige a alguém já anteriormente obrigado a obedecer-lhe. (...) A lei foi criada, então, para limitar a liberdade natural dos indivíduos, de maneira a impedi-los de causar danos uns aos outros e levá-los, ao contrário, a se ajudar mutuamente e se unir no combate ao inimigo comum. (HOBBES, 2009, pp. 212-215)." p30

"(...) Rui Barbosa, (...) (À própria soberania do povo, contrapõe-se a soberania da lei: (...) tudo esta abaixo da lei) (BARBOSA, 1949, p. 130)." p30

"Mas a razão mais frequente por que os homens desejam ferir-se uns aos outros vem do fato de que muitos, ao mesmo tempo, têm um apetite pela mesma coisa; que, ao contrário, com muita frequência eles não podem nem desfrutar em comum, nem dividir; do que se segue que o mais forte há de tê-la, e necessariamente se decida pela espada quem é mais forte. (HOBBES, 2002, p. 30)." p 30

"(...) Sir Edward Coke (1552-1634), jurista elisabetano e jacobino, que publicou em 1628 um ostensivo comentário sobre Sir Thomas Littleton (cerca de 1407-14081), um juiz inglês que escreveu um tratado sobre mandatos, livro que pode ser caracterizado como o primeiro livro texto sobre o direito de propriedade inglês." p31

"Sem a espada, os pactos não passam de palavras sem força, que não dão a mínima segurança a ninguém. Assim, apesar das leis naturais (que cada um respeita quando tem vontade e quando pode fazê-lo com segurança), se não for instituído um poder considerável para garantir sua segurança, o homem, para proteger-se dos outros, confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade. Roubar e espoliar uns aos outros sempre foi uma ocupação legítima, não considerada contrária à lei natural, em locais que os homens se agrupavam em pequenas famílias; e quanto maior era a espoliação conseguida maior era a honra adquirida. (...) Tal como faziam os ajuntamentos de pequenas famílias, hoje as nações e os reinados, que não passam de famílias maiores (...) procuram legitimamente, na medida do possível, subjugar ou enfraquecer seus vizinhos, por meio de força ostensiva ou artimanhas secretas, por falta de qualquer outra garantia. Posteriormente, esses feitos são lembrados com grande honra. (Id., 2009, pp. 136-137)." p31

"(...) podemos concluir que a propriedade se dá única e exclusivamente no âmbito do direito civil, assegurada pelo Estado, (...) já que é ele que detém o monopólio do uso da força. (...) a fim de manter coesa a sociedade de homens sobre os quais exerce a soberania e impedir que estes lutem uns contra os outros pelo desejo de posse, o Estado, valendo-se de um artifício, concede por meio de "permissão de uso" a posse ou o direito de lavra àqueles que estão dispostos a reconhecerem sua soberania e que lhe pagam impostos por isso, aceitando, inclusive, segundo suas próprias leis, ressarcir em alguns casos, mas não todos, àquele que será prejudicado, por eventuais benefícios e melhorias que tenha produzido, no caso da reintegração da propriedade que lhe é de direito." p32

"CONCLUSÃO" p32

"(...) o que deve ser entendido pelos conceitos de liberdade e de propriedade nos dias atuais permanece, (...) o mesmo que foi teorizado por Hobbes (...) liberdade e propriedade nunca são, em sentido pleno, algo ao alcance dos homens em sua vida social - contrariamente ao que costuma se acreditar." p32

"Resumidamente:
1) A parte não pode ser maior que o todo; (portanto, liberdade relativa é menor que a liberdade plena);
2) Na sociedade, o homem é obrigado a seguir leis;
3) Como é obrigado a seguir leis, o homem não é totalmente livre para não segui-las, ao menos por sofrer repressão se o fizer;
4) Somente aquele que é absolutamente livre, que é verdadeiramente senhor de si, pode almejar propriedade; (portanto, o homem, por não ser totalmente livre, não pode almejar a propriedade).
5) O gozo da permissão de uso ou da posse não é propriedade;
6) Somente o Estado exerce o poder livre e soberano. (Portanto, somente o Estado é detentor da propriedade)." p33

(...) Hobbes (...) teve a originalidade de propor um sistema, um contrato social para uma vida em sociedade, cujas bases resistem até nossos dias." p33

"Hobbes não foi o primeiro a basear sua teoria política em uma visão obstinada e empírica da natureza humana: essa honra pertence a Nicolau Maquiavel. (...) o raciocínio dedutivo foi Thomás de Aquino. O primeiro a tocar o conceito de Estado Nacional em vez de Cidade Estado ou Cristandade; isso remonta a Jean Bodin. Hobbes, porém, foi o primeiro a reunir esses três conceitos em um único volume e acrescentar a ideia explosiva de um contrato social entre governantes e governados. (MICKLETHWAIT, 2015, p. 35)." p33


sexta-feira, 19 de novembro de 2021

FICHAMENTO LIVRO: A CRISE DE REPRESENTATIVIDADE E A JUDICIALIZAÇÃO POLÍTICA NO ESTADO PÓS-INTERVENCIONISTA

Fábio Fadel - Nilton P. Cunha

Editora KMLAW Do Brasil


INTRODUÇÃO


Política é, sem dúvida, a primeira obra científica sobre a matéria, e por  causa dela pode-se dizer que Aristóteles foi o primeiro a desenvolver a moderna ciência política. p.24

...o Estado Moderno, dirigido por forças nacionais, em que a concentração de poder estava numa unidade territorial. Nesse período nasceu e desenvolveu-se o pensamento moderno, marcado pela confiança na razão. Trata-se do "racionalismo" de René Descartes, no qual cabia a razão a tarefa de reunificar o mundo, reproduzi-lo, representá-lo. No campo do Direito ocorreu uma fratura grave: a razão veio para mitigar um dos pilares básicos desse ramo do conhecimento, a retórica e a dialética, através do racionalismo de Descartes. p26

Em grande parte, esta mudança foi decorrente de uma nova teoria do conhecimento uqe deu a nota fundamental, o tom da filosofia iluminista. Essa teoria contra-atacava o conceito divino de rei. Rejeitando a doutrina cartesiana das ideias inatas, afirmou que todo conhecimento humano deriva da percepção sensorial. O Patrono dessa nova maneira de pensar é John Locke (1632-1704). p27

As ideias de Locke foram adotadas em vários países da Europa como princípios essenciais de seus governos. ... Ideias concebidas de que todo indivíduo tem, por natureza, direitos fundamentais, de que o governo existe por obra do consentimento dos indivíduos, do povo, e seu fim essencial é a justiça, para garantir a vida, a liberdade pessoal e a propriedade privada, e que previram as constituições políticas do Estado Liberal moderno. p.27

Espírito das Leis. Dentre as novidades expostas por Montesquieu, a mais famosa delas é a teoria da separação dos poderes. Os três poderes foram então denominados com maior clareza, respectivamente como: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. p.28

A concepção do Estado liberal moderno foi desenvolvida a partir da Revolução Inglesa de 1688 e da Revolução Americana de 1776, e cristalizou-se com a Revolução Francesa de 1789, esta denominada também Revolução Burguesa, que contemplava hierarquias de privilégio e não era a favor de uma sociedade democrática. p. 28

O fundador da concepção democrática como a conhecemos hoje foi Jean-Jacques Rousseau. Rousseau sustentava que a soberania é indivisível e que toda soberania passa à comunidade quando se constitui a sociedade civil. Essa vontade era expressa pelo voto da maioria, que é o tribunal de última instância. O que a maioria decide é sempre justo no sentido político e torna-se absolutamente obrigatório para cada um dos cidadãos. p. 28

Obs. part: (penso que deveria ler um pouco sobre Montesquieu, algumas citações talvez, para entendermos melhor quem ele era e qual objetivo almejava. Como estava o mundo no período em que ele viveu.

Pelos fins do século XIX, começou a ganhar terreno a ideia de que não era suficiente apenas a democracia política. ... Em alguns países iniciou-se a agitação em prol daquilo que alguns teóricos denominam "democracia econômica". Entre os teóricos encontram-se Karl Max. Os adeptos de Marx dividiram-se em duas correntes, os "revisionistas e os marxistas ortodoxos", estes também chamados de "comunistas". a Revolução Russa de 1917, conhecida também como Revolução de Outubro, é encabeçada pelos ortodoxos. p. 29

Obs. part: (neste ponto sinto falta de comentar a mudança no mundo ocorrida pela Revolução Industrial)

Estas transformações até certo ponto solapam a capacidade do Estado-nação em regular, por exemplo, as condições do capital/trabalho, devido à grande influência econômica, política e ideológica do capital. Além disso, nessas últimas décadas, defende-se a adesão ás políticas neoliberais de minimização do Estado, isso acoplado à ressurreição do laissez-faire, com grande custo para a estabilidade, a segurança, a oportunidade, o crescimento e a cidadania democrática. p. 31

Obs. part: (laissez-faire = um modelo político e econômico de não-intervenção estatal), (Podereia ter situado o período e explicado um pouco mais sobre o laissez-faire).

... a verdadeira democracia, prenunciada por Rousseau, nunca existiu e nem existirá. p. 32

A Judicialização Política, em sua concepção original, tem sido necessária, urgente e importante diante da "inércia legislativa". O último poder ao qual a sociedade deve recorrer está assumindo tal papel justamente pelo princípio da "inércia jurisdicional", que só permite a ação do juiz quando provocado; no entanto, quando provocado precisa se pronunciar, o que o esta levando a se pronunciar sobre tudo. p. 36

Cabe ressaltar que a Judicialização Política não figura apenas como ascensão do Poder Judiciário, mas também como um grande desafio ao mesmo poder para assegurar ao povo, dentro da concepção de democracia representativa, de divisão de poderes, uqe não é corporativista, tampouco corrupto e que se encontra distante dos interesses econômicos dos mercados globais. O Poder Judiciário não esta vinculado ao voto popular e, portanto, não tem necessidade de submissão ao fisiologismo, comumente praticado na política atual do Estado pós-intervencionista. p. 37

Obs. part: (será que eles, os juízes, sabem disso?)

 

I
A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA EM DECLIVE


O Estado, como um corpo organizado que ocupa um território e possui um governo efetivo independente do controle externo, foi uma instituição desenvolvida pelo homem neolítico. p. 41

A essência do Estado é a soberania, ou o poder de fazer e executar leis, preservando a ordem social pela punição daqueles que as infringirem. p. 42

Sócrates (466-399 a.C.), um dos mais notáveis atenienses, ídolo maior de seus discípulos, assim como Jesus Cristo, nada escreveu. Suas ideias foram difundidas por Platão (427-347 a.C.), com certa contrariedade ao mestre, em especial pelo entendimento de Platão de que a verdade era um conceito abstrato, portanto acessível àqueles detentores de excepcionais faculdades. Para Sócrates a verdade era um produto da razão individual e que qualquer homem podia chegar a conhecer as primeiras verdades examinando suas próprias ideias. A doutrina de Sócrates conduz aos princípios de liberdade e igualdade política. A doutrina de Platão conduz à sujeição dos indivíduos aos aristocratas. p. 45

Aristóteles trata, em A Política, da origem e natureza do Estado, suas formas de organização e funções. Para ele, a polis é uma comunidade natural: O Estado é um fato natural; o homem é por natureza um animal político destinado a viver em sociedade. p. 45

A Política é, sem dúvida, a primeira obra científica sobre a matéria, e sem Aristóteles provavelmente não haveria de se desenvolver a moderna ciência política. p. 45

 

ROMA CIDADE-IMPÉRIO


Vale destacar que a dialética grega, através das obras de Platão e Aristóteles, chegou até Roma no período republicano. Foi absorvida pelas classes instruídas, incluindo os juristas. Os gregos não fizeram tal aplicação, já que não havia uma classe específica de juristas a quem fosse confiado o desenvolvimento do Direito. Os julgamentos, na Grécia, eram basicamente realizados pelas assembleias populares, e aqueles que litigavam praticavam um discurso mais baseado em aspectos concernentes à moral e à política do que aos aspectos associados aos argumentos jurídicos. Regras e decisões jurídicas, para os gregos, não eram vistas como autoridade absoluta, mas como dados que poderiam ser, ou não, usados na construção de teorias filosóficas. p. 47

 

OS GERMÂNICOS E A ASCENSÃO DA IGREJA


... diante das incursões dos germânicos nos territórios romanos, várias tribos germânicas já eram cristianizadas, mas a maioria delas era seguidora do Arianismo e do Mitraísmo. p. 51

Obs. part: (Arianismo é uma heresia cristã fundada no século IV por Ario, um presbítero de Alexandria, no Egito. A sua doutrina baseava-se essencialmente no princípio da negação de Cristo como divindade. ... Para os arianos, Cristo não é mais do que a primeira das criaturas, um mero instrumento de Deus. Já Mitraísmo é o nome dado a uma antiga religião de mistérios desenvolvida por volta do século II a.C., na região do Mediterrâneo Oriental. Religião de mistérios, do tipo iniciático (com sete níveis de iniciação), esta excluía as mulheres das formas exteriores e regulares da liturgia).

 

A SISTEMATIZAÇÃO DO DIREITO


O papa governava os leigos em questões de fé e moral, assim como em várias outras questões civis, como casamento e herança. Após o papa Gregório VII, a Igreja adquiriu uma autoridade independente, hierárquica, pública e transnacional. A igreja passou a exercer os poderes legislativo, administrativo e judiciário de um Estado moderno. Ela aderiu a um sistema nacional de jurisprudência: o Direito Canônico, ocorrendo a divisão entre esse ramo do Direito e o Direito Secular. p. 56

 

O RENASCIMENTO E A CONCEPÇÃO MODERNA DE ESTADO


p. 60

 

O ABSOLUTISMO E O ESTADO-NAÇÃO


Estas unidades de poder, denominadas Estado-nação, estavam balizadas pelo pensamento filosófico e político, que concatenavam a ciência moderna baseada na razão e eram fundamentadas nelas, ou seja, no movimento intelectual dos séculos XVI e XVII, período em que nasceram os pensadores da sociedade moderna, tais como : Copérnico, Francis Bacon, Galileu Galilei, René Descartes, Hobbes. p. 64

É em meio a este quadro que nasce e se desenvolve o pensamento moderno, marcado pela confiança na razão. Trata-se do "racionalismo", no qual cabia à razão a tarefa de reunificar o mundo, reproduzi-lo, representá-lo. p. 64

Diante deste cenário, "penso, logo existo": a famosa fórmula do Discurso do Método passou a ser a palavra de ordem. Conhecer as coisas do mundo implica, então,  estabelecer-lhe uma nova ordem que não seja exatamente aquela que os sentidos captam, como também o que é verossímil, o que a razão impõe. Os homens se tornam, através da razão, segundo o Discurso do Método, "como que senhores e possuidores da natureza". p. 65

Além do racionalismo, Descartes também defendia a concepção de ideias inatas, nas quais o conhecimento esta presente desde o nascimento. Ele sustentava que a alma seria possuidora de certos atributos, que não necessitariam de nenhum atributo exterior para serem produzidos, e isso era uma das bases ideológicas para a defesa do absolutismo. p. 65

Outro pensados que tem uma grande aproximação com a matemática e era defensor do absolutismo, inclusive fazia parte do círculo do Padre Marin Mersenne, do qual Descartes também participava, foi Thomas Hobbes, porém sua dedicação primária era pesquisar a concepção do homem e sua natureza humana. Segundo esse filósofo, todos os homens se igualam em suas paixões, isto é, no esforço de satisfazer o desejo e afastar o indesejável. p. 66

Para Hobbes, o homem no seu estado de natureza ama a liberdade e o poder sobre os outros, e isso impulsiona ao estado de guerra. O homem, na verdade, é o lobo do homem. A maneira de conseguir segurança e uma vida pacífica era através de uma sociedade unida e representada na figura chamada Estado, em latim Civitas. Na natureza, a paz só é buscada quando se apresentar mais vantajosa do que a guerra. p. 66

Citação: (Thomas Hobbes define o direito natural (jus naturale) como a liberdade que cada homem tem de usar seu próprio poder como queira, para a conservação de sua própria vida; por conseguinte, fazer tudo aquilo que seu próprio juízo e razão considerem como os meios mais aptos esse fim. Por liberdade entende a ausência de impedimentos externos, que reduzem parte do poder do homem. Enquanto que a lei natural (lex naturales) Hobbes define como um preceito ou uma norma geral, estabelecida pela razão, em virtude da qual proíbe a um homem fazer o que pode para destruir sua vida ou privar-se dos meios de conservá-la.). p. 66

Hobbes sabe que este Estado é monstruoso. Compara-o ao monstro bíblico Leviatã - nome que dá título à sua principal obra. Na concepção de Hobbes, o Estado detém o poder ilimitado, monopolizando o recurso à violência. Mas a violência do Estado é distinta da situação de guerra no estado de natureza, pois seu objetivo é evitar a guerra, garantindo paz e segurança. O Estado representa, nessa medida, o fim do estado de natureza e a inauguração da sociedade civil.

... foi em torno do período da guerra religiosa que Maquiavel usou o termo "Estado" de forma nova para significar uma ordem social puramente secular. p. 67

Para Hobbes, o Estado é instruído quando uma comunidade de pessoas esta de acordo, qualquer que seja o homem ou a assembleia de homens, em que a maioria confere o direito de representação. p. 68

A monarquia absolutista chegou ao ápice com Luís XIV (1643-1715), rei da França. Ele achava que o país deveria girar em torno dele em sua famosa frase "L`Etat c´est moi" (O Estado sou eu). Balizado pela teoria do direito Divino, com a concentração de todos os poderes nas mãos do monarca, tal processo correspondeu aos fundamentos do seu governo absoluto. A nobreza ficou reduzida a uma classe puramente militar, os tribunais (parlamentos) passaram a ser agências judiciais do governo real onde as liberdades comuns forma suprimidas e a Igreja submeteu-se à autoridade real. p. 69

Durante o período da hegemonia das monarquias absolutas o parlamento e o judiciário eram apenas instrumentos da vontade do monarca. p. 69

Vale aqui destacar que todos os grandes movimentos sociais dos tempos modernos têm seu fundamento balizado por causas intelectuais, e com as revoluções não foi diferente, pois para as suas deflagrações houve esforços da imaginação de pensadores, tais como: John Loke, Montesquieu e Rousseau. p. 70

Nesta mesma esteira e sobre uma forte influência de Loke, o Barão de Montesquieu introduziu novos métodos e novas concepções na teoria do Estado, em seu célebre ensaio intitulado O Espírito das Leis. Dentre as novidades expostas por Montesquieu, a mais famosa é a teoria da separação dos poderes. Sua fundamentação era balizada no fato de que a tendência natural do homem é abusar de qualquer parcela de poder uqe lhe seja confiada e que, por conseguinte, todo governo, seja qual for a sua forma, é suscetível a se degenerar em despotismo. A fim de prevenir tais resultados, a autoridade do governo deve ser dividida em seus três ramos naturais: o poder legislativo, o executivo e o judiciário. O único meio eficaz de impedir a tirania é capacitar cada ramo do governo a agir como um freio para os outros dois. p. 73

 

O ESTADO LIBERAL E A DIVISÃO DE PODERES


Havia em Montesquieu um profundo ceticismo na relação homem-poder, pois, para ele, tratava-se de uma experiência eterna na qual todo homem que possui poder, consequentemente, é levado a dele abusar, até onde encontrar limites. p. 77/78

A teoria de divisão de poderes de Montesquieu não visava à implantação de uma sociedade democrática, pelo contrário, seu objetivo principal era o de impedir a supremacia absoluta da maioria, expressa como normalmente o seria pelos representantes do povo no corpo legislativo. Nem por isso teve menos influência e importância o princípio de separação dos poderes de Montesquieu. p. 79

... quando a burguesia conseguiu tomar o poder, ela só manteve a liberdade como discurso formal, numa evidente contradição, porque o direito de voto, que até a Revolução Francesa em 1789 não era por cabeça, mas sim por categorias, manteve-se como sufrágio censitário e não acessível às classes despidas de poder econômico até 1848. Foram necessárias muitas lutas e conquistas para que a burguesia admitisse a extensão dos direitos políticos de voto aos que não possuíam riquezas. p. 81

O fundador da concepção democrática como a conhecemos hoje foi Jean-Jascques Rousseau. Ele desenvolveu uma ótica de soberania completamente diversa da dos liberais. Enquanto Locke e os seus seguidores defendiam que somente uma parte do poder soberano deveria ser cedida ao Estado, permanecendo o resto nas mãos do povo (tradução: dos proprietários), Rousseau sustentava que a soberania é indivisível e que toda ela passa à comunidade quando se constitui a sociedade civil. Para ele, a homologação de cada indivíduo ao contrato social corresponde à entrega do indivíduo de todos os seus direitos à comunidade, e também à concordância em se submeter inteiramente á vontade geral. Essa vontade era expressa pelo voto da maioria, que é o tribunal de última instância. O que a maioria decide é sempre justo no sentido político, e torna-se absolutamente obrigatório para cada um dos cidadãos. ... Ao cederem os seus direitos à comunidade, os indivíduos não fazem mais que trocar a liberdade animal do estado de natureza pela verdadeira liberdade de criaturas reacionais obedientes à lei. Obrigar um indivíduo a submeter-se à vontade geral é, consequentemente, tão só "força-lo a ser livre". p. 82/83

Ele se afasta do individualismo de Locke e se apodera de Platão para obter a convicção de que a sujeição à política é essencialmente ética e, apenas de modo secundário, um problema jurídico e de poder. p. 84

Em Contrato Social (Jean Jacques Rousseau), publicado em 1762, prevalece a soberania da sociedade através da noção da vontade geral. Precisamente porque o governo é um órgão do povo, que ocupa simplesmente a posição de um comitê. p. 84

 

A DEMOCRACIA MODERNA


... a palavra "democracia" provém do grego "demos" (povo) e "cracia" (governo), que significa "governo do povo". Assim foi definida por Péricles (461-429 a.C.). p. 85

Diante deste cenário, ressalte-se que os pensadores da Revolução Francesa eram fascinados pela democracia grega, e consideravam que os atenienses criaram o princípio do Estado legal - um governo fundado em leis discutidas, planejadas, emendadas e obedecidas por cidadãos livres - e a ideia de que o Estado representa uma comunidade de cidadãos livres. Ao afirmarem que o governo era algo que as pessoas tinham criado para satisfazer as necessidades humanas, os atenienses consideravam seus governantes homens que haviam demonstrado capacidade para dirigir o Estado, e não deuses ou sacerdotes. p. 87

... "A voz do povo é a voz de Deus". É nesse sentido que a democracia política tem seu significado, ou seja, "cabe á maioria do povo o direito de falar pela nação inteira e que, na formação dessa maioria, todos os cidadãos devem ter igualdade de voto". A maquinaria do Estado democrático inclui, portanto, o sufrágio universal, eleições frequentes, o devido controle popular sobre os funcionários do governo e outras coisas semelhantes. Para que essa maquinaria funcione com eficiência, os cidadãos devem ter o direito de organizar partidos políticos e de escolher, cada um, livremente o seu partido.p. 87/88

... A democracia sustenta-se sobre a hipótese de que todos podem decidir a respeito de tudo. A tecnocracia, ao contrário, pretende que sejam convocados para decidir apenas aqueles poucos que detiverem conhecimentos específicos. p. 89

Obstáculos como os mencionados implicam o convencimento de que a verdadeira democracia nunca existiu e nem existirá - até Rousseau estava convencido disso -, pois requer que muitas condições difíceis possam ser reunidas, tais como: um Estado pequeno, "no qual ao povo seja fácil reunir-se e cada cidadão possa facilmente conhecer todos os demais", como também "uma grande igualdade de condições socioeconômicas". p. 90

Diante desses obstáculos e de várias condições difíceis de serem reunidas, compreende-se que uma filosofia política do século XVIII não conseguiria e nem conseguirá atender às demandas perante a complexidade econômica, política, social etc. dos séculos vindouros, especialmente no atual estágio da sociedade denominada por muitos de pós-moderna, pós-liveral ou neoliberal, pós-intervencionista. p. 91

 

A EMERSÃO DO ESTADO SOCIAL DE DIREITO

 

... O privilégio do voto plural. p. 92

..., já pelos fins do século XIX, começou a ganhar terreno a ideia de que não era suficiente apenas a democracia política. Por conseguinte, em alguns países iniciou-se a agitação em prol daquilo que alguns teóricos denominam "democracia econômica". Essa democracia significa que não é lícito  arrebanhar crianças nas fábricas para serem exploradas por empregadores egoístas, que os velhos não devem ser atirados ao monte de rebotalhos imprestáveis quando toda a energia de seus corpos foi exaurida pela máquina desumana, nem é justo que os operários arquem com todo o peso dos acidentes da indústria, do desemprego e da doença. p. 93

Marx defendia que os proletários deveriam se organizar em sindicatos para lutarem pelos direitos da classe; e, em partidos políticos, para transformarem toda a sociedade. Inclusive, em 28 de setembro de 1864 é fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), dirigida por Marx, que tinha como proposição proteger e emancipar a classe operária, buscando unificar todos os movimentos operários da Europa e das Américas. p. 94

Pelos fins do século XIX, os adeptos de Marx dividiram-se em duas correntes. A maioria, em quase todos os países, aderiu às doutrinas de uma seita conhecida como "os revisionistas", os quais, como indica o próprio nome, acreditavam que as teorias de Marx deveriam ser "revistas" para serem postas de acordo com as condições mutáveis. A outra corrente era formada pelos "marxistas ortodoxos", os quais sustentavam que não se deveria modificar uma única linha dos ensinamentos do mestre. p. 94

... os adeptos do "revisionismo" foram os que controlaram os partidos socialistas na maioria das nações ocidentais. p. 94

... a maioria dos "marxistas ortodoxos" desligou-se definitivamente dos partidos socialistas, e, desde então, são conhecidos como "comunistas".

 

A DEMOCRACIA MOEDA A MITIGAR A LUTA DE CLASSES

 

O poder é delegado pelo povo a uma assembleia, a um corpo legislativo soberano que faz leis e assume a forma de normas gerais universalmente aplicáveis, que não privilegiam nem prejudicam o cidadão individual ou grupos de cidadãos, já que a vontade soberana do povo, expressa através da assembleia e de suas leis, não infringirá as liberdades fundamentais, as garantias e os direitos sociais de nenhum dos cidadãos, porque essas leis são universalmente aplicáveis a todos e o povo, em seu conjunto, não consentirá em infringir aqueles direitos inalienáveis que todos possuem como indivíduos: aqui esta a base da doutrina da democracia representativa. p. 98

... Uma eleição não é a pura expressão da vontade do povo, mas uma escolha entre um pequeno conjunto de organizações, isto é, os partidos políticos. p. 99

 

O MAL-ESTAR SOCIAL NA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

 

... a internet torna-se uma poderosa ferramenta que, independente de partidos políticos, pode ser, foi e poderá ser usada à autoconvocação da massa,. pg. 101

... Por outro lado, a Internet, também pode ser usada como grande mecanismo de alienação política dos seus usuários, ... a Internet acomoda. pg. 102

Esta parece ser uma das poucas certezas que temos, ou seja, um esgotamento e desconfiança nessas instâncias, que não é específica na América Latina, como por exemplo, na Argentina e no Brasil, mas da política, das democracias representativas de um modo geral, ou seja, aos partidos políticos e aos parlamentares. p. 102

Grande parte da população não parece ter representação política de sua posição ideológica. Aquela ideia clássica de que os partidos que se colocassem contra as ações do regime vigente seriam entendidos como "de esquerda", e os defensores do governo em vigência ocupariam a ala "de direita", parece não mais existir. p. 102

Atualmente, a utilização dos termos "direita" e "esquerda" nem sempre representa a natureza mais ampla ideológica de um contexto político. Em situações diversas, muitas vezes até com frequência, vemos que antigos adversários políticos colocam suas ideologias de lado para alcançar objetivos comuns. p. 102

Em nossa sociedade tecnológica consumista, o entretenimento e a diversão são preferíveis em relação ao debate que exige a reflexão. Com isso, os intelectuais têm poucas chanses e espaços restritos dentro da mídia para gerar estímulos ao interesse pela Ciência Política. p. 105

... os mercados globais e a racionalidade neoliberal avançam, e o poder do Estado-nação em oferecer benefícios sociais esta cada vez mais fadado a diminuir estas concessões ao povo. p. 106

 

O DECLÍNIO DO PODER DO ESTADO-NAÇÃO

 

... Não se pode esperar que com a difusão, ou mesmo que ocorra (algum dia, quem sabe) a universalização do acesso à tecnologia, isso possa ser resolvido. Isso significa dizer: a tecnologia em si não vai promover o avanço da democracia, terá que ser feito pelo eleitor; com certeza ela pode contribuir significativamente nesse sentido, através das "redes", mas a participação efetiva e direta do eleitor torna-se, cada vez mais, imprescindível. p 107

... Hirst: "As instituições democráticas ocidentais não podem ser derrubadas ou contestadas de frente". A experiência do século passado leva os eleitorados democráticos a temerem qualquer partido ou grupo que defenda algum outro sistema que não a democracia de massa multipartidária. A democracia representativa pode apenas ser suplementada, não suplantada. E só pode ser suplementada de um modo que os grandes partidos possam aceitar e que o eleitorado endosse. Isso impede as mudanças institucionais radicais. As democracias representativas são conservadoras; em geral baseadas em sociedades em que a maioria das pessoas tem "bens", por poucos que sejam. É por isso que a reforma democrática é uma causa tão difícil. p. 108

Obs. part.: (Nesse ponto a imagem que surge é de um Estado que se tornou um monstro, onde se traveste de democrático, mas utiliza dessa vestimenta para viver as custas dos impostos (trabalho do povo) pago pela grande massa. Os partidos políticos são os verdadeiros donos do poder. É tudo uma grande ilusão).

Nos planos teórico e ideológico, o neoliberalismo é o antagonismo do Estado de Bem-Estar e dos direitos e garantias sociais, com a argumentação teórica de restaurar a economia de mercado como mediadora societal elementar e insuperável, concomitantemente com uma proposição política que repõe o Estado mínimo como única alternativa e forma para a democracia. p. 109

Diante da atual política econômica dos mercados globais, é ele, o mercado, que determina o espaço legítimo do Estado. ... a proposta neoliberal centra-se na total despolitização e desmobilização das relações sociais: qualquer regulação política do mercado (via Estado ou outras instituições) é uma refutação desmedida à democracia e à criação de postos de emprego. p. 110

Obs. part: (seria o caso dos combustíveis?)

Com esta desregulamentação, despolitização e desmobilização, o neoliberalismo converte-se em concepção ideal da burguesia monopolista e oligárquica financeira através da crescente e insaciável acumulação do capital e da flexibilização de todas as cadeias (política, econômica, laboral, etc), tornando-se o ponto central da ofensiva antidemocrática contemporânea ao trabalho decente. p. 111

Segundo o filósofo francês Giles Lipovetsky, "desde Rousseau, nada é mais comum que a temática da decadência da moral e da cultura". p. 114

O filósofo francês acrescenta que a cultura cotidiana, desde os anos 1950 e 19060, não é mais dominada pelos grandes imperativos do dever sacrificial e difícil, mas pela felicidade, pelo sucesso pessoal, pelos direitos do indivíduo, não mais pelos seus deveres, o que é denominada por ele de sociedade pós-moderna. p. 114

Os promotores das políticas neoliberais, da desregulamentação rápida de economia global, insistiam em defender que a desigualdade entre as nações era explicada pelo fato de que os líderes das nações mais pobres não tinham implementado a mistura correta de políticas: mercado desregulamentado, governos privatizados e sindicatos falidos. p. 116

 

A DEMOCRACIA E O DESAFIO À DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

 

Ressalte-se que as denúncias de corrupção correspondem ao lado do poder desprezível, já que a ideia de democracia representativa é de que os representantes, ou seja, os legisladores, os mediadores entre as demandas do povo, são cidadãos que têm como primazia os interesses nacionais e isso cai por terra com tais denúncias. p. 119

Os partidos não possuem mais as clássicas ideologias que os distinguiam entre "direita" ou "esquerda", mas se transformaram em máquinas de disputar eleições. p. 120

 

2
A CRISE DE REPRESENTATIVIDADE SINDICAL

 

A GÊNESE SINDICAL

 

Na Europa Ocidental, após a queda do Império Romano início da Idade Média, os mosteiros praticamente monopolizavam a educação. O homem que mais se empenhou para converter os mosteiros em instituições de ensino, nesse período foi Cassiodoro; depois de deixar o serviço civil, fundou um mosteiro em sua propriedade e fez com que os monges trabalhassem na cópia de manuscritos. Esse sistema de educação muito contribuiu para salvar a cultura europeia de um colapso total, ou seja, deu impulso às primeiras revivescências do conhecimento que ocorreram na segunda fase da Idade Média. p. 125

Do século IX ao fim do século XIII o progresso na Europa ocidental foi, de fato, tão notável que as realizações desse período podem, com toda justiça, ser consideradas como o grande aporte ao ideal renascentista de reverência aos clássicos do conhecimento e da literatura grega e latina, que se originou nesse período e teve grande impacto nas conquistas subsequentes. p. 126

É neste período que emergem as corporações, isto é, instituições econômicas básicas das cidades medievais. Entre tais corporações encontram-se a dos mercadores e dos artífices. p. 126

Porém, no final da Idade Média as corporações foram se tornando cada vez mais exclusivas e os jornaleiros encontravam cada vez maior dificuldade para se tornarem mestres. As corporações passaram a ser dominadas pelos membros mais ricos, que se esforçavam para restringir o ofício  ás suas próprias famílias. A partir de então, restava, basicamente, à grande massa de trabalhadores a situação de proletariados, condenados a permanecerem empregados durante toda a vida. Muitos proprietários de oficinas deixaram, então, de trabalhar por conta própria e tornaram-se exclusivamente capitalistas e empregadores. p. 127

... novas instituições e modos de pensar, cuja importância é suficiente para imprimir, aos séculos que se seguem, o cunho de uma civilização diferente. O nome tradicionalmente aplicado a essa civilização, que se estendeu de 1300 a cerca de 1650, é Renascença. p. 127

Esse conjunto de transformações, que assinala a transição da economia estática e contrária ao lucro, da época medieval, contrasta com o novo e dinâmico regime do capitalismo em que, a partir do século XV e seguintes, o lucro passa a ser a mola mestra da economia do emergente sistema capitalista. p. 128


BREVE EXPLANAÇÃO DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS SINDICATOS


A Revolução Industrial é marcada pela criação de duas classes: a burguesia industrial e o proletariado. p. 129

Cabe destacar que, com o capitalismo, houve uma grande mudança em relação aos costumes e às posturas medievais. Passando a imperar o produtivismo, tornando-se revoltante para a emergente elite burguesa a indolência e o ócio. Reconheceu-se, quando necessário, inclusive o uso da força, por intermédio de legislações, para obrigar as pessoas a trabalharem. Surgem, por toda parte, concepções religiosas, filosóficas e econômicas, exaltando o trabalho como a única fonte de subsistência e riqueza. p. 130

Para que o capitalismo conseguisse se desenvolver e ampliar seu poder, era necessário o disciplinamento da força de trabalho e a coerção moral, econômica e até mesmo física do trabalhador. Tais aparatos normativos e ideológicos, através das instâncias sociais, sustentaram-se porque nenhum trabalhador livre aceitaria o labor dos quadros da miséria urbana e proletária nas minas e fábricas do início da Revolução Industrial. Já que, nas sociedades pré-industriais, eles não trabalhavam além do necessário, a ocupação destinava-se apenas à manutenção das necessidades práticas e imediatas, e não aos modelos artificiais do processo de produção/consumo que surgiram com o capitalismo, sobretudo na fase inicial da Revolução Industrial. p. 130

Cabe frisar que, além de lutas pelo direito de sufrágio, também haviam lutas por melhores condições no ambiente de trabalho. As condições das fábricas eram precárias, os salários, baixíssimos, o que obrigava todo clã familiar (crianças e mulheres) a trabalhar nas fábricas, nas carvoarias. p. 131

Os empregados chegavam a trabalhar 14 horas, e até mais, por dia. O espaço temporal era o dia, condicionado à luz solar: ao nascer do sol iniciava-se a jornada de trabalho, que só encerrava com o crepúsculo. Trabalhadores eram sujeitos até a castigos físicos dos patrões. Não havia direitos trabalhistas, como, por exemplo, férias, décimo terceiro salário, auxílio-doença ou qualquer outro benefício. Tudo era arcado pelo trabalhador. p. 131

No tocante às corporações, a burguesia, temendo perder o poder que acabara de conquistar, e com a finalidade de evitar o crescimento de outros setores sociais e o surgimento de novas revoluções, passou a reprimir as organizações e os movimentos que envolvessem ameaças ao seu poder recém-conquistado e à nova ordem política e social por eles imposta. p. 132

Em detrimento destas revoltas populares, na França as corporações de ofício foram suprimidas e as associações profissionais proibidas pela Lei La Chapelier, de 1791, pois esta vetou toda espécie de coalizão de trabalhadores e empregadores, construindo, outrossim, o "primeiro instrumento legal da burguesia no poder, para deter o nascimento da força sindical do proletariado". p. 132

Vale destacar o que comenta Foucault, de que a polícia de Londres nasceu, em grande parte, da necessidade de proteger os armazéns, os depósitos e os maquinários das indústrias dos burgueses capitalistas. p. 133

Na Alemanha do início do século XIX começava-se a divulgar teorias opostas à escola clássica. ... Friedrich List (1789-1846), condenava as doutrinas do Laissez-faire e da liberdade do comércio internacional. Sustentando que a riqueza de uma nação é determinada menos pelos recursos naturais do que pela força produtiva dos seus cidadãos, declara que é dever dos governos promover as artes e as ciências na cooperação em prol do bem comum. ... foi Friedrich List o precursor de uma grande linhagem de economistas alemães que se propuseram a fazer do Estado o guardião de produção e de distribuição da riqueza. Suas ideias representavam uma mistura de nacionalismo econômico e coletivismo. p. 134

O "socialismo científico" de Karl Marx (1813-1883). AS concepções marxistas, especialmente no campo trabalhista, deram impulso a discussões, como a proteção ao trabalhador e a organização sindical. p. 135

A partir desse cenário, o operário passou a ter maior poder de barganha na negociação com os patrões, de modo que passou a garantir o mínimo necessário para a sobrevivência. p. 135

Em 28 de setembro de 1864, funda-se a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), dirigida por Marx, que tem como proposição proteger e emancipar a classe operária, buscando unificar todos os movimentos operários da Europa e das Américas, que deveriam manter suas identidades. Considerada a Primeira Internacional, reuniu as ideias anarquistas de Bakunin e de proudhon e as ideias socialistas de Marx e de Engels. Entretanto, as divergências internas ocasionaram a dissolução da AIT em 1876. p. 135


O DIREITO Á ASSOCIAÇÃO


No início do século XX, foi definitivamente consagrado o Constitucionalismo Social com o direito de criação de sindicatos; passou a ser previsto nas constituições de diversos países, ... Surge o Tratado de Versalhes, de 1919, prevendo a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT). ... Esta codificação, segundo autores como Hobsbawn, foi decorrente do receio de que os ideários da Revolução Russa de 1917, também denominada Revolução de Outubro, se expandissem e contaminassem efetivamente os próprios países capitalistas industriais burgueses. p. 138

O Estado, para manter maior controle sobre o movimento operário, regula minuciosamente a atividade sindical, idealizando um sistema sindical burocratizante. Tanto na Argentina, com Péron, como no Brasil, com Getúlio Vargas, esses governos trazem consigo uma grande simpatia pelo fascismo. p. 141


O SINDICALISMO NO MODELO TAYLORISMO/FORDISMO


As maiores conquistas foram conseguidas pelos sindicatos suecos. Os sindicatos, pressionaram e obtiveram respaldo governamental e conseguiram passar duas leis importantes aos seus objetivos: a Lei de Codeterminação, pela qual assumem um papel dirigente na política empresarial em todas as suas dimensões; e a Lei sobre o Fundo de Investimentos, pela qual os empresários se veem forçados a reinvestir (seus lucros) ou, alternativamente, contribuir para um Fundo Nacional de Investimento controlado pelos sindicatos. p. 147

É oportuno aqui destacar que, em nível nacional, à exceção dos países escandinavos, nenhuma central Sindical Europeia conseguiu acordos com o Estado ou com os empresários. p. 148

A partir de meados da década de 70, temos a passagem para um neocapitalismo balizado pelas bases do modelo do capitalismo liberal-burguês do século XIX, da "mão-invisível", do laissez-faire, livres de regras nas relações capital/trabalho. Desse período até os dias atuais se instalou uma significativa regressão do Estado de Bem-Estar Social, acompanhada de uma crise estrutural do emprego e de um Estado cada vez menos intervencionista. p. 149


A ERA DO ESTADO DE BEM-ESTAR E PLENO EMPREGO


Keynes defendia que o capitalismo, como um sistema econômico, tinha como base essencial a instabilidade e, por conseguinte, tendia ao constante desequilíbrio. Em virtude disso tornava-se imprescindível a presença do Estado na economia de mercado. É de fato uma explicação do processo de tensão, acomodação, adaptação e evolução do capitalismo. p. 151

A intervenção estatal lhe parece um elemento fundamental às sociedades capitalistas modernas. ... em que se combinem o poder de riquezas do capitalismo com o igualitarismo da propriedade e do controle coletivos, o que passou a ser denominado "economia mista". p. 151

Obs. part.: Democracia x Capitlismo = engodo. Sugere que no modelo democrático todos podem melhorar de vida, igualdade e liberdade de direitos.

Segundo Hobsbawn, o medo dos homens de voltarem a outras formas de economia e a implantação da teoria keynesiana estavam a domesticar o poder bruto do capitalismo, sob os auspícios da democracia. p. 152

... o capitalismo tornou-se socialmente mais suportável, como também mais eficiente em termos econômicos. Temperou-se os extremos do capitalismo, a volatilidade de uma economia de mercado e de produção/consumo pautada pela desigualdade. p. 152

Neste sentido, nestas últimas décadas tem-se visto o desaparecimento gradual do Estado de Bem-Estar Social dos direitos sociais, até mesmo nos países desenvolvidos. O neoliberalismo econômico fanático do tipo thatcherista paulatinamente desmantela o Estado de Bem-Estar Sociale reduz os seus custos. p. 154

O Partido Conservador conseguiu, através da ascensão de Thatcher, quebrar a trajetória anterior, marcada por forte presença do trabalhismo inglês, alterando assim, paulatinamente e de forma significativa, as condições econômicas e sociais existentes na Inglaterra quanto à sua estrutura jurídico-institucional, de modo a se compatibilizar com a lógica do modelo neoliberal. p. 154


PRECARIZAÇÃO DAS ESTRUTURAS CORPORATIVAS


... a crise econômica era atribuída, pelos pensadores neoliberais, ao poder dos sindicatos e às suas pressões sobre salários e seguridade social. Sua superação requeria, portanto, a subjugação total dos sindicatos e a imposição do Estado. Tais ideias transformaram-se em medidas práticas quando se consolidou o predomínio de governos conservadores na Europa e nos Estados Unidos na década de 1980, o que ainda continua em curso, conjugando medidas de desregulamentação e privatização da vida social e econômica a medidas de políticas de ataque sistemático aos direitos sociais, conquistados depois de muitas lutas, e também de ideias que se tornaram medidas praticas ideológicas, econômicas e políticas no início do século XX. p. 158

Este processo de desregulamentação, flexibilidade e minimalismo do Estado em âmbito mundial leva a um acentuado e dramático aumento de níveis de desemprego e de subemprego, o que significa precarização dos trabalhadores e uma significativa exclusão do processo produtivo pelo desemprego estrutural. p. 158

25% das pessoas abaixo de 25 anos de idade permanecem desempregadas na frança. A geração como um todo está presa aos contrats à durée determinée (contratos de duração determinada, CDDs) e stages (estágios) - ambos expedientes cruéis e impiedosamente exploratórios. E em 2006 havia cerca de 600 mil stagieres na França, seu número atual é estimado entre 1,2 a 1,5 milhão. p. 160

Ronaldo dos Santos, argumenta que um sindicalismo atualizado não pode ficar alheio ás questões de repercussões sociais, como o desemprego, a criação de emprego, a proteção do trabalho informal, a inserção dos trabalhadores com deficiência no mercado, o combate ao trabalho escravo e ao trabalho infantil, a proteção ao trabalho da mulher, a qualificação dos trabalhadores desempregados, entre outras. p. 161


NOVOS HORIZONTES PARA A ATIVIDADE SINDICAL


Na atual conjuntura da sociedade denominada de pós-moderna, pós-intervencionista, há uma crise de representatividade coletiva e de legitimidade das instituições, e um profundo mal-estar social não só na autocracia, mas também na democracia, acrescido de uma crescente desconfiança no Estado liberal burguês. p. 162

Como já mencionado, grande parte da população não parece ter representação política de sua posição ideológica. Aquela ideia clássica de que os partidos que se colocassem contra as ações do regime vigente seriam entendidos como "de esquerda" e os defensores do governo em vigência ocupariam a ala "de direita", parece não existir mais. Todos parecem estar com a mesma ideologia e com um único interesse, o poder. p. 163


III
A JUDICIALIZAÇÃO POLÍTICA
A DIALÉTICA COMO MÉTODO DE SE CHEGAR À "VERDADE"
DA CIÊNCIA MEDIEVAL À CIÊNCIA MODERNA


A substituição da ciência medieval aristotélica pela ciência moderna, baseada na razão e em seus fundamentos, é fruto da Revolução Intelectual dos séculos XVI e XVII, período em que nasceram os intelectuais que delinearam a sociedade moderna, tais como : Copérnico, Francis Bacon, Galileu Galilei, René Descartes, Hobbes. p. 173

O advento da prensa tipográfica, atribuído a Gutenberg cerca de 100 anos antes impulsionou a disseminação da ciência, como por exemplo a dos símbolos matemáticos. p. 174

Neste instante, através do advento da "Encyclopédie", um grupo de pessoas cultas decide transmitir o saber num corpus de livros, não para que seja contemplado ou mesmo utilizado em um sentido apenas intelectual, mas para que seja usado como fonte de saber técnico. Isto é, para reproduzir, a um contingente maior de pessoas, o universo tecnológico que até então era um patrimônio restrito aos iluminados. Então os iluminados passaram a iluminar e tornaram-se lumi. p. 175

Um dos mais proeminentes pensadores do iluminismo foi René Descartes. p. 175

O Iluminismo alcançou seu apogeu na França, durante o século XVIII, sob a influência de Voltaire, que nasceu em 1694 e morreu 11 anos antes de rebentar a Revolução Francesa. p. 175

Deu-se início ao liberalismo e eu mentor intelectual foi outro grande pensador do Iluminismo, John Locke, defendido nos livros e panfletos por Voltaire. As ideias do liberalismo desencadearam o Estado Liberal. p. 176

O modelo racionalista da ciência moderna favoreceu a tomada de consciência da burguesia e a legitimidade de um discurso dos ideários republicano, secular e cientificista, em contraponto às visões metafísicas do mundo pré-moderno (platônico-aristotélico), apto a forjar a ideologia e o projeto revolucionário contrário às "irracionalidades" do status quo ante. p. 176


    A LEI-FONTE UNICA DO DIREITO NO ILUMINISMO